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sábado, 28 de dezembro de 2024

“Prontos para esperar além de toda a esperança?”: eis a questão para mais de três mil jovens peregrinos em Tallinn

Estónia acolhe 47º Encontro Europeu de Taizé

 | 27 Dez 2024

O encontro europeu de taizé 2024 decorre em Tallinn, Estónia. Foto Comunidade de Taizé

Apesar de os termómetros em Tallin rondarem os zero graus, o acolhimento aos participantes no 47º Encontro Europeu de Taizé promete ser caloroso. Foto © Comunidade de Taizé

Já começaram a chegar a Tallinn, na Estónia, os cerca de 3.300 jovens de mais de 40 países diferentes – incluindo Portugal – que vão participar no 47º Encontro Europeu de Taizé da “peregrinação de confiança sobre a terra”. A iniciativa, organizada anualmente pela comunidade ecuménica numa cidade europeia diferente, começa neste sábado, 28 de dezembro, e decorre até 1 de janeiro. Naquele que será o encontro mais setentrional e oriental de sempre, entre passeios, orações, debates sobre questões sociais ou diálogos interculturais, os participantes são chamados a responder a uma pergunta cuja resposta parece ser cada vez mais difícil: “Estamos preparados para esperar além de toda a esperança?”.

A pergunta é feita pelo irmão Matthew, prior da comunidade desde 2023, na carta que escreveu aos jovens peregrinos com quem irá encontrar-se na capital estónia. Nessa missiva, o responsável de Taizé reconhece que “a fé na Ressurreição de Jesus exige muita coragem e ousadia” e implica “esforçarmo‐nos para não ficarmos paralisados pela presença da morte e da destruição que nos cercam hoje”. Mas garante que “a partir de situações que parecem sem esperança, Deus pode criar algo novo. Deus pode fazer surgir a vida a partir da morte e até mesmo a reconciliação a partir do conflito”.

 

“Para manter a esperança, precisamos uns dos outros”


Irmão Matthew de visita ao Líbano, dezembro 2024. Foto Taizé.fr

O irmão Matthew (à esquerda), durante a sua recente visita ao Líbano, onde passou o Natal. “Podemos ver pessoas que, mesmo no meio da maior adversidade, escolhem viver, sorrir e oferecer as pequenas coisas que são possíveis a cada dia”, escreve. Foto © Comunidade de Taizé

O inglês responsável da comunidade parte de uma série de testemunhos de jovens “a enfrentar duras realidades” que foi escutando, em Taizé e não só, e que o levaram a si próprio a questionar-se “como encontram força para continuar”. “A questão torna‐se ainda mais premente quando vivem em zonas de guerra. De onde vêm a resiliência e a perseverança em situações aparentemente impossíveis?”, escreve o irmão Matthew.

“Ao ouvi‐los, tornou‐se claro para mim que a confiança em Deus permite às pessoas de fé alimentar uma esperança. E, através da Ressurreição de Jesus, cresce a certeza de que a morte não terá a última palavra”, partilha, explicando que “a confiança na Ressurreição dá a esperança de que as dificuldades da nossa vida não são o ponto final. Somos chamados a algo mais. Foi esta esperança que os jovens quiseram partilhar comigo, uma esperança para além de toda a esperança, porque aposta no emergir de uma vida nova quando tudo parece perdido”.

Na carta, o prior da comunidade do sul da Borgonha cita palavras de esperança proferidas por jovens do Líbano, da Ucrânia, de Myanmar, de Gaza… Um desses jovens, que vive numa zona de conflito, contou-lhe: “Estava num café a ler o meu livro, quando começaram a voar rockets à nossa volta. As pessoas saíram a correr, cheias de emoção, mas eu decidi ficar e terminar a minha leitura”. Procurar abrigo também teria sido uma opção sensata, reconhece o irmão Matthew, mas “partilhar esta história é um protesto de esperança contra a inevitabilidade da guerra”, considera.

