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segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

Luto e dificuldades da comunidade católica num país dividido pela guerra civil

Natal em Myanmar

 | 22 Dez 2024

Catedral Católica Romana de São Francisco Xavier em Hpa-an, Myanmar. Foto © Jeremias, CC BY-SA 4.0 <https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0>, via Wikimedia Commons

Catedral Católica Romana de São Francisco Xavier em Hpa-an, Myanmar. Foto © Jeremias, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons.

“Preparamo-nos para o Natal! Preparamo-nos para o Ano Santo do Jubileu! Mas, entre os fiéis birmaneses não há alegria plena, como outrora: dificuldades e lutos marcam o povo de Myanmar.” – disse o padre Bernardino Ne Ne, sacerdote de Loikaw, que atualmente trabalha em Yangon (Rangum), ao jornalista Paolo Affatato da Agência Fides, comentando a situação a que o golpe de Estado de fevereiro de 2021 levou o país.

Desde que tomou o poder, prendendo a líder Aung San Suu Kyi e derrubando pela força o Parlamento saído das eleições de novembro de 2020, a junta militar matou mais de 4.100 civis, mantêm 20.000 pessoas presas e o número de desalojados é agora superior a três milhões. Esta repressão desenfreada gerou um movimento de desobediência civil que degenerou num verdadeiro conflito civil, com o nascimento das Forças de Defesa Popular, posteriormente unidas aos exércitos das minorias étnicas.

A coligação – discretamente apoiada por Pequim, que deixou de acreditar na capacidade dos militares afetos à junta para limparem os centros de tráfico on-line instalados no Norte do país perto da fronteira com a China – impôs várias derrotas ao exército regular, de tal forma que Myanmar (a antiga Birmânia) é hoje um país dividido: a região central e as principais cidades, como Naypyidaw, Yangon (capital) e Mandalay, estão sob total controle do regime; os Estados periféricos e as áreas fronteiriças estão sob o controle das milícias da aliança rebelde. 

O cenário traçado pelo jornalista da Agência Fides é este: “As pessoas fogem das cidades e aldeias, buscando refúgios improvisados, ou abrigos, em florestas ou campos de refugiados. As pessoas deslocadas em Myanmar atingiram um número recorde: mais de três milhões foram obrigadas a deixar suas casas. As regiões de Chin, Magway e Sagaing, no Norte do país, acolhem o maior número de pessoas deslocadas, com quase 1,5 milhões de refugiados.”

O padre Ne Ne, que até ao fim deste ano é diretor nacional das Pontifícias Obras Missionárias, contou que, “na cidade de Yangon, a vida transcorre quase normalmente: os fiéis vão à igreja e as atividades pastorais e de culto continuam, mas, com uma condição: sem se falar de política e sem deslegitimar o poder constituído. Sabemos disso, os fiéis também sabem (…). É assim que vamos viver o Natal e as vésperas, na parte da tarde, porque, ao escurecer, as patrulhas militares intensificam-se e as pessoas ficam com medo de sair de casa. Vivemos um clima de conflito e tensão”.

Para ele, a situação é muito mais grave nas regiões de conflito aberto, como Loikaw, (diocese do Estado de Kayah, na fronteira com a Tailândia), onde “os ataques aéreos, os confrontos armados e a destruição de propriedades civis continuam a causar sofrimento, feridos e deslocamentos forçados”. Nessas zonas, “as pessoas vão passar o Natal com medo dos bombardeamentos noturnos”, mas muitas fugiram, de tal modo que “as igrejas de Loikaw, estão fechadas porque já não há fiéis na cidade” e na diocese apenas nove das 39 paróquias estão abertas”.

Fugido está também o bispo de Loikaw, Celso Ba Shwe, que teve de deixar, em novembro de 2023, a catedral de Cristo Rei e o centro pastoral anexo, tomados pelo exército birmanês que os transformou numa base militar. Para o Bispo e os sacerdotes que ali residiam este será o segundo Natal longe da catedral.

No início do ano, quando terminar o seu mandato como diretor nacional das Pontifícias Obras Missionárias, o padre Ne Ne regressa à sua paróquia no Norte da diocese de Loikaw, onde, diz: “Vou desenvolver o meu ministério pastoral como pároco, o que significa, essencialmente, viver com os deslocados, visitá-los e celebrar missa nos campos improvisados ​​de refugiados onde vivem. Na minha futura paróquia há 15 campos, alguns com mais de 200 pessoas e abarracamentos com 40 a 50 pessoas. Hoje, ser sacerdote em Loikaw significa compartilhar do destino deles, viver com eles, ser presença de consolação e esperança”.



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