O papa encontrou-se com uma Igreja pequena, mas que sofreu uma longa perseguição
Madrid, 01 de Dezembro de 2014 (Zenit.org)
Reproduzimos este artigo do escritor francês Sébastien de
Courtois, publicado originalmente no site da organização Ajuda à Igreja
que Sofre. O texto foi assinado em Istambul.
* * *
A população turca é maioritariamente muçulmana, com quase 65% de
sunitas e uma importante minoria alevita (um ramo do islamismo xiita) de
25% a quase 35% da população total. Os alevitas turcos se situam à
margem do mundo muçulmano: eles não frequentam as mesquitas, e sim as
chamadas casas de oração; não respeitam o jejum do ramadão nem praticam
as cinco orações diárias. Embora sejam oficialmente considerados pela
administração turca como muçulmanos, é evidente, à luz destes fatos, que
eles estão fora do islão tal como entendido regularmente. Por isso, é
preciso prestar atenção na hora de falar das religiões na Turquia, pois,
com frequência, os próprios alevitas se consideram um grupo minoritário
semelhante ao dos judeus ou dos cristãos. Politicamente, eles não
comungam com o governo islâmico-conservador do Partido Justiça e
Desenvolvimento (AKP, Adalet ve Kalkinma Partisi), que está no poder
desde 2002, mas professam ideias republicanas, progressistas e laicas.
Tendo sido vítimas de discriminação, os alevitas turcos reivindicam
um reconhecimento oficial da sua especificidade pela Diyanet
(Administração Geral de Assuntos Religiosos da Turquia). Desde 2009, não
mais é obrigatório declarar na carteira de identidade a afiliação
religiosa.
Na Turquia, os cristãos não passam de 100.000 pessoas, o que é bem
pouco numa população total que já supera os 75 milhões de habitantes.
Entre eles estão os arménios (quase 80.000), os siríacos (quase 20.000) e
os greco-ortodoxos (menos de 2.000), chamados de “rum” em turco, ou
seja, “romanos”; além deles, há algumas centenas de famílias católicas
de rito latino que vivem nas grandes cidades (Esmirna e, principalmente,
Istambul).
Istambul, que não é a capital da Turquia, é um autêntico mosaico do
cristianismo, pois ali estão presentes todas as Igrejas orientais e
ocidentais, além de grandes correntes como os caldeus do sudeste
(originários de Hakkâri), os siro-ortodoxos de Tur Abdin, os búlgaros,
os russos (com suas igrejas construídas sob os telhados de Karaköy), os
polacoes, os ucranianos, as Igrejas protestantes e a anglicana, e uma
série de instituições católicas que operam no sistema educativo e social
como, por exemplo, a escola Dom Bosco, dirigida pelos salesianos, e o
hospital de Bomonti, gerido pelas Irmãzinhas dos Pobres, presentes na
Turquia desde 1892.
Devido à explosão do número de refugiados provenientes do mundo
inteiro, mas, principalmente, da África Negra, da Síria e do Iraque, as
igrejas de Istambul voltaram a ficar cheias.
No geral e de forma continuada, as Igrejas sempre se viram, no melhor
dos casos, em situação de minoria, e, no pior, em situação de gueto.
Mas a presença cristã na Turquia tem enorme relevância histórica. Penso
na figura do patriarca ecuménico, Bartolomeu, que encarna o legado do
antigo Império Bizantino e governa os destinos do mundo ortodoxo a
partir do bairro de Fener, no Chifre de Ouro. A comunidade rum se reduz a
algumas centenas de pessoas, mas a importância da sua sé patriarcal é
um símbolo que ultrapassa as fronteiras. O passado bizantino de Istambul
e da Anatólia não deve ser subestimado: milhares de igrejas e mosteiros
se espalham pela paisagem, ainda que muitos estejam em ruínas e
abandonados. A península histórica de Istambul não seria a mesma sem a
imponente silhueta de Santa Sofia, que remonta à primeira metade do
século VI, construída durante o reinado do imperador Justiniano.
Este monumento recorda ao visitante que a sociedade turca também foi
construída sobre um passado cristão e que é preciso não esquecer esta
continuidade invisível entre a grande história e o presente. Igualmente,
no sudeste do país, na região de Mardin, encontram-se os últimos
mosteiros activos na Turquia: são cinco e pertencem à Igreja
siro-ortodoxa (em total, uma vintena de religiosos). Alguns mosteiros
produzem pistache, uva e azeite de oliva. Esta região se chama Tur Abdin
(“montanha dos servos de Deus”) e é um antigo lugar de presença e
espiritualidade siríacas. Os cristãos da região utilizam uma língua de
origem aramaica chamada turoyo. Em torno destes mosteiros, há cerca de
vinte povoados cristãos, o que volta a nos mostrar a especificidade
desta região.