Por isso, o responsável de Taizé faz outra pergunta e um apelo: “Quem são as testemunhas de esperança que cada um de nós pode descobrir e ouvir na sua própria situação? Abramos os ouvidos para escutar o que elas têm a dizer”.

“Podemos ver pessoas que, mesmo no meio da maior adversidade, escolhem viver, sorrir e oferecer as pequenas coisas que são possíveis a cada dia”, assinala, acrescentando que “a esperança é contagiosa”, pelo que “para manter a esperança, precisamos uns dos outros”.

Assim, na mensagem para o encontro que decorre nos próximos dias em Tallinn, deixa ainda um desafio a todos os participantes: “façamos tudo o que estiver ao nosso alcance, mesmo que pareça pouco, para exprimir sinais de solidariedade com as pessoas em sofrimento à nossa volta, ou com os que se encontram em guerra ou forçados a abandonar o seu país”. E deixa uma pista para ajudar a responder àquela primeira questão: “não será isso que nos permitirá esperar para além de toda a esperança?”.

Fazer turismo “é o último dos nossos objetivos”


Grupo de peregrinos portugueses a caminho do encontro europeu de Taizé 2024, em Talllinn. Foto Direitos reservados

Grupo de peregrinos portugueses no aeroporto Francisco Sá Carneiro, no Porto, antes de rumarem a Tallinn. Para Mário Reis, ao centro, este será o 9º encontro europeu.  Foto: Direitos reservados

Mário Reis, 29 anos, não duvida de que a resposta à pergunta do irmão Matthew passa pela proximidade e solidariedade. E é também por isso que esta é já a nona vez consecutiva que vai ao encontro europeu de Taizé. “Participei pela primeira vez quando o encontro foi em Valência (Espanha), em 2015. Desde então, participei em todos os encontros, e Tallinn não vai ser exceção. Estes encontros são uma oportunidade de sair da zona de conforto, de sentir Deus mais próximo de mim, de partilhar testemunhos e histórias com outros jovens de todo mundo sobre o quão importante é Deus nas nossas vidas, e de trazer esperança para os nossos meios”, diz ao 7MARGENS a partir do aeroporto Francisco Sá Carneiro, no Porto, minutos antes de partir rumo à Estónia.

Quando partilha com amigos ou colegas de trabalho que vai participar nestes encontros, muitos pensam que o seu objetivo é fazer turismo, confidencia o jovem da paróquia de São Miguel do Souto (Santa Maria da Feira). “Mas esse é o último dos nossos objetivos, pois só quem participa nos encontros sabe que não temos qualquer luxo à nossa espera. Sabemos que vamos dormir no chão, comer enlatados e ter poucas horas de sono, pois queremos aproveitar ao máximo a experiência, e todas as pessoas que nos aparecem no caminho são histórias que queremos conhecer”, explica.

Juntamente com Mário Reis, partem do Porto, esta sexta-feira, 27, mais três portugueses. Ao todo, o grupo oriundo de Portugal não deverá ultrapassar os 20 elementos, um número que continua a ser bastante inferior aos registados antes da pandemia, sendo que ao encontro de Wroclaw, na Polónia, em dezembro de 2019, foram 150 jovens de Portugal, num total de 15 mil.

O contexto de guerra na Europa e os elevados custos das viagens poderão estar na origem da redução do número de participantes. Mas, precisamente devido a esse contexto de guerra, e não apenas na Europa, Mário Reis – operário fabril de profissão – considera que o encontro ganha ainda mais relevância. “Nos Encontros de Taizé nunca se discute quem tem razão numa guerra; o objetivo comum é a paz no mundo… e um encontro ecuménico enriquece humanamente e espiritualmente qualquer pessoa. Qualquer que seja a nossa crença ou religião, o Amor é o que une os jovens nestas cidades. A própria família de acolhimento pode ter uma religião diferente da nossa, mas no fundo percebemos que todas pregam o mesmo, amar-nos uns aos outros”, sublinha.

