Um formoso gesto da Segunda Guerra Mundial
Franz Stigler encontrou-se com o piloto do bombardeiro norte-americano em 1990. |
Actualizado 11 de Maio de 2014
Carmelo López-Arias / ReL
Charlie Brown, segundo tenente de 21 anos aos comandos de um bombardeiro F-17 da Força Aérea estadunidense, recobrou o conhecimento justo a tempo de agarrar-se ao controlo do avião, que já começava a cair a pique.
A visão desde o bombardeiro aliado
Em décimas de segundo recordou onde estava. Era 20 de Dezembro da 1943 e voltavam de deixar cair toneladas de bombas sobre Bremen, e tinham sido crivados por não menos de quinze caças inimigos, que os tinham dado por derrubados. Só funcionava um dos quatro motores, e dos membros da sua tripulação (na sua primeira missão de combate) um tinha morrido (o artilheiro da cauda) e outros seis estavam feridos.
Tratava-se de voltar a casa... Se o conseguissem. Não sabia muito bem que fazer, porque os seus homens feridos não estavam em disposição de saltar, nem muito menos de sobreviver sobre terreno inimigo. Mas quanto poderia aguentar no ar?
A visão desde o caça alemão
Então foi quando os avistou o Messerschmidt do tenente Franz Stigler, que tinha participado na batalha e tinha aterrado num aeródromo próximo para rearmar-se e continuar. Tinha 26 anos e 22 vitórias, faltando-lhe só uma para conseguir a apreciada Cruz de Cavaleiro. Uma fortaleza aérea que acabava de massacrar o seu solo parecia a vítima ideal.
Mas, ao aproximar-se, Stigler deu-se conta de que não haveria combate. Viu o artilheiro morto e o seu habitáculo banhado em sangue, o avião rodeado de um fumo que pressagiava a queda, a sustentação comprometida pela destruição de três dos seus motores... E através da cabina do piloto viu Brown, que a duras penas mantinha o rumo.
Onde entram em jogo dois princípios: a caridade cristã e a honra militar
Stigler deitou mão ao seu Rosário, que o acompanhava em cada missão, apertou-o e levantou o dedo do disparador. Sabia que terminar de derrubar aquele aparelho que já não podia fazer dano não era um acto de combate, era um assassinato. Isso sabia-o pela sua fé, pois é o que tinha aprendido no seu lar, uma fervorosa família católica bávara conhecida pela sua aversão aos nazis.
E que não havia honra naquela vitória tinha-o aprendido ao incorporar-se na Luftwaffe em 1942 e ser destinado à Líbia. O seu preceptor, o tenente Gustav Rödel, chamou-o no dia da sua primeira missão e disse-lhe: "Tome isto como uma advertência: aqui a honra é tudo. Cada vez que suba lá acima ultrapassá-lo-ão em número". Como Stigler não sabia muito bem o que ele queria dizer com isso, o seu superior foi mais explícito: "Se alguma vez vir ou escutar que você dispara contra alguém que se lançou em paraquedas, eu mesmo dispararei em você. As leis da guerra seguem-se por si mesmo, não pelo inimigo. As leis da guerra seguem-se para manter a própria humanidade".
Adam Makos contou esta história no seu livro A Higher Call [Uma chamada mais alta], onde dá conta da religiosidade pessoal de Stigler: "Ele tinha um fundamento na fé com a qual tinha sido educado. Assim sabia que teria que dar contas a Deus e sabia que Deus o estava vendo".
Uma cena inconcebível... E arriscada para o alemão
Naquele dia Stigler pôs em prática, pois, ambas as coisas: a caridade cristã que lhe ensinaram em casa e as normas da honra militar que lhe transmitiu o seu comandante. Em vez de disparar contra o B-17, pôs-se ao seu lado.
Carmelo López-Arias / ReL
Charlie Brown, segundo tenente de 21 anos aos comandos de um bombardeiro F-17 da Força Aérea estadunidense, recobrou o conhecimento justo a tempo de agarrar-se ao controlo do avião, que já começava a cair a pique.
A visão desde o bombardeiro aliado
Em décimas de segundo recordou onde estava. Era 20 de Dezembro da 1943 e voltavam de deixar cair toneladas de bombas sobre Bremen, e tinham sido crivados por não menos de quinze caças inimigos, que os tinham dado por derrubados. Só funcionava um dos quatro motores, e dos membros da sua tripulação (na sua primeira missão de combate) um tinha morrido (o artilheiro da cauda) e outros seis estavam feridos.
Tratava-se de voltar a casa... Se o conseguissem. Não sabia muito bem que fazer, porque os seus homens feridos não estavam em disposição de saltar, nem muito menos de sobreviver sobre terreno inimigo. Mas quanto poderia aguentar no ar?
A visão desde o caça alemão
Então foi quando os avistou o Messerschmidt do tenente Franz Stigler, que tinha participado na batalha e tinha aterrado num aeródromo próximo para rearmar-se e continuar. Tinha 26 anos e 22 vitórias, faltando-lhe só uma para conseguir a apreciada Cruz de Cavaleiro. Uma fortaleza aérea que acabava de massacrar o seu solo parecia a vítima ideal.
Mas, ao aproximar-se, Stigler deu-se conta de que não haveria combate. Viu o artilheiro morto e o seu habitáculo banhado em sangue, o avião rodeado de um fumo que pressagiava a queda, a sustentação comprometida pela destruição de três dos seus motores... E através da cabina do piloto viu Brown, que a duras penas mantinha o rumo.