Desde 1915, e com a destruição causada pela Primeira Guerra Mundial, a
população arménia do leste da Anatólia foi removida e massacrada pelos
Jovens Turcos daquela época. O fato de que a Turquia sempre tenha se
negado a reconhecer o genocídio dos arménios gera um mal-estar que
constitui um dos principais problemas da Turquia no cenário
internacional. A normalização das relações entre a Grécia e a Turquia,
iniciada pela ajuda recíproca que cada país prestou ao vizinho depois do
terremoto de 1999, se viu reforçada graças ao empenho conjunto para
solucionar o problema cipriota.
Mas ainda não é suficiente, pois os cristãos turcos dependem demais
das relações internacionais entre países (Arménia e Grécia,
principalmente), ao mesmo tempo em que são cidadãos turcos de pleno
direito. Sua presença no território da República Turca, além disso, é
mais antiga do que a da população que comumente é considerada hoje como
“turca”. Este paradoxo permanece. Assim, os cristãos turcos são
frequentemente considerados como “estrangeiros”, o que é lamentável.
Apesar da liberdade de culto, eles sempre têm que justificar o seu lugar
na sociedade. Nos últimos anos, foram registados assassinatos muito
inquietantes de religiosos católicos e protestantes, sem falar da morte
de Hrant Dink, o jornalista turco de origem arménia. Uma parte
considerável da população turca, incitada pelo nacionalismo, acusa os
cristãos de quererem desestabilizar a nação turca e de serem agentes
estrangeiros, o que é sinal de uma paranóia aguda.
Por fim, muitas das grandes cidades mencionadas no Novo Testamento
devido à passagem dos apóstolos Pedro e Paulo estão no território da
actual Turquia: Antioquia, Éfeso, Cesareia ou Sardes e a região dos
Gálatas, que é a Ancara dos dias actuais. Os judeus, principalmente os
sefarditas, constituem, com seus 25.000 fiéis, a terceira maior
comunidade religiosa do país. Todas essas minorias esperaram com alegria
a visita do papa Francisco no final deste mês de Novembro.
O massacre dos arménios e dos siríacos turcos
As comunidades arménias e siríacas presentes nas províncias orientais
do Império Otomano foram, entre 1895 e 1915, vítimas de uma série de
massacres. A sorte das comunidades siríacas esteve ligada à sorte mais
geral dos arménios. As seguintes províncias orientais, fortemente
cristianizadas, foram bastante afectadas: Cilícia, Anatólia Oriental,
Erzurum, Van, Bitlis e Hakkâri, assim como a província de Diyarbakir.
Istambul não ficou atrás: mesmo lá os arménios foram perseguidos, em
especial os personagens mais importantes.
As Igrejas siríacas
O mundo siríaco é o menos conhecido e constitui um ecumenismo
oriental em si mesmo. Este legado remonta a Antioquia, a cidade em que
os cristãos foram chamados de cristãos pela primeira vez. Esta família
se compõe de cinco Igrejas diferentes que compartilham a língua siríaca:
a Igreja siro-ortodoxa, a Igreja siro-católica, a Igreja do Oriente, a
Igreja caldeia e a Igreja maronita do Líbano.
Embora a população cristã na Turquia mal chegue a 0,3%, a organização
Ajuda à Igreja que Sofre (AIS) financiou 100 projectos na Turquia nos
últimos vinte anos. Uma quantidade significativa dessa ajuda foi
destinada aos refugiados iraquianos e sírios na parte oriental do país.
Desde 2010, a AIS doou um total de 130.000 euros aos refugiados
iraquianos, principalmente através da Igreja caldeia e dos padres
salesianos de Istambul. Os salesianos atendem as famílias e dedicam
especial interesse à educação escolar infantil. Desde que começou a
crise na Síria, a AIS também vem ajudando os refugiados sírios no leste
da Turquia. De 2013 a 2014, a AIS doou um total de 47.000 euros para
cobrir as suas necessidades básicas.
* * *
Sébastien de Courtois escreve para a Ajuda à Igreja que Sofre,
fundação da Santa Sé que ajuda pastoralmente a Igreja necessitada ou
perseguida em qualquer parte do mundo.
(01 de Dezembro de 2014) © Innovative Media Inc.
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