«Sede misericordiosos como o vosso Pai
é misericordioso» (Lc 6, 36).
Colocar-se
ao lado de quem sofre num caminho de caridade»
Queridos
irmãos e irmãs!
Há trinta anos, São João Paulo II instituiu o Dia
Mundial do Doente para sensibilizar o povo de Deus, as instituições sanitárias
católicas e a sociedade civil para a solicitude com os enfermos e quantos
cuidam deles [1].
Agradecemos ao Senhor o caminho feito durante
estes anos nas Igrejas particulares de todo o mundo. Já se deram muitos passos
em frente, mas há ainda um longo caminho a percorrer para garantir a todos os
doentes, mesmo nos lugares e situações de maior pobreza e marginalização, os
cuidados de saúde, de que necessitam, e também o devido acompanhamento pastoral
para conseguirem viver o período da doença unidos a Cristo crucificado e
ressuscitado. Que o XXX Dia Mundial do Doente – por causa da pandemia, a sua
celebração culminante não poderá ter lugar em Arequipa, no Perú, mas vai
realizar-se na Basílica de São Pedro, no Vaticano – nos ajude a crescer na
proximidade e no serviço às pessoas enfermas e às suas famílias.
1. Misericordiosos
como o Pai
O tema escolhido para este trigésimo Dia Mundial
– «Sede misericordiosos como
o vosso Pai é misericordioso» (Lc 6,
36) – faz-nos, antes de mais nada, voltar o olhar para Deus, «rico em
misericórdia» (Ef 2,
4), que olha sempre para os seus filhos com amor de pai, mesmo quando se
afastam d’Ele. Com efeito a misericórdia é, por excelência, o nome de Deus, que
expressa a sua natureza não como um sentimento ocasional, mas como força presente
em tudo o que Ele faz. É conjuntamente força e ternura. Por isso podemos dizer,
cheios de maravilha e gratidão, que a misericórdia de Deus tem nela mesma tanto
a dimensão da paternidade como a da maternidade (cf. Is 49, 15), porque
Ele cuida de nós com a força dum pai e com a ternura duma mãe, sempre desejoso
de nos dar vida nova no Espírito Santo.
2. Jesus,
misericórdia do Pai
Suprema testemunha do amor misericordioso do Pai
para com os enfermos é o seu Filho unigénito. Quantas vezes os Evangelhos nos
narram os encontros de Jesus com pessoas que sofriam de várias doenças! Ele
«começou a percorrer toda a Galileia, ensinando nas sinagogas, proclamando o
Evangelho do Reino e curando entre o povo todas as doenças e enfermidades» (Mt 4, 23). Podemos
perguntar-nos: Porquê esta atenção particular de Jesus para com os doentes, a
ponto da mesma se tornar também a atividade principal na missão dos apóstolos,
enviados pelo Mestre a anunciar o Evangelho e curar os enfermos (cf. Lc 9, 2)?
Um pensador do século XX sugere-nos uma razão: «A
dor isola duma forma absoluta e é deste isolamento absoluto que nasce o apelo
ao outro, a invocação ao outro» [2]. Quando uma pessoa experimenta na própria
carne fragilidade e sofrimento por causa da doença, também o seu coração se
sente acabrunhado, cresce o medo, multiplicam-se as dúvidas, torna-se mais
impelente a questão sobre o sentido de tudo o que está a acontecer. A
propósito, como não recordar os numerosos enfermos que, durante este tempo de
pandemia, viveram a última parte da sua existência na solidão duma Unidade de
Terapia Intensiva, certamente cuidados por generosos profissionais de saúde,
mas longe dos afetos mais queridos e das pessoas mais importantes da sua vida
terrena? Daqui vemos a importância de se ter ao lado testemunhas da caridade de
Deus, que a exemplo de Jesus, misericórdia do Pai, derramem sobre as feridas
dos enfermos o óleo da consolação e o vinho da esperança [3].
3. Tocar
a carne sofredora de Cristo
O convite de Jesus a ser misericordiosos como o
Pai adquire um significado particular para os profissionais de saúde. Penso nos
médicos, enfermeiros, técnicos de laboratório, auxiliares e cuidadores dos
enfermos, bem como nos numerosos voluntários que doam tempo precioso a quem
sofre. Queridos profissionais da saúde, o vosso serviço junto dos doentes,
realizado com amor e competência, ultrapassa os limites da profissão para se
tornar uma missão. As vossas mãos que tocam a carne sofredora de Cristo podem
ser sinal das mãos misericordiosas do Pai. Permanecei cientes da grande
dignidade da vossa profissão e também da responsabilidade que ela acarreta.
Bendizemos o Senhor pelos progressos que a
ciência médica realizou sobretudo nestes últimos tempos; as novas tecnologias
permitiram dispor de vias terapêuticas de grande utilidade para os doentes; a
pesquisa continua a dar a sua valiosa contribuição para derrotar velhas e novas
patologias; a medicina de reabilitação desenvolveu notavelmente os seus
conhecimentos e competências. Tudo isso, porém, não deve jamais fazer esquecer
a singularidade de cada doente, com a sua dignidade e as suas
fragilidades [4]. O doente é sempre mais importante do que
a sua doença, e por isso qualquer abordagem terapêutica não pode prescindir da
escuta do paciente, da sua história, das suas ansiedades, dos seus medos. Mesmo
quando não se pode curar, sempre é possível tratar, consolar e fazer sentir à
pessoa uma proximidade que demonstre mais interesse por ela do que pela sua
patologia. Espero, pois, que os percursos de formação dos operadores da saúde
sejam capazes de os habilitar para a escuta e a dimensão relacional.
