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terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Reabertura da Notre-Dame de Paris ou de como ressuscitar do desastre

Cinco anos depois do incêndio

 | 2 Dez 2024

A catedral de Notre Dame antes do grande incêndio que obrigou à reconstrução liderada por Jean-Louis Georgelin. Foto © Ali Sabbagh / Wikimedia Commons

Notre-Dame antes do incêndio de 2019, que obrigou à reconstrução liderada por Jean-Louis Georgelin. Foto © Ali Sabbagh / Wikimedia Commons

A reabertura da catedral de Notre-Dame de Paris, reconstruída e remodelada, acontecerá já no próximo sábado, 7 de dezembro, ao fim da tarde, numa cerimónia presidida pelo arcebispo de Paris, Laurent Ulrich, e com a presença do Presidente da República, Emmanuel Macron. No ato participam ainda numerosos chefes de Estado e de governo, funcionários e mecenas, convidados conjuntamente pelo Estado francês e pela diocese, representantes de todas as paróquias de Paris, membros do cabido da catedral e do clero parisiense.

Os atos inaugurais de cunho religioso têm lugar no dia seguinte, domingo, 8 de dezembro, com uma missa solene que inclui a consagração do altar-mor, e serão presididos pelo arcebispo de Paris. São esperados cerca de 170 bispos de França e de dioceses do estrangeiro, bem como um presbítero e fiéis de cada uma das 106 paróquias da diocese local. Macron volta a marcar presença nos atos de culto.

Os interessados em visitar a “nova” catedral, reconstruída em cinco anos, depois do incêndio de 2019, poderão já tentar a sua sorte a partir do próximo domingo, 8 de dezembro, o próprio dia da inauguração. Na primeira semana, os horários são especiais (parte da tarde até às 22h), entrando no ritmo normal a partir de 16 de dezembro (das 7h45 às 19h).

A diocese de Paris divulgou, entretanto, na sua página digital, um calendário de conferências e colóquios que se estendem pelo ano de 2025, sobre temas tão diversos como o restauro de Notre-Dame – o estaleiro do século (14 de janeiro); rearranjo do interior da catedral (12 de fevereiro); as tapeçarias (26 de março); e pensar a catedral do século XXI (21 de maio).

 

Entre o passado e o futuro

notre dame paris FOTO FB

A reconstrução de Notre-Dame de Paris provocou várias polémicas sobre o que se deveria fazer. Foto: Direitos reservados. 

Com estes atos religiosos e civis de reabertura (de facto, o edifício da catedral, ‘les murs’, é da responsabilidade dos serviços do estado), concretiza-se o desejo do Presidente Macron de terminar os trabalhos de reconstrução em 2024. Mas o percurso feito implicou um esforço gigantesco em múltiplas frentes, importantes decisões a tomar e não poucas polémicas.

Uma das grandes questões que teve de ser gerida foi a de saber se a restauração deveria ser feita seguindo fielmente o que existia à data do incêndio ou se se deveria aproveitar a oportunidade para renovar as linguagens e deixar as marcas da contemporaneidade. À volta do órgão, das estátuas, das tapeçarias e até da disposição do mobiliário e do modo como deveria ser a circulação dos 15 milhões de visitantes anuais que se espera venham a entrar na catedral, levantaram-se polémicas e debates que saltaram para a opinião pública. Um dos terrenos em que essa polémica foi mais viva centrou-se nos vitrais que dão àquele icónico templo uma das suas marcas distintivas. Macron queria vitrais concebidos por artistas jovens e procurou ter o arcebispo de Paris do seu lado. Quando tudo parecia encaminhar-se bem eis que – as palavras foram publicadas no Le Monde 
“a aliança entre clericais tradicionalistas e anticlericais conservadores matou o projeto à nascença”, posição que foi reforçada pelo então ministro da Cultura.

A mudança de arcebispo, um novo governo e uma nova insistência do Presidente fizeram, a dado momento, reverter de novo a orientação. Foi o arcebispo em sintonia com Macron que, perante a Comissão Nacional para o Património e a Arquitetura, terá tido as palavras decisivas: “Não me parece apropriado que a reconstrução desta catedral danificada não traga a marca da época que a restaurou. Nos vitrais de Notre-Dame de Paris, há alguns do século XIII, há alguns do século XVII, há alguns dos séculos XIX e XX; porque não do século XXI?”.

Assim foi para seis dos painéis. O sétimo, alusivo à Árvore de Jessé, esse, manter-se-á como estava antes do incêndio.

 

O Papa não quis ir à festa

O Papa Francisco esteve largos minutos à conversa com os jornalistas no voo papal. Foto © Vatican Media

O Papa Francisco na viagem em que afirmou que não estaria em Paris para a reabertura da catedral. Foto © Vatican Media

Emanuel Macron empenhou-se, desde o primeiro dia, não apenas em assegurar que as obras se fariam no prazo pré-definido, mas intervindo também, direta ou indiretamente, em alguns aspetos. Quis também que o ato inaugural tivesse pompa e circunstância, pelo que terá feito tudo o que estava ao seu alcance para assegurar que o Papa Francisco viesse presidir à inauguração e reabertura da catedral, atendendo à projeção universal do monumento.

Porém, na entrevista com os jornalistas na viagem de regresso a vários países asiáticos, em 13 de setembro último, o Papa disse, de forma terminante, que não iria a Paris. Já no início de novembro, por alturas da assembleia dos bispos, o presidente da Conferência dos Bispos de França, Éric de Moulins-Beaufort, dizia aos jornalistas que “nunca se colocou verdadeiramente a questão” de o Papa se juntar às celebrações em Notre-Dame. “Por uma razão simples: a estrela da reabertura de Notre-Dame é Nossa Senhora” e não o Papa. Francisco “compreendeu isso desde o início”, acrescentou.

Quem não terá gostado nada desta decisão, segundo vários meios de comunicação social franceses, terá sido o Presidente da França, para quem a justificação oficial (de que, neste fim de semana de 7 e 8 de dezembro, se realizaria em Roma um consistório para a investidura de 21 novos cardeais) não era razoável, dado que a reabertura de Notre Dame se encontra definida há muitos meses.

A situação tornou-se ainda mais delicada quando Francisco anunciou a intenção de visitar a ilha da Córsega, território francês, uma semana depois. Isso supõe, protocolarmente, que seja o Presidente do Estado que recebe a dirigir o convite à Santa Sé e ser suposto que o próprio Presidente se desloque à Córsega para receber o Papa.

Algumas fontes, entre as quais The Times, de Londres, interpretam que o Papa não gostaria de se intrometer num mega-acontecimento que está politizado e em que o Presidente francês é o grande protagonista. No entanto, importa ter em conta que o atual Papa tomou como orientação não visitar grandes nações ocidentais, preferindo as periferias. É verdade que já esteve por duas vezes em França, desde que iniciou o seu pontificado, mas não em visita oficial ao país: em Estrasburgo, em 2024, para visitar o Conselho da Europa e o Parlamento Europeu e em Marselha, em 2023, para intervir nos Encontros do Mediterrâneo. Mas que há, nesta ida à Córsega, uma assertividade das opções deste Papa, isso dificilmente pode ser negado.



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