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segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

Guerra e paz na visita de Biden a Francisco e 37 condenados à morte com pena comutada

Pena de morte

 | 29 Dez 2024

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Papa Francisco com Joe Bden. Foto © Vatican News.

O Papa recebe o Presidente dos EUA, no dia 10 de janeiro, naquela que será a última viagem ao estrangeiro de Joe Biden antes de deixar a Casa Branca, a 20 de janeiro. Além do papel dos EUA para acabar com os conflitos e as guerras, Francisco não deixará de congratular Biden por ter comutado, na véspera de Natal, a pena de 37 condenados à morte. Ao mesmo tempo e noutro canto do mundo, o Zimbabué torna-se o 127.º país a abolir a pena de morte logo que o seu Presidente promulgar a lei que lhe põe fim.

Depois de ter “amnistiado” o seu filho Hunter Biden, que aguardava sentença em casos de posse ilegal de armas de fogo e fraude fiscal, no dia 12 de dezembro a Casa Branca anunciou que o Presidente tomara a decisão de comutar a pena de “quase 1500 americanos condenados a confinamento domiciliário durante a pandemia da covid-19 e que foram reintegrados com sucesso nas suas famílias e comunidades (…) e amnistiar 39 indivíduos que tinham sido condenados por crimes não violentos”. Mas esta atitude de clemência não incluía nenhuma decisão quanto à comutação da pena dos 40 presos, condenados pela justiça federal, que esperam a execução capital em vários Estados norte-americanos.

Em meados de dezembro muitas associações norte-americanas secundaram a carta aberta enviada pela Amnistia Internacional a Biden pedindo essa mudança de pena. Entre elas estão, de acordo com a Info Chretienne, várias organizações cristãs, como o Conselho Nacional de Igrejas, diversas comunidades católicas e a associação Campanha Religiosa Nacional Contra a Tortura. As últimas execuções federais ocorreram no segundo semestre de 2020, no final da presidência Trump. 13 prisioneiros condenados foram mortos, após quase 20 anos sem execuções. As associações temem que o regresso de Donald Trump à Casa Branca favoreça o regresso das execuções.

Toda essa pressão resultou numa inédita decisão de um Presidente dos EUA: comutar a pena de 37 dos 40 condenados à morte pela justiça federal norte-americana. O arcebispo Timothy Broglio, presidente da Conferência dos Bispos Católicos dos EUA, classificou a ação do Presidente como um “passo significativo no avanço da causa da dignidade humana e do respeito pela vida humana, do ventre ao túmulo, em nossa nação”.

Broglio acrescentou, segundo o National Catholic Reporter, que os bispos desejavam exprimir “gratidão ao Presidente Biden por ter comutado as sentenças de morte de 37 homens” e encorajavam “todos os legisladores a continuarem a trabalhar no sentido da abolição total da pena de morte e a redirecionarem a energia e os recursos que atualmente são investidos em execuções para prestar assistência compassiva e profissional às famílias das vítimas”. Um encorajamento não apenas dirigido ao futuro Presidente Trump, mas também a vários governadores estaduais defensores da pena de morte.

Francisco alterou doutrina católica

O Papa Francisco tem sido, ao longo do seu pontificado, um defensor acérrimo da abolição da pena de morte e promoveu mesmo a alteração da doutrina católica neste ponto concreto.

De facto, a doutrina oficial católica, aceitava “em casos de gravidade extrema” o recurso à pena de morte. Prova disso era o estipulado no número 2266 da 1ª edição do Catecismo da Igreja Católica (1992) no qual se lia: “Preservar o bem público da sociedade exige pôr termo à capacidade do agressor de fazer mal. A este título o ensino tradicional da Igreja reconheceu o bem-fundado do direito e do dever da autoridade pública legítima de impor penas proporcionais à gravidade do delito, sem excluir, em casos de gravidade extrema, a pena de morte.” (sublinhado nosso).

Em 2018, Francisco aprovou uma modificação deste texto do Catecismo da Igreja Católica, que passou a ter esta redação: “A Igreja ensina, à luz do Evangelho, que a pena de morte é inadmissível porque atenta contra a inviolabilidade e a dignidade da pessoa e está resolutamente empenhada em sua abolição em todo o mundo’.

Em coerência com aquela nova posição e de acordo com a resolução de trabalhar para a abolição da pena de morte, o Papa tem intervindo de forma recorrente em favor da abolição. A última vez terá sido em outubro passado quando divulgou um post na sua conta X @Pontifex: “A #PenadeMorte é sempre inadmissível, porque atenta contra a inviolabilidade e a dignidade da pessoa. Faço apelo para que seja abolida em todos os países do mundo. Não podemos esquecer-nos de que até o último momento uma pessoa pode converter-se e mudar.”

