O
primeiro facto que aponta refere-se à nossa capacidade de perdoar com um sorriso
a pisadela sofrida num autocarro. Isso deve-se à certeza de que não havia
intenção de magoar e de o agressor ser um desconhecido: o episódio,
provavelmente, não se repetirá. Por outras palavras, não há nestes casos uma
ofensa real. Ela só existe se há intenção de ferir. Só perante uma verdadeira
ofensa é lícito falar-se em perdão.
As
torturas, materiais ou espirituais, podem aparecer diariamente nas prisões,
hospitais, trabalho e até na própria família. Muitas vezes, o sofrimento é ampliado
por incompreensão, troça ou desprezo, porque os padecimentos alheios são fáceis
de suportar. Ninguém nos consegue fazer sofrer mais do que aqueles que deviam
amar-nos. Jutta cita um dito árabe: “A única dor que destrói mais do que o
ferro é a injustiça que procede dos nossos familiares.”
Pode
reagir-se de modos diferentes face às injúrias recebidas. Uma consiste na
vingança (dente por dente...), outra no endurecimento do coração para não
sofrer mais e a terceira no perdão.
A
vingança pode comparar-se ao comportamento da pessoa que, mordida por uma
víbora, corre atrás dela para a matar. Enquanto o faz, o veneno vai-se
espalhando pelo seu corpo até lhe causar a morte. Vingou-se, evitou que essa
víbora voltasse a ferir, mas sucumbiu ao veneno. A metáfora ainda fica aquém da
realidade porque, consumada a vingança, fecha-se mais uma porta no caminho para
a reconciliação e abrem-se muitas mais, de amigos e familiares do agressor, a novas
vinganças. Assim começam as guerras.
O
endurecimento do coração impede a aproximação de pessoas generosas e amáveis. A
desconfiança geral atinge todos sem discriminação. É, portanto, uma forma de
injustiça, uma agressão a qualquer que tenta aproximar-se.
O perdão consiste em
renunciar à vingança e em desejar, apesar de tudo, o melhor para o outro. Esta
atitude, sim, é a única capaz de romper um elo na cadeia das vinganças e
permitir que volte a paz. É um trabalho árduo e, talvez, moroso. Fundamenta-se
na maior qualidade do homem, a de exercer a sua livre vontade, contrariando os
seus sentimentos. Seguindo a metáfora anterior, pode comparar-se à pessoa que,
picada pela víbora, chupa a ferida cuspindo o veneno. A boca poderá inchar e
algum resto do veneno espalhar-se pelo organismo, mas como este tem defesas
suficientes para o combater, ficará fortalecido e enriquecido como se tivesse
recebido um antídoto.
No Natal, somos
convidados a adorar o Deus que, para perdoar todos os homens, se fez homem
também, e se dispôs a sofrer e morrer por eles. Como Deus, é impassível por não
ter corpo; como é um espírito puríssimo, sofre como um pai que vê o filho
encaminhar-se para uma vida de mentira, perigo e sofrimento.
Estão guerras a
decorrer e teme-se que algumas delas arrastem países, e até continentes, para
uma destruidora guerra mundial. Durante o Advento, estas quatro semanas
anteriores ao Natal, devemos encorajar-nos a perdoar às pessoas que nos
ofenderam e a pedir perdão a este Deus que todos nós temos ofendido e sempre nos
tem perdoado em cada confissão. É um bom Professor na difícil disciplina do
perdão.
A paz e união nas famílias leva à paz e união entre os povos. A confissão leva à paz com Deus.
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