 

Não é o maior encontro de sempre, mas ninguém vai ficar indiferente


Imagem do Encontro Europeu de Taizé em Liubiliana, na Eslovénia. Foto © Tamino Petelinsek

Imagem do Encontro Europeu de Taizé em Liubiliana, na Eslovénia, há um ano. Foto © Tamino Petelinsek

Conscientes da necessidade dessa união, os membros do Conselho Estoniano de Igrejas – que reúne as dez maiores denominações cristãs no país – não escondem o seu entusiasmo por poderem acolher milhares de jovens em Tallinn. Foi, de resto, deste Conselho que partiu o convite à Comunidade de Taizé para que o encontro – que já teve lugar em Lisboa no ano 2004 – pudesse realizar-se ali. Os objetivos passam por “testemunhar juntos Cristo” numa das “sociedades mais secularizadas da Europa”, “aprofundar e testemunhar a unidade dos cristãos na diversidade de suas tradições” e “construir amizades entre todos os europeus”, contribuindo para “uma Europa de solidariedade, fraternidade e abertura ao mundo”.

“Há muitas pessoas na Estónia que participaram em encontros de Taizé ao longo dos anos e foram inspiradas por este movimento”, sublinha o bispo católico Philippe Jourdan, da diocese de Tallinn, acrescentando: “O propósito de Taizé depois da Segunda Guerra Mundial foi, e ainda é hoje, reconciliar pessoas e nações através da partilha de pensamentos e do conhecimento mútuo, e a fé também desempenha um papel importante nisso”.

As relações entre a comunidade de Taizé e os cristãos estonianos datam da década de 1970, quando Anna-Maija Raittila-Nieminen, uma poetisa finlandesa, formada em Teologia e membro ativo da Igreja Evangélica Luterana, visitou o país e deu a conhecer a comunidade que o irmão Roger havia fundado em França. Naqueles anos, dezenas de jovens russos começaram a participar em acampamentos de verão organizados pelo Instituto Teológico Luterano em Tallinn e inúmeros jovens estonianos passaram a visitar Taizé regularmente e a participar nos encontros europeus a partir de 1989. Em maio de 1990, 250 jovens estonianos participaram num encontro que teve lugar em Linköping, na Suécia.

Atualmente, 80% dos jovens do país declaram não ser filiados em qualquer religião e 70% afirmam que nunca rezam. Mas, pelo menos em Tallinn, será difícil ficarem indiferentes a este encontro europeu.

Especialmente para este evento, o conhecido compositor e ator estónio Pärt Uusberg escreveu um cântico inédito e fez um novo arranjo para um dos temas do também muito conhecido organista estónio Hugo Lepnurme. E as orações comuns decorrerão na enorme e muito frequentada arena de Tondiraba, que acolherá os campeonatos europeus de patinagem artística no final de janeiro. A decoração da mesma foi inspirada nas obras de Anu Raud, premiada artista têxtil que nasceu na Rússia há 71 anos e vive na Estónia, e que os irmãos da comunidade de Taizé fizeram questão de visitar no verão passado para se inspirarem.

Além disso, muitos museus da cidade – entre os quais o que permite subir à torre medieval Kiek in the Kök ou o Museu da Fotografia –  estão já de portas abertas para receber a visita dos jovens peregrinos. E o programa inclui atividades tão diversificadas como uma formação no novo centro de resíduos e reutilização de Tallinn, um debate com os autarcas da cidade sobre como a política pode servir a sociedade, ou uma oficina para aprender a tocar os sinos de uma das principais igrejas no centro histórico.

Destaque especial para os vários encontros previstos com jovens da Ucrânia, subordinados ao mote: “O papel da Igreja em tempos de guerra”. Recorde-se que, desde o início da invasão russa, a Estónia recebeu mais de 65 mil refugiados daquele país para uma população total de 1,4 milhões de pessoas, a maior proporção de refugiados ucranianos por habitantes num país da União Europeia.

Tudo isto indica que, apesar de os termómetros em Tallin rondarem os zero graus, o acolhimento promete ser caloroso. E que, por entre a neve prevista para os últimos dias do encontro, é bem provável que se reacenda nos corações dos mais de três mil participantes a chama da esperança.



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