1. Juramentos e tomadas de posse
Todos estamos habituados a presenciar tomadas de posse de cargos públicos, seja de presidentes da República e até de reis nas monarquias, e todos fazem juramentos solenes pelos mais diversos códigos: por Deus, pela honra, pela constituição, etc. Na Igreja há vocações, ordenações e entradas solenes, mas é sempre Deus, a sua Palavra revelada e tornada escrita na Bíblia e o amor ao Povo de Deus, cuja salvação se deseja e ama, que marcam o início da missão.
Todos estamos habituados a presenciar tomadas de posse de cargos públicos, seja de presidentes da República e até de reis nas monarquias, e todos fazem juramentos solenes pelos mais diversos códigos: por Deus, pela honra, pela constituição, etc. Na Igreja há vocações, ordenações e entradas solenes, mas é sempre Deus, a sua Palavra revelada e tornada escrita na Bíblia e o amor ao Povo de Deus, cuja salvação se deseja e ama, que marcam o início da missão.
Nestes dias estamos a proclamar na liturgia, a oração oficial e comunitária da Igreja, o texto das bem-aventuranças segundo o Evangelho de S. Mateus. Lá ouvimos que não devemos jurar, nem por nós nem por qualquer outro poder, mas que a nossa linguagem deve ser sim, sim e não, não. Isto não quer dizer que as nossas afirmações, gestos e atitudes devam ser arbitrárias, subjectivas, pensando apenas a partir da nossa opinião e bem pessoal, mas a partir de uma personalidade bem formada, coerente e transparente, que tem como suprema norma da sua linguagem e missão o bem integral da comunidade, dos outros, e não apenas dos amigos ou tendo em conta somente a dimensão económica da vida. A matéria, o dinheiro não se pode tornar o nosso Deus, a norma fundamental do nosso agir e muito menos da missão da Igreja, como não se cansa de acentuar o Papa Francisco.
Então pergunto-me: onde vamos buscar a luz para a nossa vida, para a nossa linguagem e missão? As fragilidades humanas são muitas, as constituições ou leis fundamentais dos Estados são importantes, mas podem e devem evoluir e são produto de épocas históricas, nem sempre as melhores para o futuro dos povos, sobretudo quando descem a pormenores que nem sempre são a melhor aplicação dos princípios, que na maioria das democracias são transcrição dos ideais da revolução francesa e da declaração universal dos direitos humanos, cuja concretização é muito variável nas leis de muitos países. Os apelos para a constitucionalidade de muitas decisões dos governos nem sempre significam um amor ao bem comum de todo o povo nas circunstâncias históricas em que vivemos, mas escondem muitas vezes interesses de grupos ou classes. Por isso os guardiães das Constituições não podem ajuizar somente a partir da letra dos princípios, mas ter sempre em conta a relatividade das suas aplicações. Como dizia Ortega y Gasset: a nossa consciência e as nossas decisões partem sempre do eu e das suas circunstâncias. E quem diz eu, diz todos os outros que connosco vivem, quando temos funções de autoridade em ordem ao bem comum.
2. Dia do Acto de Consciência
Para não ficar na análise de normas de ética e da formação da personalidade, na brevidade desta nota, aponto um caso muito conhecido da nossa história. No dia 20 de Junho, em muitos lados, comemora-se o dia do acto de consciência e no passado dia 10 foi o Dia de Portugal, de Luís de Camões e das comunidades. Este ano algumas pessoas e grupos aproveitaram as comemorações desse dia para fazer reivindicações e não para comemorar a nossa identidade como povo, espalhado pelo mundo, cuja história, semeada de glórias e também de debilidades, foi cantada por esse grande poeta, nos Lusíadas.
Refiro-me ao Cônsul de Portugal em Bordéus, desde 1938, Aristides de Sousa Mendes, que, a partir de Junho de 1940, perante milhões de pessoas que fugiam à invasão das tropas nazis de Hitler, contra as ordens do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal, concede milhares de vistos, sobretudo a judeus, cujo destino seria os campos de concentração e a morte, caso não pudessem fugir. É nessa altura que lhe é atribuída a frase: se há que desobedecer, prefiro que seja a uma ordem dos homens do que a uma ordem de Deus.
Sabemos que Aristides não era nenhum santo, mas em situação de cumprir ordens ou salvar vidas, ele optou pelas pessoas perseguidas, pela defesa destas e da sua dignidade, o que lhe valeu a despromoção, perseguição e abandono, terminando a sua vida em pobreza.
Em carta a Salazar, então também Ministro dos Negócios Estrangeiros, a 10 de Agosto de 1940, dizia: Não podia eu fazer diferenças de nacionalidades, visto obedecer a razões de humanidade que não distinguem raças nem nacionalidade.
E noutra, ao seu advogado, Adelino Palma Carlos, a 17 de Julho de 1941, ele escrevia: Não cumpri instruções que significavam, a meu ver, perseguição a verdadeiros náufragos que procuravam a todo o custo salvar-se da sanha hitleriana. E acrescentava: Deus aceitará o meu sacrifício em desconto dos meus pecados e imperfeições, que muitos são.
Aristides de Sousa Mendes tornou-se um exemplo para todos nós. Em situação de crises humanitárias, de guerra, o que deve prevalecer no ditame da nossa consciência bem formada é a pessoa humana, na sua dignidade e nos seus direitos. Não são as leis humanas que formam a consciência, mas aquilo que deveria ser o fundamento incontornável de todas as leis: o ser humano, sem distinção de raças ou de cores, de ideologias ou religiões. Ele é nosso irmão. Ficar indiferente ao seu sofrimento, põe em causa a nossa própria dignidade e os nossos direitos.
Por isso a Fundação Aristides de Sousa Mendes declarou o dia 20 de Junho como Dia do acto de consciência e pediu a vários bispos que nesse dia celebrassem uma missa em sua memória. Em Beja presidirei à Eucaristia por essa intenção, no dia 20, às 18,30 horas, na igreja de S. João Baptista, onde estará a decorrer o Tríduo da Solenidade do Corpo de Deus.
† António Vitalino, Bispo de Beja
Nota semanal em áudio:
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