Bispos prometem
O presidente da Conferência Episcopal Espanhola (CEE), cardeal Juan José Omella, anunciou que a investigação sobre os abusos na Igreja Católica em Espanha irá ao ponto de propor indemnizações às vítimas e será feita para colaborar com as autoridades estatais e não como alternativa, com o objectivo de conseguir “transparência, ajuda e reparação para as vítimas”. Em conferência de imprensa realizada nesta terça-feira em Madrid, o arcebispo de Barcelona e presidente da CEE garantiu que a hierarquia católica quer estabelecer “um canal de colaboração” com autoridades. E, conta o El País, Javier Cremades, responsável da firma Cremades & Calvo Sotelo, respondeu com uma pergunta irónica à questão de saber se no final haveria lugar a indemnizações: “Alguém no seu perfeito juízo pode pensar que, com uma abordagem jurídica, se for identificado um dano, não haverá reparação?”, perguntou citado pelo Religión Digital.
A investigação será “gratuita” para a Igreja, disse o cardeal, centrando-se o esforço económico da Igreja na questão da indemnização das vítimas. No entanto, as modalidades das eventuais indemnizações não estão ainda estabelecidas.
Duas outras coisas já são certas: no final, a firma de advogados apresentará à Conferência Episcopal e à opinião pública “um conjunto de procedimentos e boas práticas a serem adoptados pelas autoridades eclesiásticas de acordo com as exigências da sociedade”; e as congregações religiosas serão também envolvidas na investigação, através da Conferência Espanhola de Religiosos, que reúne as ordens e congregações religiosas. O El País recorda, aliás, que os dados conhecidos até agora em Espanha revelam que foi nas escolas que aconteceu a maioria dos casos de pedofilia: 611 casos e 1246 vítimas já foram contabilizados pelo próprio jornal, na investigação que fez e que foi entregue ao Papa no Outono.
Antes da apresentação do mandato dos advogados, o El País avançava com a informação de que ele abrangeria também casos de eventual encobrimento. Mas, nos relatos da conferência de imprensa, não há qualquer referência ao tema.
Javier Cremades anunciou ainda que o grupo que irá trabalhar na investigação – “um assunto tão delicado como difícil e doloroso” e que é para a firma o “mais complexo” já enfrentado até à data, como afirmou, citado na revista católica Vida Nueva – será composto por 18 pessoas. Poderão vir a ser mais, nomeadamente das áreas jurídica, da psicologia, da cultura, por exemplo, mas nele se inclui, para já, a antiga vice-presidente do Tribunal Constitucional, Encarnación Roca, que não integra o escritório. Para já, Cremades prevê que a investigação se conclua em 12 meses, “um prazo razoável para obter uma imagem verdadeira do que aconteceu”. Para isso, terão também a colaboração do escritório Westpfahl Spilker Wastl (WSW), que trabalhou para a Arquidiocese de Munique e que publicou um relatório no início deste ano.
Alemanha, França e Austrália como modelos
O relatório alemão é, aliás, “um dos modelos” que inspira a investigação espanhola, a par do francês e australiano. Dois dos advogados alemães de Munique irão a Espanha mensalmente e o presidente da comissão francesa de investigação, Jean-Marc Sauvé, também foi contactado pelo escritório de Madrid. E, de acordo com Cremades, “não há limites temporais ou materiais” para os crimes a serem investigados.
Tal como a comissão de estudo que começou a trabalhar em Portugal em Janeiro, a firma de advogados criou um endereço de correio electrónico para que as vítimas enviem as suas histórias: denunciaabusos@cremadescalvosotelo.com.
Também à semelhança do que tem feito o organismo português, Cremades diz que será pedida a colaboração dos meios de comunicação social que relataram este tipo de casos.
Falta esclarecer ainda, diz o Religión Digital, se os arquivos eclesiásticos serão abertos, embora Cremades admita que irá esperar para ver o grau de colaboração demonstrado por cada bispo, cada congregação, cada escola. “A CEE vai servir-nos de canal para chegarmos às dioceses, não sabemos qual será a sua atitude. A ideia é visitar cada diocese, escolas e ordens religiosas.”
O cardeal Omella, relata a Vida Nueva, começou a sua intervenção por pedir “perdão público para todas as vítimas que sofreram e sofrem tanta dor” e dizendo que serão as vítimas a estar no centro da investigação: “O nosso objectivo é ajudar e reparar as vítimas, alargando os canais de colaboração e denúncia”, disse o presidente da CEE, para quem as “as vítimas não são um número mas um rosto com uma pessoa e uma história”.
O arcebispo de Barcelona afirmou também que os bispos se sentem “incomodados com todos os abusos noutras instituições”, pedindo que eles “sejam também investigados”, mas afirmando que a Igreja quer, com esta decisão, “dar um passo em frente na sua obrigação de transparência social, de ajuda e reparação às vítimas e de colaboração com as autoridades, avaliando positiva e negativamente o que [fez] para o bem das vítimas e da sociedade”.
Várias associações de vítimas colocaram em questão o facto de a Igreja estar a “investigar-se a si própria” e de Javier Cremades ser católico e membro da Opus Dei – há mesmo um caso, numa escola da instituição, em que o colégio nega a culpa do presumido abusador. O advogado Javier Cremades, conta o El País, assegurou: “Vamos até ao fim. Aceitámos um mandato para agir de forma independente, em colaboração com as dioceses. Não queremos ser uma alternativa a outras investigações, mas sim ajudá-los na sua função”. E, sobre o facto de ser católico e membro da prelatura [ver 7MARGENS], acrescentou: “Sou católico, membro do Opus Dei e por isso acredito que a Igreja deve corrigir o que for necessário e pedir perdão. Estou aqui como advogado, não como crente, nem como qualquer outra coisa”, respondeu, citado pelo portal Religión Digital.
Em Espanha, debate-se actualmente nas Cortes a possibilidade de avançar com uma comissão parlamentar de inquérito proposta pela Unidos Podemos ou uma investigação conduzida pelo Provedor de Justiça (proposta pelo Partido Socialista e apoiada pela maioria dos partidos). O cardeal assumiu que a investigação a fazer pela firma de advogados será uma forma de colaborar com a investigação estatal, e Cremades afimou mesmo que tinha falado na véspera com o Provedor, Ángel Gabilondo. “Esta investigação está a ser realizada a fim de colaborar com o Governo”.
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