4. Os
lugares de tratamento, casas de misericórdia
O Dia Mundial do Doente é ocasião propícia também
para determos a nossa atenção nos lugares de tratamento. A misericórdia para
com os enfermos levou a comunidade cristã a abrir, no decorrer dos séculos,
inúmeras «estalagens do bom samaritano» (cf. Lc 10, 34), onde pudessem ser acolhidos
e tratados doentes de todo o género, sobretudo aqueles que, por indigência,
pela exclusão social ou pelas dificuldades no tratamento dalgumas patologias,
não encontravam resposta ao seu pedido de saúde. Em tais situações, são
sobretudo as crianças, os idosos e as pessoas mais fragilizadas que pagam o
preço mais alto. Misericordiosos como o Pai, muitos missionários acompanharam o
anúncio do Evangelho com a construção de hospitais, dispensários e lugares de
tratamento. São obras preciosas, através das quais se concretizou a caridade
cristã e se tornou mais credível o amor de Cristo, testemunhado pelos seus
discípulos. Penso sobretudo nas populações das zonas mais pobres da Terra, onde
por vezes é necessário percorrer longas distâncias para encontrar centros de
tratamento que, embora com recursos limitados, oferecem tudo o que têm
disponível. Ainda há um longo caminho a percorrer e, nalguns países, receber
adequados tratamentos continua a ser um luxo. Testemunha-o, por exemplo, a escassa
disponibilidade, nos países mais pobres, de vacinas contra a Covid-19 e ainda
mais a falta de tratamentos para patologias que requerem medicamentos muito
mais simples.
Neste contexto, desejo reafirmar a importância
das instituições sanitárias católicas: são um tesouro precioso que deve ser
preservado e sustentado; a sua presença caraterizou a história da Igreja pela
sua proximidade aos doentes mais pobres e às situações mais esquecidas [5]. Quantos fundadores de famílias
religiosas souberam ouvir o clamor de irmãos e irmãs privados de acesso aos
tratamentos ou mal atendidos, prodigalizando-se ao seu serviço! Ainda hoje,
mesmo nos países mais desenvolvidos, a sua presença é uma bênção, porque, além
de cuidar do corpo com toda a competência necessária, sempre podem oferecer
também aquela caridade cujo centro da atenção são os doentes e os seus
familiares. Numa época em que se difundiu a cultura do descarte e nem sempre se
reconhece a vida como digna de ser acolhida e vivida, estas estruturas, como
casas da misericórdia, podem ser exemplares na salvaguarda e no cuidado de cada
existência, mesmo a mais frágil, desde o próprio início até ao seu termo
natural.
5. A
misericórdia pastoral: presença e proximidade
No caminho feito ao longo destes trinta anos, a
própria pastoral da saúde viu o seu serviço ser cada vez mais reconhecido como
indispensável. Na verdade, se a pior discriminação sofrida pelos pobres – e os
doentes são pobres de saúde – é a falta dos cuidados espirituais, não podemos
exonerar-nos de lhes oferecer a proximidade de Deus, a sua bênção, a sua
Palavra, a celebração dos Sacramentos e a proposta dum caminho de crescimento e
amadurecimento na fé [6]. A propósito, gostaria de lembrar que a
proximidade aos enfermos e o seu cuidado pastoral não competem apenas a alguns
ministros especificamente deputados para o efeito; visitar os enfermos é um
convite feito por Cristo a todos os seus discípulos. Quantos doentes e quantas
pessoas idosas há que vivem em casa e esperam por uma visita! O ministério da consolação
é tarefa de todo o batizado, recordando-se das palavras de Jesus: «Estive
doente e visitastes-Me» ( Mt 25,
36).
Queridos irmãos e irmãs, à intercessão de Maria,
Saúde dos Enfermos, confio todos os doentes e as suas famílias. Unidos a
Cristo, que carrega sobre Si o sofrimento do mundo, possam encontrar sentido,
consolação e confiança. Rezo por todos os profissionais de saúde para que,
ricos em misericórdia, ofereçam aos pacientes, juntamente com os tratamentos
devidos, a sua proximidade fraterna.
De coração, a todos concedo a Bênção Apostólica.
Roma,
São João de Latrão, na Memória de Nossa Senhora de Loreto, 10 de dezembro de
2021.
Francisco
[1] Cf. São João Paulo II, Carta ao Cardeal
Fiorenzo Angelini, Presidente do Conselho Pontifício para a Pastoral no Campo
da Saúde, para a instituição do Dia Mundial do Doente (13/V/1992).
[2] E. Levinas, «Une éthique de la
souffrance», in: J.-M. von Kaenel (ed.), Souffrances. Corps et âme, épreuves partagées (Autrement,
Paris 1994), 133-135.
[3] Cf. Missal Romano, Prefácio Comum VIII «Cristo, o
bom samaritano».
[4] Cf. Francisco, Discurso
à Federação Nacional das Ordens dos Médicos Cirurgiões e dos Dentistas (20/IX/2019).
[5] Cf. Francisco, Angelus,
na Policlínica «Gemelli» em Roma (11/VII/2021).
[6] Cf. Francisco, Exort. ap. Evangelii
gaudium (24/XI/2013), 200.
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