Entrevista com o pe. Tonio Dell'Olio, um dos organizadores da vigília de oração
Roma, 21 de Março de 2014 (Zenit.org) Rocio Lancho García
O Santo Padre preside nesta sexta-feira, 21 de Março, uma
vigília de oração com familiares de vítimas da violência mafiosa. Eles
participarão do evento acompanhados por representantes territoriais da
fundação Líbera, presidida pelo pe. Luigi Ciotti, em nome de algumas das
1.600 associações afiliadas à fundação.
A vigília acontecerá em Roma, na paróquia de São Gregório VII, a
partir das 17h30. No encontro, serão lidos os nomes das cerca de 900
vítimas que a máfia fez na Itália nos últimos anos. Francisco poderá se
aproximar das feridas espirituais que a violência organizada provoca no
seio das famílias. Para conhecer detalhes do evento, ZENIT conversou com
o pe. Tonio Dell'Olio, sacerdote responsável pelo sector internacional
da Líbera e um dos organizadores da vigília. O pe. Tonio, que já tinha
se encontrado com o então cardeal Bergoglio para tratar do trabalho da
fundação contra a máfia, propôs este encontro ao agora pontífice:
Francisco se mostrou muito interessado e respondeu: "Temos que fazer
pelo menos isto!".
Como nasceu a ideia de fazer este encontro com o Santo Padre?
Pe. Tonio: Eu tinha contacto pessoal com ele desde quando ele ainda
era o cardeal Bergoglio. Na organização Líbera, que é uma rede de 1.600
associações nacionais e locais, nós temos também uma rede internacional
que estamos construindo, e, por isso, eu fui várias vezes para a
Argentina, para o México, para a Colômbia, países onde você sente mais a
presença e a pressão da criminalidade organizada. Em 2010, houve uma
oportunidade de me encontrar com o cardeal Bergoglio. Eu fiquei muito
impressionado e impactado com o conhecimento e com a profunda sabedoria
dele sobre a situação social da criminalidade organizada. E essa amizade
foi crescendo. Quando ele foi eleito pontífice, eu propus um encontro
com os familiares das vítimas das máfias, numa reunião que tivemos em Janeiro com o presidente da Líbera, Luigi Ciotti. E o papa se mostrou
muito entusiasmado e favorável a essa reunião com os familiares, porque
ele dizia que este é o compromisso que nós temos que ter como Igreja,
acolher as vítimas. O papa dizia: "Pelo menos isso nós temos que
fazer!". E desde aquela data nós começamos a preparar o encontro. Não
queríamos que fosse um encontro para debater o assunto, mas sim um
encontro de oração.
E como vai ser exactamente o encontro?
Pe. Tonio: Vamos ter uma vigília de oração. Vão ser lidos todos os
nomes das vítimas da máfia na Itália. Temos cerca de 900 nomes. Vamos
ler o Evangelho, uma reflexão do papa e de alguns representantes da
organização. Na sexta-feira, vamos ler o nome das cerca de 900 vítimas;
calculamos que pelo menos 80 delas eram crianças ou jovens de 0 a 17
anos de idade. A máfia sempre diz que vai respeitar a infância, mas esta
é que é a realidade. Sabendo como é o estilo do Santo Padre, que sempre
quer falar, saudar e abraçar as pessoas, nós previmos também um
encontro dele com os participantes, ou pelo menos com muitos deles.
Nas vezes em que você se encontrou com o Santo Padre, o que ele disse sobre o trabalho que vocês fazem?
Pe. Tonio: Ele é muito sensível com este assunto. Ele nos dizia que a
Igreja tem que dar um exemplo, no sentido não só de se afastar do contacto com homens e mulheres que fazem parte da criminalidade
organizada. Nós sabemos também que a máfia é uma forma de pensamento e o
Santo Padre nos incentivava muito a trabalhar no sentido evangélico, de
anúncio, cultural, para afastar a mentalidade mafiosa. E sempre falar
com grande liberdade em favor das vítimas e pelas vítimas. Não podemos
só das vítimas que morreram, porque também existem as vítimas do tráfico
de mulheres, de escravos, de jovens explorados nos bairros das
periferias... Assim como os dependentes de drogas, que existem porque é
um negócio que está nas mãos das máfias. Sim, nós notamos uma
proximidade muito grande do papa e muito apoio no trabalho que estamos
fazendo.
