O professor Giovagnoli, da Universidade Católica de Milão, comenta o primeiro encontro entre o papa e o chefe de Estado e explica por que não convém a Obama abordar certos "temas polémicos"
Cidade do Vaticano, 27 de Março de 2014 (Zenit.org) Salvatore Cernuzio
“O presidente está ansioso para encontrar o papa Francisco”.
A declaração da porta-voz do National Security Council (NSC) da Casa
Branca, Caitlin Hayden, alimentou a já viva curiosidade em torno do
encontro entre o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e o papa
Francisco. O encontro já vinha chamando a atenção de analistas políticos
e vaticanistas, em especial pelos temas que serão discutidos a portas
fechadas e que parecem conter mais discrepâncias do que concordâncias,
embora não faltem vários pontos de vista em comum.
ZENIT conversou sobre tudo isto com Agostino Giovagnoli, professor de História Contemporânea na Universidade Católica de Milão.
***
Qual é o significado da visita? Podemos interpretá-la como um
movimento estratégico em face das próximas eleições nos EUA? Talvez
para ganhar o voto dos eleitores católicos?
Giovagnoli: Eu acho redutivo interpretar a visita do presidente Obama
só do ponto de vista da estratégia política. Obama sempre declarou
simpatia e admiração pelo pontífice e citou palavras dele em vários
discursos. Acredito que, pela parte do presidente, exista uma exigência
de interagir com um actor imprescindível do cenário internacional. E, sem
dúvida, é uma vantagem de imagem estar perto de quem foi escolhido como
o homem do ano...
A revista Fortune citou o papa há poucos dias como um dos
líderes mais influentes do mundo. Mas, na mesma lista, falta o nome de
Obama...
Giovagnoli: Essa classificação me parece excessiva... Claro que há
uma verdade, a popularidade de Obama caiu muito nesta fase, enquanto a
de Francisco é muito apreciada, especialmente pelos católicos, tanto
conservadores quanto progressistas. Mas, usando as palavras do
pontífice, é necessário prestar atenção para não transfigurar a imagem
do papa e fazer dele uma espécie de "Super Papa". Porque além de ir
contra o desejo do Santo Padre, essa visão trairia a própria escolha do
testemunho baseado na simplicidade, do homem que segue o evangelho e que
não de um "artífice dotado de superpoderes". Eu acho que essas
classificações reflectem a perda de um mundo que está em busca de líderes criveis, num momento em que muitos líderes internacionais, incluindo o
próprio Obama, reflectem um deficit de credibilidade.
Apesar da enorme popularidade, não faltam críticas contra o
pontífice nos Estados Unidos depois da Evangelii Gaudium, especialmente
por causa da visão económica do papa, que alguns definiram como
"marxista".
Giovagnoli: Francisco mesmo já respondeu a essas críticas com grande
espírito, dizendo que não se ofendeu por ser chamado de marxista porque
conhece muitos marxistas de boa fé, pessoas boas. Indo além da
brincadeira, esse tipo de ataque contra o papa representa uma coisa
velha, a tentativa de guiar o cristianismo, o catolicismo, com base em
correntes ideológicas de direita ou de esquerda... Isso é radical e é
totalmente negado por um pontificado que, embora tenha se declarado
desde o primeiro dia do lado dos pobres e dos mais fracos, não se
determinou nunca em posições políticas ou ideológicas. Essas acusações
revelam o despeito e a preocupação de quem enxerga o cristianismo como
um instrumento a serviço dos seus próprios interesses.
A que você se refere?
Giovagnoli: Existem nomes e sobrenomes de grandes doadores da Igreja
católica norte-americana que manifestaram publicamente essas
preocupações. Homens de negócios católicos que se incomodaram, pensando
também no dinheiro prometido para as restaurações da catedral de Nova
Iorque. Mas isto é só um aspecto da questão. Eu diria que mais profunda é
a realidade de um mundo que instrumentalizou o catolicismo fazendo dele
uma espécie de ideologia do ocidente e dos seus valores. Mas isso
pertence a uma época que Francisco superou amplamente. Colocando de novo
a centralidade no evangelho, o papa anulou, ipso facto, certos tipos de
operações ideológicas.
Como você mesmo afirmou, Obama já expressou mais de uma vez a
simpatia e admiração pelo pontífice. Qual é a relação que existe entre
os dois?
Giovagnoli: Eu não sei se existe uma relação. Eu acho que Obama
intuiu no magistério deste papa, que tem posições muito críticas há
muito tempo sobre os excessos do liberalismo, da lógica dos mercados, da
globalização, um campo em que ele também precisa se mover. Um papa
assim, que está declaradamente do lado dos mais fracos, é um
interlocutor que apresenta oportunidades importantes para um presidente
que, de alguma forma, está procurando valorizar algumas escolhas do seu
governo que até agora não foram muito apreciadas pelo seu próprio
eleitorado.
Já faz certo tempo que alguns bispos dos EUA lideram uma dura
batalha contra as posições de Obama que contrariam a doutrina da Igreja
e até a liberdade religiosa, em assuntos como aborto, uniões gay,
anticoncepcionais etc. É plausível que esses temas delicados sejam
tocados neste encontro?
Giovagnoli: É possível, naturalmente, mas eu consideraria um
movimento ingénuo e contraproducente. Acho que não convém a Obama tocar
nestes problemas. O episcopado norte-americano está dividido: entre os
bispos também há posições desconexas, mas a maioria fez críticas fortes.
Eu imagino, então, que não seja de interesse do presidente focar a
conversa nesses temas, até porque, realmente, não podemos esperar que o
pontífice dê respostas contrárias aos princípios afirmados pelos bispos
norte-americanos, que são os princípios da Igreja católica. Eu tenho
certeza de que a discussão vai abordar outros assuntos de interesse
comum.
Quais, por exemplo?
Giovagnoli: A paz, em primeiro lugar. Depois, questões internacionais
e os temas ligados aos pobres, ao desenvolvimento internacional mais
equilibrado, e assim por diante.
Por trás das divergências, na sua opinião, há pontos em comum entre Obama e Bergoglio?
Giovagnoli: A política de Obama é um pouco difícil de identificar. Em
especial, ultimamente, ele vem mostrando algumas oscilações que tornam
difícil decifrá-la. É claro que há elementos, principalmente no projecto
inicial do presidente, como ir ao encontro das exigências de um novo
diálogo internacional, uma relação mais madura com o mundo árabe e
islâmico, a preocupação com a paz, que o premiou com o Nobel da Paz em
2009, e também a atenção pelas classes mais desgastadas, superando essa
lógica do capitalismo compassivo do seu predecessor. Eu diria que esses
elementos do "programa", mais do que da política de Obama, podem
encontrar uma fonte de apoio nos ensinamentos do papa Francisco, embora
eles obviamente estejam num patamar mais alto e mostrem mais robustez.
(27 de Março de 2014) © Innovative Media Inc.
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