Entrevista com teólogo próximo do Papa, dom Víctor Fernández, da Pontifícia Universidade Católica da Argentina
Roma, 22 de Outubro de 2013
“Chega de padres que vivem no luxo. Vou explicar a revolução
de Francisco”: com este título, o jornal italiano La Repubblica
veiculou hoje uma entrevista de página inteira com o arcebispo dom
Víctor Fernandez, director da Pontifícia Universidade Católica da
Argentina e teólogo muito próximo do santo padre.
O ponto central, diz o teólogo, é que “Francisco pensa que uma
Igreja que quer sair de si mesma e chegar a todos tem a necessidade de
adaptar o seu modo de pregar”. Por isso, “ele aplica um critério que foi
proposto pelo concílio Vaticano II e que é muitas vezes esquecido: a
hierarquia da verdade”. Porque o problema é que “muitas vezes os
preceitos da doutrina moral da Igreja são propostos fora do contexto que
lhes dão significado”, o que faz com que “eles não manifestem por
inteiro o coração da mensagem”.
O arcebispo especifica: “Por exemplo, se um pároco fala dez vezes por
ano sobre moral sexual e só duas ou três vezes sobre o amor fraterno ou
a justiça, é evidente que existe uma desproporção”. E o mesmo ocorre
“se ele fala muito contra o casamento homossexual e pouco sobre a beleza
do matrimónio”. Se o convite “não brilha com força e com poder de atracção, a moral da Igreja corre o risco de desabar, como um castelo de
cartas. Este é o maior perigo”.
Sobre as características do papa Francisco, o director da PUCA
observa: “Ele vai além das discussões teológicas sobre o concílio,
porque o santo padre está interessado em dar continuidade ao espírito de
renovação e de reforma da Igreja, que vem desde o próprio concílio. Ele
está fora de qualquer obsessão ideológica” e tem a intenção de “levar a
Igreja para fora de si mesma, para chegar a todos”.
Quanto às relações às vezes difíceis entre Bergoglio e a presidente
Cristina Kirchner, o arcebispo redimensiona, explicando que as homilias
foram muitas vezes interpretadas a partir de uma perspectiva política,
quando, na realidade, nenhum político pode afirmar "que teve Bergoglio
como aliado político, seja de esquerda, seja de direita”. E o arcebispo
amplia o horizonte da problemática: “Eu acho que quem tem alguma forma
de poder, inclusive eclesiástico, não pode deixar de sentir sobre si
mesmo o aguilhão de Bergoglio, porque ele é e sempre será intérprete de
quem não tem poder”.
Dom Fernández recorda: “Em 2000, Bergoglio expressou um desejo: ‘que o
poder não seja um privilégio inexpugnável’. E isto vale para um
presidente, para um governador ou para um homem de negócios, para um
cardeal e para os membros da cúria romana”.
O reitor considera, no entanto, que “uma certa afinidade com o
peronismo existiu”, na medida em que o peronismo "assumiu com força
valores da doutrina social da Igreja", embora reconheça: “Isto não
significa que Bergoglio tenha sustentado alguma vez algum poder
político”.
O teólogo também fala da pregação do papa sobre a pobreza: “Não é um
amor ao sacrifício por si mesmo, nem uma obsessão pela austeridade”, mas
um despojar-se interior “voltado a colocar Deus e os outros no centro
da própria vida”. E enfatiza que “o papa Francisco não gosta dos ‘padres
príncipes’, que tiram férias caras ou jantam nos melhores restaurantes,
que ostentam objectos de ouro por cima das vestes ou que fazem contínuas
visitas a pessoas poderosas”.
Sobre a reforma na cúria romana, o arcebispo considera que o mais
importante não é a simplificação da estrutura, “mas outras formas de
participação (sínodos, conferências episcopais, consulta aos leigos),
que, nos últimos anos, foram mais reais do que formais”. Isto requer que
alguns sectores da cúria deixem de ser excessivamente jurídicos,
inquisidores e ao mesmo tempo majestosos, “pois eles estão correndo o
risco de se tornar autorreferenciais”. O reitor da universidade comenta:
“Algumas vezes, ouvi personalidades da cúria dizerem 'nós' sem
incluírem toda a Igreja, nem sequer o papa, mas apenas a si mesmos”.
in
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