Para arcebispo de São Paulo, Bento 16 será lembrado como um dos grandes papas teólogos; dom Odilo está em Roma desde quarta-feira, 27/2
São Paulo,
Publicamos a seguir a entrevista exclusiva que o arcebispo
metropolitano de São Paulo, Dom Odilo Pedro Sherer, via email,
directamente de Roma, concedeu ao Jornal O São Paulo, órgão de imprensa
da arquidiocese de São Paulo, onde falou sobre as suas percepções a
respeito dos quase oito anos do pontificado de Bento 16. Dom Odilo, que
participará pela primeira vez de um Conclave, também orientou os
católicos sobre como viver este tempo tão importante para a vida da
Igreja. Veja a íntegra:
***
O SÃO PAULO – O que significou o pontificado de Bento 16 para a Igreja e quais foram suas principais contribuições?
Dom Odilo Pedro Scherer – Bento 16 deixa um legado importante para a Igreja e será certamente recordado na história da Igreja como um dos grandes papas teólogos; tanto pelo que escreveu e falou quando já era Sumo Pontífice, quanto pelo que escreveu antes disso. Será recordado também pelo seu esforço em ajudar a Igreja a voltar-se para a essência de sua fé e de sua missão. Mostram isso suas encíclicas sobre a esperança e a caridade, as Exortações Apostólicas sobre a Eucaristia e a Palavra de Deus. Mas será recordado, também, por ter estimulado o clero a buscar a autenticidade na vivência de sua vocação e toda a Igreja, na revalorização de sua fé e no esforço renovado para transmiti-la aos outros. Enfim, a própria renúncia é um gesto que ajudará a Igreja a voltar-se mais para o essencial de sua vida e missão, a partir de um renovado encontro com sua própria razão de ser e existir; um professor de teologia, em Roma, observou: a renúncia foi sua última aula de eclesiologia...
O SÃO PAULO – E o que significou a actuação de Bento 16 para a humanidade?
Dom Odilo Scherer – Isso ainda será melhor avaliado com o passar do tempo. De toda forma, continuando a tradição de seus predecessores, Bento 16 manifestou-se sobre todos os assuntos e fatos relevantes deste momento da vida e da história humanas. Sua contribuição para a cultura, a filosofia, a busca da verdade e do bem são extraordinárias; como teólogo e humanista tem largos horizontes e teve sua palavra geralmente acolhida com respeito e consideração; estimulou o mundo a pensar e a ir além das superficialidades de uma cultura consumista e imediatista. Sua encíclica social – Caritas in veritate – é uma contribuição importante para o discernimento sério sobre as questões que actualmente afligem a humanidade. Estimulou muito, também, o diálogo entre as religiões e as culturas. Teve sempre a preocupação da justiça, da paz e da solidariedade entre os povos.
O SÃO PAULO – Como os católicos devem encarar as
críticas e este clima de “denuncismo” que se instaurou nos média após o
anúncio de que o papa iria renunciar?
Dom Odilo Scherer – Com muita serenidade e
discernimento. É um fato interessante que, de um momento a outro, todos
começaram de novo a falar da Igreja, mesmo sem conhecer bem as questões
abordadas. Muita matéria produzida foi sensacionalista ou simplesmente
marcada pelo preconceito contra a Igreja, sem o interesse de conhecer ou
comunicar a verdade. É sempre importante tentar saber de qual púlpito
vem o sermão e perguntar se merecem crédito certas afirmações
bombásticas, de efeito retórico (ex. “guerra civil no Vaticano”...), que
não se sustentam em fatos, mas em suposições e conjecturas que visam
jogar no descrédito a Igreja perante o mundo e perante seus próprios
fieis. É preciso lembrar que cada um deverá prestar contas a Deus pelas
afirmações mentirosas e injuriosas ditas contra o próximo ou também a
Igreja. Recomendo que não se dê crédito fácil a certas caricaturas que
se fazem da Igreja; quem conhece a Igreja e vive dentro dela sofre com o
desprezo à Igreja. Infelizmente, as palavras do próprio Papa,
proferidas no anúncio do dia 11 de Fevereiro sobre sua renúncia, foram
deixadas de lado, como sendo não-verdadeiras, para dar largas a todo
tipo de suspeitas, especulações e conjecturas sobre os “reais motivos”
da renúncia. Alguém nas condições e na autoridade do Papa deveria
merecer mais crédito e respeito.
O SÃO PAULO - O senhor poderia descrever algum episódio mais pessoal de seus contactos com Bento 16?
Dom Odilo Scherer – Lembro da vigília na Jornada
Mundial da Juventude em Madrid, em Julho de 2011. Veio um temporal muito
forte durante a fala do papa; o vento balançava até a estrutura do
palco, onde estavam o Papa, os bispos e muitas outras pessoas. Mais de
um milhão de jovens estavam à frente do papa, apanhando toda aquela
chuva. Os seguranças sugeriram várias vezes que ele se retirasse para um
lugar mais seguro, mas Bento 16 quis permanecer ali, com os jovens...
