Homilia do Cardeal Tarcisio Bertone na Eucaristia da Vigília na Peregrinação de Outubro
Fátima, 14 de Outubro de 2013
Apresentamos a Homilia do Cardeal Tarcisio Bertone na
Eucaristia da Vigília na Peregrinação de Outubro, ocorrida em Fátima
neste sábado, 12 de Outubro.
Queridos peregrinos de Fátima,
Amados irmãos e irmãs!
Comemoramos hoje a dedicação desta Basílica de Nossa Senhora do
Rosário, que teve lugar há sessenta anos. É a Casa da Mãe, à qual
acorrem os peregrinos para o encontro com seu Filho: «Hei-de enchê-los de alegria na minha casa de oração»(Is
56, 7). Aqui celebramos o mistério da presença amiga e real de Jesus
Cristo, que nos fascina, conquista e salva, como fez com Zaqueu: «Hoje entrou a salvação nesta casa» (Lc 19, 9). «Honra, portanto, a vós que acreditais» (1 Ped 2, 7)!
À luz da Palavra de Deus que foi proclamada, queria convidar-vos a
ver neste sinal da divina presença, que é a Casa da Mãe, a memória da
nossa origem do Alto, a tenda do encontro da família humana e a
antecipação profética da nossa Pátria definitiva.
1. Nesta Basílica, podemos ver, antes de mais, a memória da nossa origem do Alto. Unidas e bem assentes sobre a «pedra angular» que é Cristo ressuscitado (cf. 1 Ped
2, 6), pouco a pouco vão-se cimentando as pedras vivas dos redimidos. A
sacralidade da Pessoa de Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro homem,
comunica-se a todos os redimidos, chamados a fazer parte do único e
verdadeiro templo de Deus. E, deste modo, o templo lembra-nos como a
nossa vida de redimidos brota da iniciativa admirável de Deus que entrou
na história para nos unir a Si e mudar o nosso coração e a nossa vida.
Entretanto cada um de nós há-de interrogar-se sobre a verdade e
profundidade da nossa ligação a Jesus, porque é possível dizer-se
cristão, comungar, participar nas mais variadas iniciativas eclesiais,
sem chegar a conhecer real e profundamente Jesus, permanecendo sempre à
superfície. É muito fácil ser espectadores, sentados e tranquilos,
empoleirados sobre os ramos do sicómoro a ver Jesus que passa. Mas, para
conhecer Jesus, é preciso descer como Zaqueu e acolhê-Lo na nossa
casa: encontrar-nos intimamente com Ele; abandonar-nos a Ele, sabendo
que tudo faz cooperar para o nosso bem. Abandonar-nos a Deus não quer
dizer ter superado todos os nossos problemas, mas querer, com todo o
nosso ser, que Ele possa actuar em nós e possa encontrar em nós plena
colaboração, deixando-O orientar os cordelinhos da nossa vida, pois «é
n’Ele, realmente, que vivemos, nos movemos e existimos» (Act 17, 28).
Enquanto não chegarmos a viver este abandono nas mãos d’Aquele que
nos incorporou em Si pelo Baptismo, não podemos afirmar que conhecemos
plenamente Jesus e, n’Ele, o Pai. Irmãos e amigos, posso assegurar-vos
que os meus momentos de maior felicidade e vida plena foram aqueles em
que procurei verdadeiramente fazer viver em mim Deus e a sua vontade.
2. Em segundo lugar, esta Casa da Mãe recorda-nos que todas as coisas serão instauradas em Cristo (cf. Ef 1, 10), tenda do encontro da família humana,
lugar da aliança de Deus com os homens e da união destes entre si. Como
ouvimos na primeira Leitura, esta abertura universal estava
profeticamente anunciada para a era messiânica: «A minha casa será chamada casa de oração para todos os povos» (Is
56, 7). Toda a família humana, segundo tempos e modos conhecidos
unicamente do Pai celeste, converge para a plenitude do Cristo total na
Igreja. E, enquanto as formas de que se vai revestindo a vida social são
contingentes – podem existir ou não, em função da evolução histórica –,
a Igreja não depende da história. Ela irrompe no mundo, precisamente
porque a sua origem está fora do mundo: presente em Deus desde toda a
eternidade, a Igreja faz-se anunciar no Paraíso terreno, é prefigurada
em Israel, desce do Céu nas línguas de fogo no dia de Pentecostes e,
entrando na história em Jerusalém, vai constituindo gradualmente o corpo
de Cristo, a «plenitude d’Aquele que tudo preenche em todos» (Ef 1, 23).
