1. Tirado do nosso meio
No percurso do nosso caminho, de vez em quando, são retirados da nossa companhia alguns amigos e colegas. Isto aconteceu, de modo muito drástico, na semana passada, quando, no dia 12 de Março, do grupo dos bispos portugueses reunidos em Fátima em retiro anual, D. José Policarpo, Cardeal e Patriarca emérito de Lisboa, foi retirado do nosso meio para a plenitude da vida na eternidade, a meta final do nosso caminho. É sempre um choque inesperado, sobretudo quando tudo parece estar a decorrer com normalidade e a pessoa em causa está envolvida nas nossas conversas e preocupações, como foi o caso.
No percurso do nosso caminho, de vez em quando, são retirados da nossa companhia alguns amigos e colegas. Isto aconteceu, de modo muito drástico, na semana passada, quando, no dia 12 de Março, do grupo dos bispos portugueses reunidos em Fátima em retiro anual, D. José Policarpo, Cardeal e Patriarca emérito de Lisboa, foi retirado do nosso meio para a plenitude da vida na eternidade, a meta final do nosso caminho. É sempre um choque inesperado, sobretudo quando tudo parece estar a decorrer com normalidade e a pessoa em causa está envolvida nas nossas conversas e preocupações, como foi o caso.
Aproveito a primeira parte desta nota para prestar homenagem a este grande homem da Igreja, que esteve muito presente no meu próprio percurso em momentos importantes. O meu contacto pessoal começou apenas em 1977, quando D. José Policarpo era professor de teologia na Universidade Católica de Lisboa, frequentada pelos nossos estudantes carmelitas, que comigo residiam em Santo António dos Cavaleiros, onde eu era pároco. Um ano depois era ordenado bispo auxiliar de Lisboa, tendo vindo algumas vezes às paróquias a mim confiadas, a primeira vez a Frielas, para crismar. Chegou antes de mim, a conduzir o seu carro e falava com as pessoas em frente da igreja, com toda a simplicidade. Depois disso muitas vezes nos encontramos, sobretudo nas reuniões da vigararia de Loures, que ele acompanhava. Até que um dia fui chamado a ser seu colega como bispo auxiliar de Lisboa, em 1996, reunindo-nos amiúde com o Cardeal Patriarca de Lisboa de então, D. António Ribeiro.
Tenho saudades desse tempo, sobretudo das reuniões do conselho episcopal, em que partilhávamos colegialmente as preocupações da diocese, do clero, alegrias e tristezas e procurávamos, em conjunto, as melhores soluções. A agenda era sempre grande e alguns pontos, emitidas as opiniões de todos, passavam para a reunião seguinte, até se amadurecer a decisão final. D. António Ribeiro era mestre em conduzir as reuniões, sem perda de tempo. D. José, D. António Rodrigues, D. Albino Cleto, D. Januário e eu próprio partilhávamos as nossas opiniões até encontrar a melhor solução pastoral. Por vezes D. José ajudava-me a explicitar algumas ideias, tornando-as mais compreensíveis para os participantes. De todos estes colegas só restamos dois nos caminhos do aquém.
Quando, a 27 de Março de 1997, D. José foi nomeado bispo coadjutor de Lisboa, com direito a suceder ao Patriarca D. António Ribeiro, este dizia-nos à mesa do jantar: pedi ao Papa a resignação, que não ma concedeu, mas Deus vai-ma dar em breve. E assim foi. A 4 de Março de 1998 faleceu e sucedeu-lhe D. José Policarpo, que se tornou então o meu bispo e a quem ajudei nas grandes mudanças operadas a partir de então: os serviços do Patriarcado passaram para S. Vicente de Fora e a residência dos bispos para os Olivais, após realização de obras de recuperação e adaptação. Sob a sua orientação como Patriarca, servi a diocese de Lisboa até à vinda para Beja, a 10 de Abril de 1999. Assumi além das vigararias da zona pastoral do Oeste, também as que ele acompanhava como bispo auxiliar, as do termo de Lisboa. Por vezes encontrávamo-nos no Pego, em Alvorninha, na sua casa natal, tomando aí alguma refeição por ele preparada. Homem simples e de cultura superior, inteligente e prático, próximo de Deus e das pessoas, a quem serviu, como colega, amigo, professor, conselheiro e bispo, que Deus lhe conceda a bem-aventurança da vida plena.
2. Cansados junto à fonte
No terceiro domingo da Quaresma a liturgia da Igreja apresenta-nos o episódio de Jesus a caminho de Jerusalém junto ao poço de Jacob, em diálogo com uma samaritana. Sem espaço para uma reflexão pormenorizada sobre o sentido deste encontro, deixo aqui apenas algumas pistas de leitura e aplicação ao nosso percurso quaresmal.
No episódio em causa lemos que Jesus, cansado, se sentou junto a um poço e que pede de beber a uma mulher samaritana, que aí foi buscar água, mas que se admira de um judeu falar com ela e lhe fazer um pedido, pois os inimigos não se falam nem muito menos se pedem favores. Depois lemos que o pedinte pode dar a beber um líquido muito mais precioso e que torna a quem o bebe numa nascente para a vida eterna e adorador do verdadeiro Deus em espírito e verdade, em qualquer tempo ou lugar.
É desta bebida, que só Cristo pode dar, que todos precisamos, para não pararmos fatigados no nosso caminho e para continuarmos rumo à meta final. O ser humano tem sede do infinito e não pode contentar-se com a bebida de todos os dias, necessária, mas insuficiente para o levar até à meta. Como se chama esta bebida e quem a pode dar? O próprio Jesus Cristo o diz: Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida... (Jo 14, 6). Vinde a Mim, vós todos que andais fatigados, que Eu vos aliviarei... (Mt 11, 28).
E onde e como encontramos Cristo? A minha resposta pode não satisfazer a todos. Por isso apenas aconselho a que ninguém deixe de a procurar, de caminhar até o seu espírito fazer a experiência feliz desse encontro, pois quem procura encontra. Ou melhor, Ele está em nós e espera, com paciência e respeito pela nossa liberdade, até que batamos à porta, para Ele nos abrir e cear connosco (Ap 3, 20), ou seja, satisfazer todos os anseios do nosso coração. Muitos fizeram a experiência desse encontro feliz no seu percurso de vida no aquém, como a Samaritana, o apóstolo Paulo e tantos outros. Recordo uma das muitas narrações da experiência do encontro pessoal na fé e que ficou célebre. Trata-se de Santo Agostinho, que, no livro X, nº 27-28 da sua obra as Confissões assim a descreve: Tarde te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei! Eis que estavas dentro de mim, e eu lá fora, a procurar-te... Tu me chamaste, gritaste por mim e venceste a minha surdez. Brilhaste, e o teu esplendor afugentou a minha cegueira. Exalaste o teu perfume, respirei-o e suspiro por ti. Eu te saboreei, e agora tenho fome e sede de ti. Tocaste-me, e o desejo da tua paz me inflama. Quando me unir a ti com todo o meu ser, não sentirei mais dor ou fadiga. A minha vida, cheia de ti, será então a verdadeira vida...
† António Vitalino, Bispo de Beja
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