É curiosa a insistência do Papa no apelo, semelhante ao que havia feito numa catequese no passado mês de junho (nessa altura, colocando um limite de tempo ainda mais curto: oito minutos!). E mais curiosa ainda a reação das centenas de pessoas que o escutavam na Praça de São Pedro, que até então haviam estado, naturalmente, em silêncio, e que nesse momento o aplaudiram entusiasticamente.
O Papa olhou para elas e disse, sorridente: “Vejo que gostam de ouvir isto!”. Podemos sorrir, divertidos, com a música orelhuda de Britney Spears a servir de banda sonora à cena. E, mais do que divertidos, podemos sentir-nos compreendidos, tal como as pessoas que o aplaudiam. Como seria bom que mais padres escutassem, de ouvidos e coração aberto, os apelos do Papa, e seguissem os seus sábios conselhos… em relação a tantas coisas, e nisto também.
Sou relativamente jovem – mas não tão jovem assim, e a prova é o facto de me ter lembrado da música da Britney Spears… – e já ouvi muitas pregações. Cresci a ir à missa (católica) todos os domingos. Tive diferentes padres a celebrar na minha paróquia, estive na eucaristia em muitas paróquias diferentes. E arrisco dizer: ou tive mesmo muito azar com a amostra a que fui submetida até ao momento ou a maioria dos padres não sabe pregar.
O problema não é tanto o tempo que duram as pregações. Por vezes também é, e o limite de dez minutos que o Papa sugere poderá ajudar a minimizar os estragos em muitos casos. Até porque, na esmagadora maioria das vezes, a pregação é pura e simplesmente um monólogo – e por vezes bastante monótono – o que faz com que “as pessoas adormeçam… e com razão”.“Às vezes vemos homens que, quando começa o sermão, saem para fumar um cigarro e depois voltam para dentro”, referiu o Papa, na sua catequese desta quarta-feira. A quantos católicos e católicas já apeteceu sair, sendo ou não fumadores. A mim já – e cheguei a fazê-lo, fosse porque não sabia como manter os meus filhos pequenos minimamente sossegados durante um monólogo que a eles não lhes dizia nada, fosse porque esse monólogo não me dizia nada a mim também (lembro-me de isto acontecer com bastante frequência quando era jovem – literalmente jovem), ou porque o que estava a ser dito me parecia contrário ao que disse Jesus, esse outro pregador.
O problema, então, não é tanto o tempo que duram as pregações, mas aquilo que nelas é comunicado e o modo como é comunicado. É certo que nem todos podem ser como Timothy Radcliffe, ex-superior da Ordem dos Pregadores (Dominicanos) e um dos escolhidos pelo Papa para conduzir as meditações nos retiros espirituais que precederam as duas sessões da assembleia do recente Sínodo sobre a Sinodalidade.
Mas todos podem aprender com ele.
“No centro da vocação do padre está a arte da conversa”, disse Radcliffe, dirigindo-se aos presbíteros da diocese de Bolonha que participavam numa jornada de formação, em outubro de 2021. Alguns terão franzido o sobrolho – será que alguns puseram em causa a sua vocação? – e o frade dominicano explicou: “As Escrituras são o diálogo de Deus com a humanidade. Na [exortação] Verbum Domini [sobre a Bíblia na vida da Igreja, de 2010], o Papa Bento XVI escreve: ‘A novidade da revelação bíblica consiste no facto de Deus se dar a conhecer no diálogo, que deseja ter connosco’.”
E continuou: “Cada homilia é uma contribuição ao diálogo da comunidade com Deus e entre si. Portanto, o principal testemunho da nossa fé, especialmente como pregadores, é envolvermo-nos numa conversa. Alguém poderá objetar que, antes de tudo, devemos proclamar a nossa fé, caso contrário cairemos no relativismo. Mas a conversa é o único modo de anunciar Jesus, que é o diálogo da Palavra de Deus com a humanidade. Qualquer outro modo corre o risco de cair na ideologia.”
Radcliffe sublinhou ainda que o padre deve ser não só alguém que gosta de conversar com as outras pessoas, mas “principalmente se não concordam com ele”, porque “ele precisa de confiança para falar”, mas também de “humildade para escutar”. E reconheceu: “Isso é particularmente difícil na nossa sociedade, que está a perder a arte de interagir com pessoas que pensam de forma diferente”.