Já em 2019, numa mensagem enviada aos participantes do Sétimo Congresso mundial contra a pena de morte, realizado em Bruxelas, o Papa Francisco dissera: “A dignidade da pessoa nunca é perdida, mesmo quando se comete ‘o pior dos crimes’, a vida é um dom a ser protegido e é ‘a fonte de todos os outros dons e de todos os outros direitos’. A crença de oferecer até mesmo aos culpados a possibilidade de arrependimento nunca pode ser abandonada”.

Apesar desta persistente intervenção, o ano passado foi aquele em que, segundo a Amnistia Internacional (AI), terá havido um maior número de execuções (1.153) desde 2015, quando foram executadas 1.634 pessoas [ver 7MARGENS]. Aqueles números “não têm em conta os milhares de execuções que se crê terem sido realizadas na China”, referia a AI no comunicado de maio deste ano no qual traçava o panorama da pena de morte no mundo em 2023.

A organização adiantava então que o lado positivo daquele balanço se traduzia no facto de “se terem contabilizado execuções” ‘apenas’ “em 16 países, o número mais baixo de sempre”. E realçava que, no final de 2023, “112 países são plenamente abolicionistas e um total de 144 aboliram a pena de morte na lei ou na prática”.

Embora no ano passado não se tivessem registado execuções decorrentes de condenados pela justiça federal, a Amnistia sublinhava que os progressos registados nos EUA não foram suficientes, uma vez que o número de execuções “aumentaram de 18 para 24”. Agnès Callamard, secretária-geral da organização, criticou duramente aquele “número restrito de Estados norte-americanos que recorre de modo assustador à pena de morte e mantém uma intenção cruel de investir recursos na eliminação de vidas humanas”.

Manifestação contra a pena de morte. Foto © Maria Oswalt | Unsplash

Manifestação contra a pena de morte. Foto © Maria Oswalt | Unsplash

Zimbabué torna-se abolicionista

O Zimbabué está prestes a abolir a pena de morte depois da Lei de Abolição da Pena de Morte ter sido aprovada pelo Senado em 12 de Dezembro. O projecto de lei está já à espera da promulgação pelo Presidente, Emmerson Mnangagwa, um conhecido opositor da pena de morte. Quando o fizer, o Zimbabué tornar-se-á o 127º país do mundo a abolir a pena de morte e o 27º no continente africano.

jornal The Conversation traça a história da pena de morte naquele país ouvindo dois especialistas: Carolyn Hoyle, diretora da Unidade de Pesquisa sobre Pena de Morte da Universidade de Oxford, e Parvais Jabbar, que dirige a ONG Death Penalty Project e é professor visitante na Universidade de Oxford. Este último foi o homem que mais contribuiu para virar a sensibilidade do público em relação a esta questão. Ele encomendou uma sondagem cujos resultados mostraram o apoio à existência de pena de morte por parte de 61 por cento das pessoas entrevistadas. Mas destas, 80 por cento afirmavam aceitar que o Governo abolisse a pena capital.

A situação no país começou a mudar em 2017 quando Emmerson Mnangagwa se tornou Presidente. Ele é, há muito tempo, um opositor veemente da pena de morte, em parte devido à sua história pessoal. Em 1965, Mnangagwa foi condenado à morte na sequência de ter sido acusado de sabotagem durante a luta pela independência. Só não foi então enforcado por ser considerado muito jovem. Mas passou dez anos na prisão e essa experiência terá moldado a sua opinião sobre a pena capital.

Na década de 1880, a colonização britânica trouxe a pena de morte para o Zimbabué. Primeiro por Cecil Rhodes e pela companhia britânica da África do Sul e depois, a partir de 1923, enquanto colónia britânica autónoma. De acordo com Carolyn Hoyle, antes disso as pessoas geralmente não eram condenadas à morte. O último homem a ser enforcado foi um assassino condenado, Mandlenkosi Masina, em julho de 2005. Desde então, o Zimbabué tornou-se um país abolicionista de facto.

Assim que o Zimbabué abolir a pena de morte, juntar-se-á ao Gana, à Zâmbia e à República Centro-Africana ao fazê-lo nos últimos anos.

Recorde-se que Portugal foi o primeiro país europeu a abolir a pena de morte para crimes civis. No dia 1 de julho de 1867, após longa discussão parlamentar, foi aprovado o decreto-lei, que muitos consideraram um grande passo de civilização, e que seria, posteriormente, assinado pelo rei D. Luís. A história de último condenado à morte em Portugal (1841), Francisco de Mattos Lobo, um jovem destinado à carreira eclesiástica que se apaixonou pela bela Adelaide, sua prima, e acaba por a matar, assim como à criada e um dos seus dois filhos, foi tema do filme O Último Condenado à Morte realizado por Francisco Manso, em 2009.



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