No final da celebração, parecia que não queria ir embora, preocupado com
os jovens... Aproximou-se deles, de maneira muito paternal, e desejou
que, apesar de tudo, eles repousassem ao menos um pouquinho... Na manhã
seguinte, já debaixo de muito sol, a primeira coisa que fez foi
perguntar aos jovens como tinham passado a noite. Achei isso de uma
sensibilidade finíssima, que emocionou e cativou o coração dos jovens.
O SÃO PAULO - A partir dos momentos reservados que teve com Bento 16, que características o senhor destacaria dele?
Dom Odilo Scherer - Um homem sereno, simples,
inteligente, atento ao interlocutor, interessado em ouvir, extremamente
gentil e fino no trato com as pessoas. Nunca pude ver nele aquele homem
“autoritário” ou “duro”, como algumas vezes foi descrito; isso não
corresponde à verdade. Quando visitou o Brasil, em 2007, fiquei perto do
Papa durante alguns dias, na sua estadia em São Paulo. Eu lia os
títulos na imprensa e me perguntava: de qual papa estão falando? Não era
do Papa Bento 16, que eu conheço...
O SÃO PAULO - Estamos aguardando a escolha do novo Pontífice. A Igreja está “acéfala” até que o próximo papa seja eleito?
Dom Odilo Scherer - Não, a Igreja nunca fica acéfala
(“sem cabeça”, ou “sem chefe”) durante o período da vacância, porque o
verdadeiro chefe da Igreja é Jesus Cristo glorificado, que nunca
abandona o seu corpo, a Igreja. Além disso, durante a sede vacante, o
Colégio dos Cardeais responde pela Igreja, segundo as competências que
lhe são próprias.
O SÃO PAULO - Quais as características que o novo papa deve ter?
Dom Odilo Scherer - O escolhido terá as qualidades
que tiver, e não podemos idealizar demais. Nenhum papa é igual a outro.
Ele deverá ser dócil às inspirações e à acção do Espírito Santo,
inteiramente fiel a Cristo e à própria Igreja. Podemos, humanamente,
desejar que seja uma pessoa muito capaz, cheia de virtudes, preparada do
ponto de vista intelectual e teológico, homem de grande fé e vigor
espiritual, capaz de liderança e de comunicação, segundo as condições do
nosso tempo. Mas também neste caso, precisamos ter a consciência de que
ninguém nasce papa, mas aprende a desempenhar essa árdua missão
enquanto a exerce.
O SÃO PAULO – Quais são os principais desafios que o próximo papa vai encontrar?
Dom Odilo Scherer - São os desafios de toda a
Igreja, que se manifestam em toda parte: a nova evangelização, a
transmissão da fé, a perseverança na fé e a operosidade dos filhos da
Igreja para a irradiação da luz e da força viva do Evangelho no
mundo... Há os desafios internos da renovação constante da Igreja, para
que ela viva no compasso do tempo e da cultura, sem deixar de ser ela
mesma; há os desafios externos, representados pela cultura do nosso
tempo, muitas vezes fechada ao Evangelho, senão, contrária a ele. Há os
desafios da presença pública da Igreja no mundo, no contexto da
política, da economia, da educação, das relações sociais e
internacionais. De fato, o Evangelho não é um bem privado da Igreja, mas
uma “luz” para o mundo, que não deve ser ocultada, mas irradiada.
Enfim, o desafios podem ser muitos, mas não devemos esperar que eles
sejam enfrentados pelo papa sozinho, nem sempre em primeira pessoa. A
missão e a responsabilidade pela Igreja são compartilhadas, com o Papa,
por todos os bispos em comunhão com ele. E em cada Igreja local, com os
bispos, também os sacerdotes e todos os fiéis assumem essa mesma
responsabilidade. A Igreja não depende só do papa.
O SÃO PAULO - Qual deve ser a atitude dos católicos neste tempo de espera para a eleição do novo papa?
Dom Odilo Scherer - Antes de tudo, uma serena fé e
confiança na Igreja e na acção do Espírito de Cristo, que não abandona a
Igreja. Talvez foi essa a mensagem mais insistente de Bento 16 nesses
últimos dias de seu Pontificado: não estamos sozinhos; o Senhor não
abandona a sua Igreja. Portanto, ninguém desanime, nem se deixe levar
pelo pânico. Este é um tempo de espera e de serena esperança. A Igreja
não conta apenas com as próprias forças e fragilidades. Ela pode
continuar a contar com o seu supremo Pastor, que é o próprio Senhor
Jesus.
(Por Rafael Alberto, especial para O SÃO PAULO)
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