Isto, como disse, segundo tempos e modos conhecidos unicamente do Pai
celeste. A Ele, nada é impossível! O próprio Jesus tinha dito: «É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus» (Lc 18, 25). Pois bem! Em Jericó, o divino Mestre pôde constatar a entrada no Reino de «um homem rico, chamado Zaqueu (…): Hoje entrou a salvação nesta casa» (Lc
19, 2.9). O chefe de cobradores de impostos é resgatado por Jesus;
habituado a cobrar até ao último cêntimo, Zaqueu não pagou nada pelo seu
resgate, pela sua salvação. A gratuitidade, a amizade, a comunhão com o
Salvador deixam-no comovido, feliz, e aberto a todos, como as portas da
sua casa se abriram para a festa do perdão.
No texto, porém, sub-jaz a mesma interrogação que Lucas propõe no final da parábola do filho pródigo (cf. Lc
15, 28): conseguirão as pessoas que se consideram justas entrar para se
congratularem e fazerem festa com Zaqueu? Mostrando Jesus que Se senta à
mesa com os publicanos e os pecadores, Lucas desafia-nos a deixar cair
os muros de separação entre aqueles que se consideram justos e os
pecadores. Queridos peregrinos, este santuário chama-nos à solidariedade
com todos, como pedras vivas que reciprocamente se apoiam e harmonizam
na construção sobre a pedra angular que é Cristo. De nada serviria
frequentarmos a igreja, se não nos levasse a viver a comunhão, a missão e
o serviço aos mais pobres e marginalizados.
3. Dizemos, enfim, que esta Casa da Mãe é antecipação profética da nossa Pátria definitiva, quando Deus será «tudo em todos» (1 Cor
15, 28) na Jerusalém celeste; lá não haverá lágrimas, nem tristeza, nem
dor, nem morte. Sabemos que, no templo, os crentes renascem para a vida
divina e, nele, serão abençoados para o último êxodo rumo à Pátria
eterna. Se formos capazes de acolher Jesus na quotidianidade da vida,
com opções concretas de conversão como Zaqueu, saberemos ir ao encontro
d’Ele na glória, no momento do seu regresso como Senhor e Juiz do
universo. Unido a Ele, o povo dos crentes – adquirido por caro preço –
não só leva uma vida que tem como horizonte o Céu mas, por sua vez,
coopera para a salvação dos outros, ao «anunciar os louvores d’Aquele que nos chamou das trevas para sua luz admirável» (1 Ped 2, 9). «Honra, portanto, a vós que acreditais» (1 Ped
2, 7)! Nesta noite de vigília, queridos peregrinos, rezamos, não cada
um em segredo, mas como um imenso povo em marcha, seguindo Cristo
ressuscitado, iluminando-nos e arrastando-nos uns aos outros, apoiados
nas palavras de Jesus que são luz para os nossos passos.
Assim o povo de Deus aprende a ser a Igreja da esperança e da
alegria: sabe que Deus está agindo na história, que já agora é a aurora
do tempo que há-de vir e que, por isso, o nosso coração pode estar cheio
de alegria, de confiança, de esperança: «Hei-de enchê-los de alegria na minha casa de oração»(Is
56, 7). O Beato Francisco passava horas e horas na companhia de «Jesus
escondido» na Eucaristia, imerso em Deus e profundamente feliz. «Esta
gente – confessava ele às duas companheiras – fica tão contente só por
lhes dizermos que Nossa Senhora mandou rezar o terço e que aprendesses a
ler. O que seria se soubessem o que Ela nos mostrou em Deus!» Na mesma
linha, Santo Anselmo confessava sentir «os olhos da alma encandeados
pelo esplendor» da luz divina: «Na luz inacessível em que habitais,
Senhor, ninguém pode entrar para ver-Vos claramente tal como sois. Eu
não vejo essa luz, porque é excessiva para mim; e, no entanto, tudo o
que vejo, é por meio dela que o vejo: como a nossa vista humana que,
pela sua fraqueza, só pode ver por meio da luz do sol e contudo não pode
olhar directamente para o sol» (Proslógion, 14, 16).
Bem, se não podemos fixar o sol, podemos fazê-lo com a lua, tomada
aqui como símbolo para a Virgem Maria. Elevada em corpo e alma à glória
do Céu, «Ela é a aurora e a imagem da Igreja triunfante, Ela é sinal de
consolação e de esperança» (Prefácio da Assunção da Virgem Maria)
para o povo peregrino, porque o que sucedeu em Maria vai realizar-se na
Igreja. Amados irmãos e irmãs, olhai para Maria, invocai-A e imitai-A,
porque Ela é sinal e prenúncio do que seremos: como é a Mãe, assim se
esperam os filhos. Como povo presente na história mas peregrino para a
Pátria, nós conhecemos o amor de Deus e, como Maria, acreditamos nele,
para sermos semeadores de esperança e construtores de paz. Louvado seja
Nosso Senhor Jesus Cristo!
in
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