Onde entram em jogo dois princípios: a caridade cristã e a honra militar
Stigler deitou mão ao seu Rosário, que o acompanhava em cada missão, apertou-o e levantou o dedo do disparador. Sabia que terminar de derrubar aquele aparelho que já não podia fazer dano não era um acto de combate, era um assassinato. Isso sabia-o pela sua fé, pois é o que tinha aprendido no seu lar, uma fervorosa família católica bávara conhecida pela sua aversão aos nazis.
E que não havia honra naquela vitória tinha-o aprendido ao incorporar-se na Luftwaffe em 1942 e ser destinado à Líbia. O seu preceptor, o tenente Gustav Rödel, chamou-o no dia da sua primeira missão e disse-lhe: "Tome isto como uma advertência: aqui a honra é tudo. Cada vez que suba lá acima ultrapassá-lo-ão em número". Como Stigler não sabia muito bem o que ele queria dizer com isso, o seu superior foi mais explícito: "Se alguma vez vir ou escutar que você dispara contra alguém que se lançou em paraquedas, eu mesmo dispararei em você. As leis da guerra seguem-se por si mesmo, não pelo inimigo. As leis da guerra seguem-se para manter a própria humanidade".
Adam Makos contou esta história no seu livro A Higher Call [Uma chamada mais alta], onde dá conta da religiosidade pessoal de Stigler: "Ele tinha um fundamento na fé com a qual tinha sido educado. Assim sabia que teria que dar contas a Deus e sabia que Deus o estava vendo".
Uma cena inconcebível... E arriscada para o alemão
Naquele dia Stigler pôs em prática, pois, ambas as coisas: a caridade cristã que lhe ensinaram em casa e as normas da honra militar que lhe transmitiu o seu comandante. Em vez de disparar contra o B-17, pôs-se ao seu lado.
A tripulação do Ye Olde Pub, como se chamava o B-17 de Charlie Brown, o primeiro da esquerda dos agachados. |
A Brown entrou-lhe inicialmente o pânico, porque sabia que não tinha defesa. Mas algo raro se passava. Não eram atacados. O piloto alemão pôs-se primeiro à sua direita, depois à sua esquerda, e parecia acompanhá-los, mais que ameaça-los, ao mesmo tempo que lhe fazia gestos.
Então Stigler deu-se conta de que se tinha aproximado de uma torre de vigilância que podia detectar o anómalo da situação e, dado que voavam muito baixo, identificar o seu caça e denunciá-lo. A pena de morte por traição era nesse caso certa. Assim que saudou os americanos movendo as asas e foi-se. Brown conseguiu salvar o B-17 e aterrar em Inglaterra.
O encontro
Ambos os protagonistas sobreviveram à Segunda Guerra Mundial. Brown continuou na Força Aérea até aos inícios da Guerra do Vietname, e instalou-se em Miami em 1972, e Stigler, ao finalizar uma contenda na qual tinha perdido em combate o seu pai e um dos seus irmãos, mudou-se em 1953 para o Canadá, onde se dedicou aos negócios.
Em 1986, o já coronel Brown iniciou a busca de quem lhe tinha salvado a vida a ele e à sua tripulação. Conseguiu-o, e em 1990 ambos reuniram-se, alcançando esse encontro uma ressonância mundial que converteu o incidente em símbolo de que há uma forma de fazer a guerra compatível com a magnanimidade e o amor ao próximo.
Então Stigler deu-se conta de que se tinha aproximado de uma torre de vigilância que podia detectar o anómalo da situação e, dado que voavam muito baixo, identificar o seu caça e denunciá-lo. A pena de morte por traição era nesse caso certa. Assim que saudou os americanos movendo as asas e foi-se. Brown conseguiu salvar o B-17 e aterrar em Inglaterra.
O encontro
Ambos os protagonistas sobreviveram à Segunda Guerra Mundial. Brown continuou na Força Aérea até aos inícios da Guerra do Vietname, e instalou-se em Miami em 1972, e Stigler, ao finalizar uma contenda na qual tinha perdido em combate o seu pai e um dos seus irmãos, mudou-se em 1953 para o Canadá, onde se dedicou aos negócios.
Em 1986, o já coronel Brown iniciou a busca de quem lhe tinha salvado a vida a ele e à sua tripulação. Conseguiu-o, e em 1990 ambos reuniram-se, alcançando esse encontro uma ressonância mundial que converteu o incidente em símbolo de que há uma forma de fazer a guerra compatível com a magnanimidade e o amor ao próximo.
Brown (esq.) e Stigler (dir.) entregam ao governador da Florida, Jeb Bush, uma reprodução do incidente que protagonizaram. |
Quando perguntaram a Stigler que tinha sentido ao encontrar-se de novo com Brown, não pode responder, afogadas as suas palavras pelo choro (ver o vídeo abaixo). Só tocar a mano do seu antigo adversário e sussurrar: "Te quero, George".
Ambos morreram em 2008, separados por só uns meses. Franz, primeiro, em 22 de Março, e no seu obituário a sua filha inclui o "seu irmão especial Charlie Brown". Este faleceu em 24 de Novembro, e o obituário do Miami Herald também assinala que os últimos dezoito anos viveram "tão próximos como se fossem irmãos".
Ambos morreram em 2008, separados por só uns meses. Franz, primeiro, em 22 de Março, e no seu obituário a sua filha inclui o "seu irmão especial Charlie Brown". Este faleceu em 24 de Novembro, e o obituário do Miami Herald também assinala que os últimos dezoito anos viveram "tão próximos como se fossem irmãos".
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