Que repercussão você acha que pode ter este encontro com Francisco em favor dos familiares das vítimas da máfia?
Pe. Tonio: Nós sabemos que, talvez de forma inconsciente, a atitude
da Igreja no passado, e estamos falando de comunidades em diversas
cidades ou regiões do nosso país em particular [a Itália, ndr], nem
sempre teve a mesma visão das coisas. Por exemplo, existem sacerdotes
que ajudaram pessoas que se escondiam, porque estavam sendo procuradas
pela polícia, e com aquela ideia de que "eu tenho que ajudar todo
mundo", eles ajudavam também aquelas pessoas. Além disso, a máfia
italiana mais tradicional, como a Cosa Nostra e a Ndrangheta, sempre
tiveram o costume de participar da religiosidade popular da Igreja.
Temos também pessoas da máfia que tinham lugar reservado dentro das
igrejas. Com esses pequenos exemplos, eu quero dizer que nem sempre a
vigilância da Igreja foi forte neste âmbito. E nem sempre foi dada a
importância de anúncio que tem que ser dada à denúncia. Eu acho que as
palavras do papa Francisco, o sinal que ele vai dar nesta sexta-feira e o
conhecimento que ele tem do assunto da máfia pode incentivar muito a
Igreja, pastores e leigos, a ter um perfil muito bem definido sobre a
vigilância e a denúncia na questão da máfia.
E dentro da Igreja também há muita gente que vem lutando contra a máfia...
Pe. Tonio: Claro, nós temos exemplos de mártires que é importante
recordar. Temos em particular um padre, Pino Puglisi, que foi
beatificado no ano passado. E outros dois que começaram o processo [de
beatificação]: o pe. Peppe Diana e o juiz Rosario Livatino.
Como é o dia-a-dia do trabalho da associação?
Pe. Tonio: Existe um trabalho anti-máfia, que é feito pela polícia,
pelos juízes e pelos tribunais. Mas também é importante o trabalho
social e cultural, que é o nosso perfil. Nós trabalhamos com a educação e
com a formação, tanto de modo formal quanto através de cursos, nas
escolas, de educação para a legalidade. Isto significa não é só estudo
das leis, mas também educação cidadã. A educação informal seria nas
áreas das cidades onde as organizações criminosas ganham mais força,
porque elas saem em vantagem nas áreas de condições sociais mais baixas,
se aproveitando dos jovens de rua. Além disso, nós promovemos também
leis cada vez mais eficazes contra a máfia. Por exemplo, em 1996, depois
de levantar um milhão de assinaturas, propusemos uma lei ao parlamento
que foi aprovada, para confiscar bens da máfia. Isso não serve só para
atingir o coração dos interesses mafiosos, que nós sabemos que é acima
de tudo o enriquecimento e o aumento do património, mas também para
utilizar socialmente os bens confiscados, especificamente os edifícios e
a terra. Os edifícios agora são usados como escritórios municipais,
organizações sociais, casas familiares para órfãos e idosos... Mas a
questão das terras é mais complicada. Depois de aprovar esta lei, nós
formamos cooperativas juvenis que vão trabalhar essas terras confiscadas
e produzir o que pode ser comercializado: vinho, massa, azeite,
verduras... E tudo isso vai para a venda com a marca "Líbera Terra".
Fazendo assim, nós não só atingimos a "riqueza ruim" dos mafiosos, mas
contribuímos para criar cultura, mentalidade nova, e os cidadãos
contribuem com a compra desses produtos. Até agora, o modelo está
funcionando muito bem e nós vamos propô-lo para outros países. E, desta
forma, vamos contrastar a economia criminosa ou a máfia económica que é
mais tolerada agora, em época de crise, porque é um poder tão forte que
se infiltra na economia lícita.
(21 de Março de 2014) © Innovative Media Inc.
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