Páginas

sexta-feira, 1 de maio de 2020

Um Coração em busca de Arte e de Amor

Vieram-me as lágrimas aos olhos ao ouvir o tenor Luciano Pavarotti cantar a “Ave-Maria” de Schubert. Há vários dias que não escrevo. A presença da minha neta doente preenche o tempo por completo. Muito carente e apelativa, o que se torna compreensível, face ao momento de grande fragilidade que atravessa, absorve-me inteiramente. Faço-o com o maior gosto. Mas hoje, como se encontra melhor, senti a falta da narrativa. Contudo parecia bloqueada. Toda uma série de sentimentos contraditórios atravessava a minha alma. Será que tinha entretanto perdido o gosto pela escrita? Apercebi-me então que, não tendo podido usufruir de uma boa ópera, da visita a um museu, passear por esse mundo numa rua qualquer, repleta de vida, de história e de cultura, ou tão simplesmente assistir a uma cerimónia religiosa como habitualmente, parecia encontrar-me adormecida. Será egoísmo da minha parte, ou uma necessidade real, receber os contributos da sociedade, da cultura nas suas diferentes formas de expressão? Na verdade, todos nós construímos, dentro das nossas possibilidades com mais ou menos amor, empenho e dedicação, o nosso percurso terreno. Logo, criamos as nossas próprias necessidades e os nossos hábitos artísticos, históricos e culturais. Criamos um estilo de vida próprio que, quando nos falha, parece que tudo se desmorona à nossa volta.

Precisamos então, gradualmente, de nos adaptar à nova realidade. Aceitando-a e integrando-a na nossa vida, encontrando mecanismos alternativos que, de algum modo, consigam preencher a lacuna sentida. E existem sempre alternativas que nos ajudam a mitigar a paragem ocorrida por diferentes motivos. De qualquer modo o nosso coração encontra-se sempre inquieto nesta nossa passagem terrena já que: “Fizeste-nos, Senhor, para ti. O nosso coração está inquieto enquanto não descansa em Ti”. Quão difícil se torna encontrar a harmonia. A insegurança cresce, sobretudo quando atravessamos períodos mais conturbados da nossa vida. Em meu entender, só com a ajuda de Deus, que nos ama incondicionalmente, conseguimos transformar os medos e o isolamento num dom, já que a fé constitui uma relação, um encontro com Deus, e sob o seu impulso, graças ao seu Amor, conseguimos comunicar o que nos vai no coração, através das diferentes formas de arte. Também acolher os dons e carismas dos outros e corresponder-lhes em prol de um bem maior, felizes por, de algum modo, podermos ser úteis, dar o nosso modesto contributo, para alcançar alguma harmonia, paz, esperança… já que “de graça recebemos e de graça devemos dar”.

Quantas vezes, teremos refletido, sobre se a realidade que vivenciamos presentemente constitui aquela que gostaríamos de ter. Somos seres limitados, temos de aceitar o que dispomos, ou procurar encontrar meios, ou soluções alternativos, que nos permitam dar um passo em frente para a mudança. Vou buscar uma amiga para almoçar à procura do encontro com o futuro, da inspiração. É mesmo verdade, constato enquanto conduzo. Às vezes torna-se mesmo necessário partir, sair da nossa letargia, ainda que não sintamos essa vontade. No percurso, ouço na rádio que se celebram os duzentos anos da morte de Jacques Offenbach, um dos compositores e violoncelistas mais influentes da música popular europeia do século XIX. Apesar da sua origem alemã, Offenbach considerava-se um parisiense genuíno que, a certa altura da vida, sentiu algum constrangimento por ter despendido grande parte do seu talento com músicas mais populares, pelo que já com 60 anos, bastante doente, viria a compor a conhecida ópera “Os Contos de Hoffmann”, na qual se empenhou vivamente enquanto uma obra mais erudita, e que seria então considerada o maior êxito da época. Infelizmente, Offenbach já não assistiria à sua estreia. Morre em Paris no dia 5 de Outubro de 1880. Emociono-me a ouvir sua composição poética Barcarolle. É impressionante como a música de que gostamos pode influenciar o nosso estado de alma pela positiva, abrindo as portas à criatividade. E por falar em Paris, recordei saudosa uma estadia em Montmartre, há muitos anos atrás, em casa de um casal de primos que também já não se encontra entre nós. Muito ligado às artes, vivia neste bairro que admirava profundamente, tendo-me na altura, mostrado em pormenor. Recordo a excelente gastronomia, os alfarrabistas, a Praça dos Pintores, a Basílica do Sagrado Coração, situada no alto de um monte, que constitui o símbolo deste bairro, entre muitos outros lugares fantásticos, sobretudo a sua companhia e o modo de apreciar a arte, a cultura, a música, a história, as vivências… Mais tarde viria a ser diretor de um museu, tendo-se dedicado em profundidade à pintura e à banda desenhada. Presentemente, existe uma praça com o seu nome que perpetuará a sua memória. E é assim com muitas pessoas ligadas à arte e à cultura. Por vezes passam algumas dificuldades em vida, só sendo valorizados posteriormente. Não constitui uma crítica, mas unicamente uma constatação. Todos nós temos de construir o nosso próprio percurso ainda que, tarde ou nunca, possa ser reconhecido e recordado. Quando menos esperamos a arte acontece sob diferentes formas, sensibilizando-nos profundamente, ousando despertar o que se encontrava adormecido bem no fundo do nosso coração, inquietando-nos. Pode ser através da escrita, da poesia, da pintura, da ópera, de uma paisagem, de uma visita a um museu, a um lugar histórico, numa cerimónia religiosa, ou simplesmente num espetáculo de ballet. Há uns anos atrás, de visita a Hamburgo adquiri, sem grandes expetativas, bilhete para assistir ao ballet “O Lago dos Cisnes” do compositor russo Peter Tchaikovsky. Saí do espetáculo sem palavras. Que maravilha de orquestra, que excelente coreografia, que sublime espetáculo, que não esqueceria até aos dias de hoje. A vida tem destas coisas, quando menos esperamos, a arte acontece em cada esquina, em cada momento. E quando tem lugar, constitui já uma enorme recompensa. Penso que podem faltar muitas coisas, mas a arte, a cultura, bem como a história, têm um lugar preponderante na nossa vida, e nunca devem faltar. É como o pão nosso de cada dia. Ao som da música de Tchaikovsky voo com o coração repleto de arte rumo a Roma, quem sabe até Florença, talvez até Viena, ou tão simplesmente, para ficar numa das cidades mais belas do mundo, Lisboa, palco de tantos acontecimentos gloriosos, augurando que nunca nos falte a possibilidade de usufruir de todas as formas de expressão cultural, que permitam conservar as memórias e as tradições deste nobre povo. Santa Maria, nossa querida Padroeira, que tanto amor nos tem dedicado, nestas Suas terras lusitanas, intercede, agora e sempre por todos nós! Santo Anjo Custódio de Portugal vela pelo nosso País!

Maria Helena Paes



Sem comentários:

Enviar um comentário