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terça-feira, 24 de junho de 2014

Kasper: "O Papa disse-me que crê que 50% dos casamentos não são válidos"

Divorciados que voltaram a casar
O cardeal sustém a necessidade de uma abertura aos divorciados que voltaram a casar"

"A Igreja deveria ser capaz de perdoar se Deus o faz. De contrário haveria uma oposição entre Deus e a Igreja"

Jesús Bastante, 09 de Maio de 2014 às 08:51

(J. Bastante).- "O Papa disse-me que crê que 50% dos casamentos não são válidos". Assim de rotundo se manifestou o cardeal Walter Kasper, encarregado por Francisco das reflexões prévias ao Sínodo da Família e que no passado mês de Fevereiro abriu a porta a uma solução sensata para o acesso à comunhão dos divorciados que voltaram a casar.

Numa entrevista à revista Commonweal, o purpurado alemão revela que o próprio Bento XVI (com quem Kasper manteve uma relação de estreita colaboração) mostrou especial interesse pelo caso especialmente pelos chamados "cônjuges inocentes", isto é, os abandonados e que, depois de vários anos, refazem a sua vida junto a outra pessoa.

Há alguns que crêem que a Igreja é para os puros. Esquecem-se que a Igreja é uma Igreja de pecadores. Todos somos pecadores. E estou feliz de que seja assim, porque se não o fosse não formaria parte dela. É uma questão de humildade... Tenho a impressão de que isto é muito importante para o Papa Francisco. Não gosta das pessoas que estão na Igreja só para condenar os demais", assinalou Kasper, no que parece uma resposta perante aqueles que o acusam de “ir por sua conta” ou não contar com o apoio de Bergoglio.

Na sua reflexão, o cardeal fala do sacramento do perdão, e da possibilidade para os divorciados que voltaram a casar de seguir em frente com a sua nova vida de casal de um modo normal. A este respeito é claro: "Viver juntos como irmão e irmã? Naturalmente tenho um enorme respeito pelos que estão fazendo isto -disse Kasper. É um acto heróico, e o heroísmo não é para o cristão normal. E poderia criar novas tensões. O adultério não é só um comportamento sexual erróneo. É deixar uma "Familiaris consortio", uma comunhão, e para estabelecer uma nova [...] Eu creio que sim, que a absolvição é possível. Misericórdia significa que Deus dá a todos os que se convertem e se arrependem uma nova possibilidade".


Entre as armas teológicas da "opção Kasper" encontra-se Santo Antonio Maria Ligorio, um dos patronos da Teologia Moral, que advogava pelo "equiprobabilismo", e Santo Tomás de Aquino, o pai da prudência. "Creio que existem argumentos na tradição", sublinhou.

Significa isto reconhecer que cada um se pode casar todas as vezes que quiser? De forma alguma. "O primeiro matrimónio é indissolúvel - responde Kasper -, porque o matrimónio não é só uma promessa entre duas partes; é também uma promessa de Deus, é o que Deus faz e fez em todos os tempos. Portanto, o vínculo do matrimónio permanece. Naturalmente, os cristãos que deixam o seu primeiro matrimónio fracassaram. Isto está claro. O problema é quando não há maneira de sair de tal situação. Se vemos a acção de Deus na história da salvação, vemos que Deus dá ao seu povo uma nova possibilidade. Esta é a misericórdia. O amor de Deus não se esgota porque um ser humano tenha fracassado, se se arrepende. Deus oferece uma nova possibilidade, sem anular as exigências da justiça: Deus não justifica o pecado. Mas justifica o pecador. Muitos daqueles que me criticam não entendem esta diferença. Dizem: desta maneira nós queremos justificar o pecado. Não, ninguém quer isto. Mas Deus justifica o pecador que se converte. Esta diferença aparece desde Agostinho".

"Não nego - continua o cardeal alemão - que o vínculo do matrimónio permaneça. Mas os pais da igreja tinham uma imagem estupenda: se há um naufrágio, tu não obtém um novo navio para salvar-te, mas sim uma chalupa que te permitirá sobreviver. Esta é a misericórdia de Deus, dar-nos um barquito que nos permita sobreviver. Isto é o meu enfoque para o problema. Eu respeito os que tem uma postura diferente, mas, por outra parte, há que ver qual é a situação concreta de hoje. Como podemos ajudar as pessoas que lutam nestas situações? Sei que estas pessoas, frequentemente mulheres, estão muito comprometidas na vida paroquial; fazem todo o possível pelos seus filhos. Conheço uma mulher que estava preparando a sua filha para a primeira comunhão. O pároco disse que a rapariga podia ir receber a santa comunhão, mas a mãe não. Contei-o ao Papa e ele disse-me: ‘Não, isto é impossível'".


Quanto às segundas núpcias celebradas pelo civil, Kasper afirmou: "O segundo matrimónio, naturalmente, não é um matrimónio no sentido cristão. E eu estaria contra de celebrá-lo numa Igreja. Mas há alguns elementos do matrimónio. Queria comparar esta situação com a forma na qual a Igreja católica vê as demais Igrejas. A Igreja católica é a verdadeira Igreja de Cristo, mas há outras Igrejas que tem elementos da verdadeira Igreja, e nós reconhecemos estes elementos. Da mesma maneira, podemos dizer: o verdadeiro matrimónio é o sacramental; o segundo não é um matrimónio no mesmo sentido, mas tem elementos do primeiro: o casal cuida-se reciprocamente, estão vinculados exclusivamente um ao outro, pretendem permanecer neste vínculo, cuidam das crianças, levam uma vida de oração, e assim... Não é a melhor situação. É a melhor situação possível".

"De nenhuma maneira posso negar a indissolubilidade do matrimónio sacramental - aclarou Kasper na entrevista. Seria estúpido. Devemos fazer que se respeite, e ajudar as pessoas a que a entendam e a que a vivam. Esta é uma tarefa da Igreja. Mas devemos reconhecer que os cristãos podem fracassar, e então temos que ajudá-los. A todos os que dizem que vivem numa situação de pecado, responder-lhe-ia que o Papa Bento XVI já disse que estes católicos podem receber a comunhão espiritual. Comunhão espiritual significa estar unido com Cristo. Mas se eu estou unido com Cristo, não posso viver numa situação de pecado grave. E então, se podem receber a comunhão espiritual, porque não podem receber a comunhão sacramental? Creio que há muitos problemas também com a posição tradicional, e o Papa Bento reflectiu muito sobre isto: disse-me que estas pessoas deveriam ter meios de salvação e de comunhão espiritual [...] Estar em comunhão espiritual com Cristo significa que Deus perdoou esta pessoa. E o mesmo a Igreja - concluiu o cardeal -, mediante o sacramento do perdão, deveria ser capaz de perdoar se Deus o faz. De contrário haveria uma oposição entre Deus e a Igreja, e este seria um enorme problema".





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