Testemunho do Pe. Ray Simpson, fundador da comunidade monástica inspirada na espiritualidade celta
Lindisfarne é uma ilha ao norte da Inglaterra, com pouco mais de
quinhentos habitantes, a poucos quilómetros da Escócia: não por acaso as
suas cores recordam as highlands escocesas. Berço da espiritualidade
celta, é conhecida como a Ilha Santa. A sua peculiaridade é que está
conectada à terra firma por um istmo que a torna acessível a pé ou carro
duas vezes por dia, na maré baixa. Em Lindisfarne o Pe. Ray Simpson, um
padre anglicano celibatário, fundou a comunidade monástica ecuménica
dedicada a Santo Aidan e Santa Hilda para viver e dar a conhecer a
espiritualidade cristã celta. No cento, um renovado compromisso no
cuidado e na preservação da Criação.
Fomos a Lindsfarne e entrevistamos ali o Pe. Simpson. Falamos também
sobre a última encíclica do Papa Francisco, Laudato Si’, de interesse
por causa das novas perspectivas no diálogo ecuménico e inter-religioso.
***
ZENIT: Pe. Ray, fale-nos sobre a comunidade de Santo Aidan e Santa Hilda…
Pe. Ray: Sou um padre anglicano, guardião fundador da comunidade
cristã internacional de Santo Aidan e Santa Hilda. Nesta comunidade nós
temos membros católicos, ortodoxos, evangélicos e anglicanos. Nós somos
uma comunidade ecuménica. E a nossa regra de vida nos indica para
vivermos juntos os pontos fortes de Deus em um cristianismo que hoje
está separado. Portanto, temos alguns membros que vão à missa com sua
esposa e eles acreditam nos sacramentos, temos alguns membros
evangélicos que prestam grande atenção aos pobres e à justiça, temos,
também, alguns membros anglicanos que hoje estão percebendo o quanto
seja importante ter cuidado com a Criação. Estes são apenas alguns dos
pontos fortes da nossa comunidade …
ZENIT: Quais são os pontos-chave da espiritualidade celta?
Pe. Ray: Originalmente, o cristianismo era um modo de vida, depois
tornou-se uma instituição. Os cristãos celtas procuram estabelecer um
modo de vida sem seguir à risca esta forma institucional.
O sol nasce todos os dias e nos direcciona a Deus. E da mesma maneira
que se o sol se assemelha a Deus, os cristãos celtas olham para o vento
como sendo o Espírito de Deus. Os cristãos celtas se deixam levar para o
vento sopra, demonstrando em concreto do que se trata o abandono à
misericórdia de Deus.
O cristianismo ignorou a criatividade da natureza. Foram necessário
1.300 anos para a Igreja Católica reconhecer o valor da espiritualidade
celta após o sínodo de Withby (em 664 com o Sínodo de Whitby decidiu-se a
latinização da Inglaterra cristã, ndr).
A Igreja celta tem raízes realmente profundas e importantes. Uma vez a
filosofia grega separava o corpo da mente, e assim fazia também a
Igreja quando era dominada pelo clericalismo. O pensamento provém do
coração, faz com que o Paraíso entre na vida de todos os dias sem
separá-los. E isso é muito verdadeiro em relação à Trindade, a ser
entendida não como uma coisa absoluta, mas como três amores no coração
do mesmo Deus.
ZENIT: É possível achar elementos de semelhança entre o monarquismo celta e o monaquismo beneditino?
Pe. Ray: Certamente existem semelhanças, como, por exemplo, o valor
da hospitalidade. Para muitos historiadores não teria sido possível
reevangelizar a Europa depois dos Bárbaros, sem o monaquismo. E também o
monarquismo celta deu a sua contribuição nisso, embora tenha as suas
diferenças com o monarquismo beneditino. Apesar da atenção à oração
diária, presente em ambas as experiências, se o monarquismo continental
requer uma específica estabilidade no mosteiro, a cultura celta manda os
monges caminhar e pregar.
ZENIT: Francisco é o Papa do diálogo e da atenção com a Criação. O que você acha?
Pe. Ray: Papa Francisco é admirado por um número cada vez maior de
pessoas. A tragédia dos cristãos é que os próprios cristãos se
esqueceram de ser uma só família no mundo, porque a Palavra nos convence
de que fomos criados juntos. Deus nos deu a forma para sermos cristãos
unidos, mas depois nos dividimos. O problema é que as pessoas não querem
reconhecer que tudo o que temos em comum é a fora da Criação, e isso o
Papa Francisco está reconhecendo, embora até agora não tenha mudado nada
de institucional. Está mudando o estilo pessoal, e as pessoas gostam
muito, embora não necessariamente todos sigam os conselhos do Papa dá.
Certamente, para a Igreja de Roma, nada mudou na instituição, mas apenas
no estilo.
ZENIT: Quais são os pontos de contacto entre a encíclica Laudato Si’ de Francisco e a espiritualidade cristã celta?
Pe. Ray: Os cristãos celtas reconhecem que a criação é Deus, e Deus é
a criação, da qual todos nós somos parte. Assim os cristãos celtas
estão ligados a todas as criaturas, amam os animais, compreendem que a
natureza nos fez todos iguais. Enquanto a nossa sociedade capitalista
nos leva a explorar o mais fraco para aumentar exponencial as riquezas
dos mais ricos.
Na Bíblia domina a criação. No capitalismo domina o dinheiro e
destrói-se a criação. O Papa Francisco está dizendo o que nós cristãos
celtas já dissemos há uns séculos. O que dizemos é que na natureza os
homens são todos iguais. E o Papa Francisco está expressando um
pensamento que nós acreditamos há séculos. Ou seja, que os pobres foram
largados à sua sorte e que a terra, com os seus recursos naturais, está
para ser destruída. E nós devemos comprometer-nos a mudar tudo isso
juntos.
in
Sem comentários:
Enviar um comentário