Um amigo enviou o link (https://www.youtube.com/watch?v=vP8tuPcY5bY)
de entrevista gravada em Roma em 2013, concedida por João Pedro Stédile, na
qual o líder do MST informa que a Pontifícia Académica do Vaticano o convidou
para um seminário que discutiu o problema dos excluídos no mundo. Na mensagem deste
amigo predominava uma interrogação: “Você
ainda duvida que o Papa Francisco é comunista?”. Stédile inicia sua fala com
os temas habitação, trabalho e educação e então deita falação dizendo que o
Papa Francisco tem, antes de tudo, de limpar a própria casa para ter moral, que
os valores cristãos viram um discurso hipócrita sem o atendimento das coisas
básicas e, ora vejam, que a Igreja pode ser um sinal de esperança.
Em sua desabrida ousadia, Stédile exortou o diálogo
com o Vaticano, mas sem a intervenção do núncio apostólico, que taxa de mero
burocrata a serviço “sabe-se lá de quem”, e que a Santa Sé atenda as igrejas
locais. Segue criticando o capitalismo e afirma que a maioria dos governos do
mundo apenas atende os desígnios liberais. Qual a preocupação do amigo? Seria
verdade que Francisco é comunista? Estaria o Vaticano a reboque do MST?
Respondi que Stédile falou sem a presença de um representante da Igreja e
portanto seu discurso não tem a chancela vaticana.
Há que registrar, entretanto, que Stédile longe está
de ser burro. Seu discurso é muito articulado e seu viés ideológico não pode
ser combatido pela tola negação da realidade. A denúncia de que o mundo é
injusto é um truísmo. Que a desigualdade no mundo tem crescido, outro. Estes
fatos são adubo certo para a pregação comunista, que antes de tudo elege
culpados. Há realmente tamanhos disparates sobre a Terra – como o desperdício e
as guerras,- que por vezes é preciso desopilar o fígado nomeando um inimigo. Ou
vários. Então vicejam os que prometem a remissão das injustiças, messiânicos a
seu modo, ainda que ateus.
Na obra “Reminiscences
of Leo Nikolayevitch Tolstoi”, Gorki relata um de seus diálogos com o
decano dos escritores russos. Gorki afirma que não tem fé. Tolstoi contesta e responde
que isto não é verdade: “Pela natureza
você é um crente e não pode entrar sem Deus. Você vai perceber um dia. Sua
descrença vem da obstinação, porque você tem se machucado: o mundo não é o que
você gostaria que fosse. Também há pessoas que não acreditam por timidez;
acontece com rapazes; eles adoram alguma mulher mas não querem mostrar por medo
de que ela não entenderia e também por falta de coragem. A fé, como o amor,
também requer coragem e ousadia. (...) Agora você ama muito e a fé é apenas um
grande amor: você precisa amar ainda mais e então seu amor tornar-se-á fé (...)
Mas você nasceu crente e não vale a pena
frustrar-se. (...) E o que é beleza? A maior e mais perfeita é Deus".
Gorki tudo escutou em silêncio. Por fim disse, para si mesmo, vejam só, ateu
convicto, que Tolstoi era divino ...
Não se negue, portanto, a boa vontade de todos
quantos sofrem pelas injustiças no mundo e dedicam seu melhor para mitigá-las. Não
recusemos a Stédile a convicção de que faz o que faz por amor à humanidade, que
dedica o melhor de seus dias para lutar pela justiça e pela melhoria das
condições desumanas em que vivem milhões no mundo mas, movido por impulsos
morais, prega e dissemina meios que pertencem
a experiências intrinsicamente violentas. E fracassadas.
Tocqueville já antecipara que a democracia amplia a
esfera da liberdade individual enquanto o socialismo a restringe. Segundo Friedrich
Hayek, a democracia atribui a cada homem o valor máximo, ao passo que o
socialismo faz de cada homem um mero agente. Desta forma, democracia e
socialismo nada têm em comum, exceto uma palavra: igualdade. Mas observe-se a
diferença: enquanto a democracia procura a igualdade na liberdade, o socialismo
procura a igualdade na repressão e na servidão. Como dizia meu pai, e hoje o
entendo melhor, se em certa época fomos incendiários, chega-se um dia na idade
de bombeiro, quando os eventuais arroubos juvenis contam com o aplauso apenas do
que nos restou de imaturidade.
Em seu livro “A
miragem da justiça social” Hayek lembra que “A maioria das pessoas reluta
ainda em encarar a mais alarmante lição da história moderna: a de que os
maiores crimes de nosso tempo foram cometidos por governos que tinham o apoio
entusiástico de milhões de pessoas movidas por impulsos morais”. Milhões que seguramente acreditavam na
busca da justiça. Está para surgir um jeito mais humano de levarmos a Terra
adiante. E é com este lodaçal de egoísmos e de impulsos morais que se preocupa
Francisco. É preciso amar muito mais.
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