Mais recentemente, numa entrevista ao podcast Preach, da revista jesuíta America (cuja audição se recomenda vivamente a todos os presbíteros), o futuro cardeal enfatizou a importância da vulnerabilidade e da autenticidade. “Acho que isso é crucial em toda a pregação,” disse Timothy Radcliffe ao padre jesuíta e jornalista Ricardo da Silva, defendendo que o pregador nunca deve apresentar-se como “um sabe tudo, mas como um buscador, um duvidador, um questionador”.
O antigo mestre geral dos dominicanos sublinhava ainda a importância de os pregadores lerem romances e poesia, irem ao cinema, ouvirem música, como forma de se abrirem aos outros e aos seus mundos. E de, como dizia o Papa na sua carta sobre a literatura publicada no passado mês de julho, aprenderem “a tocar os corações”.
Poderíamos acrescentar também a importância de conhecerem e darem a conhecer a quem os escuta os grandes místicos da tradição cristã, desde os “padres da Igreja”, dos primeiros séculos, até a contemporâneos nossos como o irmão Roger de Taizé, passando por Santo Agostinho, Francisco de Assis, Domingos de Gusmão, Hildegarda de Bingen, Inácio de Loiola, Teresa d’Ávila, Catarina de Siena, Teresa de Lisieux ou Dietrich Bonhoeffer, entre tantos outros.
Tal como eles, todos os pregadores devem estar preparados para admitir, perante aqueles que os escutam: “Isto é aquilo com que eu luto, isto é o que eu não entendo”, afirmou Radcliffe. Depois, citando o Papa Francisco, alertou: “Onde não há perguntas, a nossa fé está morta. Se não há perguntas, Deus não está lá”.
Quantas vezes estará Deus ausente das homilias que se escutam? E quantas vezes está presente um padre autocentrado, comunicando-se a si próprio? Ou enumerando, uma atrás da outra, as suas certezas, sugerindo que elas deveriam ser também as de quem o escuta? Quantas vezes essas homilias são feitas por alguém que não adequa o seu discurso à idade ou contexto daqueles que o ouvem? Quantas vezes não são sequer preparadas?
A resposta a todas estas perguntas será certamente, para muitos católicos, “demasiadas”. Pelo menos a avaliar pelos aplausos ao apelo do Papa na catequese desta quarta-feira.
Há bons pregadores e pregadoras. Tenho a felicidade de conhecer alguns, gostaria de conhecer muitos mais. Seria bom que mais padres fizessem o que já aconteceu tantas vezes em tantos sítios (incluindo em Portugal, em lugares como a Comunidade da Serra do Pilar, ou a Comunidade dos Redentoristas, no Porto) e como fez o capelão da Capela do Rato, em Lisboa, que iniciou uma experiência de “partilha pública da palavra” por religiosas e leigos no momento da homilia da missa de domingo. A primeira pregação no âmbito desta iniciativa foi feita pela irmã Maria Julieta Dias. E nela encontramos a vulnerabilidade e autenticidade de que falava Radcliffe.
A propósito, pode recordar-se a intervenção da teóloga Teresa Toldy no debate online que o 7MARGENS dinamizou recentemente sobre “Como fazer em Portugal uma Igreja Sinodal?”. Partilhava ela que, em conversa com um padre austríaco neste verão, o questionou sobre se na sua diocese o tema do Sínodo era falado. Ele respondeu: “Sim, tem-se falado alguma coisa… mas sobretudo tem-se feito!” Teresa Toldy pediu-lhe exemplos e o padre adiantou: “Na minha paróquia, durante a Quaresma, quem fez as homilias foram mulheres. E sabe o que é que aconteceu? Tivemos muito mais gente na missa!”.
Claro que, mulheres ou homens, convém pormo-nos em guarda também contra a tentação de nos querermos ouvir a nós próprios. Todos gostamos de nos afirmar e a tentação não deixará de estar presente apenas porque não é o padre a fazer a homilia.
Voltando a quarta-feira, o Papa terminava com o seguinte pedido: “Que o Espírito Santo nos ajude e acompanhe, ensinando a Igreja a pregar o Evangelho assim aos homens e mulheres deste tempo!”. Podemos acrescentar um “Assim seja”, expressão que tantos fiéis se apressam a dizer mal o padre termina a homilia. Mas que, infelizmente, tão poucas vezes é adequada.
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