Homilia do presidente do dicastério para a cultura, por ocasião da admissão dos novos membros da Pontifícia Academia de Belas Artes e Letras
Roma, 02 de Julho de 2013
A oportunidade parecia fecunda para a reflexão. E foi mesmo.
Quatro dias depois da santa missa presidida em Santa Maria in
Camposanto (e da homilia sobre "os verbos dos mártires"), o cardeal
biblista voltou sua atenção agora aos “homens ilustres” reunidos na
“academia por excelência das belas artes e letras”, reconhecida pelo
papa Paulo III em 1542.
O ponto de partida do sermão foi a leitura de uma passagem do
Eclesiástico, livro sapiencial que era considerado como a recopilação da
essência da cultura judaica. Eram tempos, notou o prefeito emérito da
Biblioteca Ambrosiana, em que "havia paixão, admiração" pela cultura,
sentimentos que hoje "não se percebem muito no tocante à inteligência e à
sabedoria". Os "homens ilustres" do Eclesiástico eram capazes de
conduzir o povo, de distribuir sabedoria, de inventar melodias, de
compor canções poéticas; e viviam em paz interior. Aqui, o presidente do
Conselho Pontifício para a Cultura observou que a tradução latina de
São Jerónimo adicionava outra virtude aos textos hebraico e grego: "Eram
homens dedicados à busca da beleza".
Todo artista, disse Ravasi, "sente-se propenso ao mistério da beleza,
que sempre tem dois lados: o da dor e o da felicidade, penetrando, em
ambos os casos, no íntimo, e trespassando o coração". Se a beleza é, por
um lado, a celebração da harmonia, ela é também, por outro lado, "o
canto da tragédia". Aliás, "se não fosse a dor, dois terços da
literatura não existiriam, como toda a obra de Dostoiévski". A beleza,
por isso, é grande quando sabe exaltar também a ferida, aquela ferida
que sangra.
Referindo-se ao evangelho de Mateus (13, 45: “O reino dos céus é
também semelhante a um mercador em busca de pérolas preciosas; ao
encontrar uma pérola de grande valor, ele vai, vende tudo o que tem e a
compra”; e 13,52: “Todo escriba que se torna discípulo do Reino dos Céus
é semelhante a um pai de família que tira do seu tesouro coisas novas e
velhas”), o cardeal Ravasi afirmou que os artistas receberam a pérola
como presente e não precisam comprá-la. É a inspiração, que tem em si um carácter sagrado semelhante ao da Palavra de Deus.
"Em alguns aspectos, a linguagem da arte tem uma gramática semelhante
à da fé e à do amor". Pode parecer curioso que o escriba da parábola
extraia do tesouro primeiro as coisas novas e depois as coisas antigas. É
um caso, no entanto, semelhante “ao das árvores”, que "têm o tronco e
as raízes muitas vezes seculares, mas que, a cada primavera, mostram a
novidade das folhas sempre novas e sempre diferentes". As coisas novas
são extraídas do tesouro antes porque "são o sinal da criatividade";
entretanto, "a beleza e a novidade se apoiam na tradição" sempre válida.
Como disse Bernardo de Chartres, ou talvez João de Salisbury: "Nós
somos anões sobre os ombros de gigantes"; e os anões, enfatizou Ravasi,
enxergam mais longe que os gigantes.
Passou-se, depois, para a admissão solene de dez novos membros na
Pontifícia Academia dos Virtuosos, presidida pelo professor Vitaliano
Tiberia: três arquitectos, um pintor, três escultores e três escritores e
poetas. Seus nomes, alguns bastante famosos na Itália, são: Lorenzo
Bartolini Salimbeni, Mario Botta, Maria Antonietta Crippa, Pedro Cano,
Giuseppe Ducrot, Mimmo Paladino, Ugo Riva, Laura Bosio, Vincenzo Cerami e
Luca Doninelli. Todos prometeram, no rito de admissão, servir à fé
católica.
Como o patrono da Academia é São José, a celebração deveria ter
acontecido em 19 de março. Mas, naquele dia -quem é que não se lembra?-,
acontecia na Praça de São Pedro o solene início do pontificado do papa
Francisco, rico de emoções para a mente e para o coração.
in
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