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sexta-feira, 1 de maio de 2020

O ônus da liderança moral

Um amigo enviou o link (https://www.youtube.com/watch?v=vP8tuPcY5bY) de entrevista gravada em Roma em 2013, concedida por João Pedro Stédile, na qual o líder do MST informa que a Pontifícia Académica do Vaticano o convidou para um seminário que discutiu o problema dos excluídos no mundo. Na mensagem deste amigo predominava uma interrogação: “Você ainda duvida que o Papa Francisco é comunista?”. Stédile inicia sua fala com os temas habitação, trabalho e educação e então deita falação dizendo que o Papa Francisco tem, antes de tudo, de limpar a própria casa para ter moral, que os valores cristãos viram um discurso hipócrita sem o atendimento das coisas básicas e, ora vejam, que a Igreja pode ser um sinal de esperança.


Em sua desabrida ousadia, Stédile exortou o diálogo com o Vaticano, mas sem a intervenção do núncio apostólico, que taxa de mero burocrata a serviço “sabe-se lá de quem”, e que a Santa Sé atenda as igrejas locais. Segue criticando o capitalismo e afirma que a maioria dos governos do mundo apenas atende os desígnios liberais. Qual a preocupação do amigo? Seria verdade que Francisco é comunista? Estaria o Vaticano a reboque do MST? Respondi que Stédile falou sem a presença de um representante da Igreja e portanto seu discurso não tem a chancela vaticana.


Há que registrar, entretanto, que Stédile longe está de ser burro. Seu discurso é muito articulado e seu viés ideológico não pode ser combatido pela tola negação da realidade. A denúncia de que o mundo é injusto é um truísmo. Que a desigualdade no mundo tem crescido, outro. Estes fatos são adubo certo para a pregação comunista, que antes de tudo elege culpados. Há realmente tamanhos disparates sobre a Terra – como o desperdício e as guerras,- que por vezes é preciso desopilar o fígado nomeando um inimigo. Ou vários. Então vicejam os que prometem a remissão das injustiças, messiânicos a seu modo, ainda que ateus.


Na obra “Reminiscences of Leo Nikolayevitch Tolstoi”, Gorki relata um de seus diálogos com o decano dos escritores russos. Gorki afirma que não tem fé. Tolstoi contesta e responde que isto não é verdade: “Pela natureza você é um crente e não pode entrar sem Deus. Você vai perceber um dia. Sua descrença vem da obstinação, porque você tem se machucado: o mundo não é o que você gostaria que fosse. Também há pessoas que não acreditam por timidez; acontece com rapazes; eles adoram alguma mulher mas não querem mostrar por medo de que ela não entenderia e também por falta de coragem. A fé, como o amor, também requer coragem e ousadia. (...) Agora você ama muito e a fé é apenas um grande amor: você precisa amar ainda mais e então seu amor tornar-se-á fé (...) Mas você nasceu crente e não vale a pena frustrar-se. (...) E o que é beleza? A maior e mais perfeita é Deus". Gorki tudo escutou em silêncio. Por fim disse, para si mesmo, vejam só, ateu convicto, que Tolstoi era divino ...


Não se negue, portanto, a boa vontade de todos quantos sofrem pelas injustiças no mundo e dedicam seu melhor para mitigá-las. Não recusemos a Stédile a convicção de que faz o que faz por amor à humanidade, que dedica o melhor de seus dias para lutar pela justiça e pela melhoria das condições desumanas em que vivem milhões no mundo mas, movido por impulsos morais,  prega e dissemina meios que pertencem a experiências intrinsicamente violentas. E fracassadas.


Tocqueville já antecipara que a democracia amplia a esfera da liberdade individual enquanto o socialismo a restringe. Segundo Friedrich Hayek, a democracia atribui a cada homem o valor máximo, ao passo que o socialismo faz de cada homem um mero agente. Desta forma, democracia e socialismo nada têm em comum, exceto uma palavra: igualdade. Mas observe-se a diferença: enquanto a democracia procura a igualdade na liberdade, o socialismo procura a igualdade na repressão e na servidão. Como dizia meu pai, e hoje o entendo melhor, se em certa época fomos incendiários, chega-se um dia na idade de bombeiro, quando os eventuais arroubos juvenis contam com o aplauso apenas do que nos restou de imaturidade.

Em seu livro “A miragem da justiça social” Hayek lembra que “A maioria das pessoas reluta ainda em encarar a mais alarmante lição da história moderna: a de que os maiores crimes de nosso tempo foram cometidos por governos que tinham o apoio entusiástico de milhões de pessoas movidas por impulsos morais”. Milhões que seguramente acreditavam na busca da justiça. Está para surgir um jeito mais humano de levarmos a Terra adiante. E é com este lodaçal de egoísmos e de impulsos morais que se preocupa Francisco. É preciso amar muito mais.


J. B. Teixeira 



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