Vieram-me as lágrimas aos olhos ao
ouvir o tenor Luciano Pavarotti cantar
a “Ave-Maria” de Schubert. Há vários
dias que não escrevo. A presença da minha neta doente preenche o tempo por
completo. Muito carente e apelativa, o que se torna compreensível, face ao
momento de grande fragilidade que atravessa, absorve-me inteiramente. Faço-o
com o maior gosto. Mas hoje, como se encontra melhor, senti a falta da
narrativa. Contudo parecia bloqueada. Toda uma série de sentimentos contraditórios
atravessava a minha alma. Será que tinha entretanto perdido o gosto pela
escrita? Apercebi-me então que, não tendo podido usufruir de uma boa ópera, da
visita a um museu, passear por esse mundo numa rua qualquer, repleta de vida,
de história e de cultura, ou tão simplesmente assistir a uma cerimónia
religiosa como habitualmente, parecia encontrar-me adormecida. Será egoísmo da
minha parte, ou uma necessidade real, receber os contributos da sociedade, da
cultura nas suas diferentes formas de expressão? Na verdade, todos nós
construímos, dentro das nossas possibilidades com mais ou menos amor, empenho e
dedicação, o nosso percurso terreno. Logo, criamos as nossas próprias
necessidades e os nossos hábitos artísticos, históricos e culturais. Criamos um
estilo de vida próprio que, quando nos falha, parece que tudo se desmorona à
nossa volta.
Precisamos então, gradualmente, de nos adaptar
à nova realidade. Aceitando-a e integrando-a na nossa vida, encontrando
mecanismos alternativos que, de algum modo, consigam preencher a lacuna
sentida. E existem sempre alternativas que nos ajudam a mitigar a paragem
ocorrida por diferentes motivos. De qualquer modo o nosso coração encontra-se
sempre inquieto nesta nossa passagem terrena já que: “Fizeste-nos, Senhor, para
ti. O nosso coração está inquieto enquanto não descansa em Ti”. Quão difícil se
torna encontrar a harmonia. A insegurança cresce, sobretudo quando atravessamos
períodos mais conturbados da nossa vida. Em meu entender, só com a ajuda de
Deus, que nos ama incondicionalmente, conseguimos transformar os medos e o
isolamento num dom, já que a fé constitui uma relação, um encontro com Deus, e
sob o seu impulso, graças ao seu Amor, conseguimos comunicar o que nos vai no
coração, através das diferentes formas de arte. Também acolher os dons e
carismas dos outros e corresponder-lhes em prol de um bem maior, felizes por,
de algum modo, podermos ser úteis, dar o nosso modesto contributo, para alcançar
alguma harmonia, paz, esperança… já que “de graça recebemos e de graça devemos
dar”.
Quantas vezes, teremos refletido,
sobre se a realidade que vivenciamos presentemente constitui aquela que
gostaríamos de ter. Somos seres limitados, temos de aceitar o que dispomos, ou
procurar encontrar meios, ou soluções alternativos, que nos permitam dar um
passo em frente para a mudança. Vou buscar uma amiga para almoçar à procura do
encontro com o futuro, da inspiração. É mesmo verdade, constato enquanto
conduzo. Às vezes torna-se mesmo necessário partir, sair da nossa letargia,
ainda que não sintamos essa vontade. No percurso, ouço na rádio que se celebram
os duzentos anos da morte de Jacques Offenbach,
um dos compositores e violoncelistas mais influentes da música popular europeia
do século XIX. Apesar da sua origem alemã, Offenbach
considerava-se um parisiense genuíno que, a certa altura da vida, sentiu
algum constrangimento por ter despendido grande parte do seu talento com
músicas mais populares, pelo que já com 60 anos, bastante doente, viria a
compor a conhecida ópera “Os Contos de Hoffmann”,
na qual se empenhou vivamente enquanto uma obra mais erudita, e que seria então
considerada o maior êxito da época. Infelizmente, Offenbach já não assistiria à sua estreia. Morre em Paris no dia 5
de Outubro de 1880. Emociono-me a ouvir sua composição poética Barcarolle. É impressionante como a
música de que gostamos pode influenciar o nosso estado de alma pela positiva,
abrindo as portas à criatividade. E por falar em Paris, recordei saudosa uma
estadia em Montmartre, há muitos anos
atrás, em casa de um casal de primos que também já não se encontra entre nós.
Muito ligado às artes, vivia neste bairro que admirava profundamente, tendo-me
na altura, mostrado em pormenor. Recordo a excelente gastronomia, os
alfarrabistas, a Praça dos Pintores, a Basílica do Sagrado Coração, situada no
alto de um monte, que constitui o símbolo deste bairro, entre muitos outros
lugares fantásticos, sobretudo a sua companhia e o modo de apreciar a arte, a
cultura, a música, a história, as vivências… Mais tarde viria a ser diretor de
um museu, tendo-se dedicado em profundidade à pintura e à banda desenhada. Presentemente,
existe uma praça com o seu nome que perpetuará a sua memória. E é assim com
muitas pessoas ligadas à arte e à cultura. Por vezes passam algumas
dificuldades em vida, só sendo valorizados posteriormente. Não constitui uma
crítica, mas unicamente uma constatação. Todos nós temos de construir o nosso
próprio percurso ainda que, tarde ou nunca, possa ser reconhecido e recordado. Quando
menos esperamos a arte acontece sob diferentes formas, sensibilizando-nos profundamente,
ousando despertar o que se encontrava adormecido bem no fundo do nosso coração,
inquietando-nos. Pode ser através da escrita, da poesia, da pintura, da ópera,
de uma paisagem, de uma visita a um museu, a um lugar histórico, numa cerimónia
religiosa, ou simplesmente num espetáculo de ballet. Há uns anos atrás, de visita a Hamburgo adquiri, sem
grandes expetativas, bilhete para assistir ao ballet “O Lago dos Cisnes” do compositor russo Peter Tchaikovsky. Saí do espetáculo sem palavras. Que maravilha de
orquestra, que excelente coreografia, que sublime espetáculo, que não
esqueceria até aos dias de hoje. A vida tem destas coisas, quando menos
esperamos, a arte acontece em cada esquina, em cada momento. E quando tem
lugar, constitui já uma enorme recompensa. Penso que podem faltar muitas coisas,
mas a arte, a cultura, bem como a história, têm um lugar preponderante na nossa
vida, e nunca devem faltar. É como o pão nosso de cada dia. Ao som da música de
Tchaikovsky voo com o coração repleto de arte rumo a Roma, quem sabe até
Florença, talvez até Viena, ou tão simplesmente, para ficar numa das cidades
mais belas do mundo, Lisboa, palco de tantos acontecimentos gloriosos,
augurando que nunca nos falte a possibilidade de usufruir de todas as formas de
expressão cultural, que permitam conservar as memórias e as tradições deste
nobre povo. Santa Maria, nossa querida Padroeira, que tanto amor nos tem
dedicado, nestas Suas terras lusitanas, intercede, agora e sempre por todos
nós! Santo Anjo Custódio de Portugal vela pelo nosso País!
Sem comentários:
Enviar um comentário