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terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

Homilia no centenário da entrada de Dom José do Patrocínio Dias na Diocese de Beja

Catedral de Beja, 5 de fevereiro de 2022


Senhor Vigário Geral, Reverendos Cónegos, Presbíteros e Diáconos, caros Religiosos e Religiosas, estimados Seminaristas, caríssimos Fiéis Leigos e Leigas:

1 - Completam-se hoje cem anos sobre a data de entrada de D. José do Patrocínio Dias na Diocese de Beja. Esta é uma data feliz, na agitada história desta Diocese Alentejana. Todos vós sabeis das circunstâncias difíceis em que ocorreu. Mobilizadas por forças anti clericais, muitas pessoas da cidade de Beja acorreram armadas, no dia 4 de fevereiro, à Estação dos Caminhos-de-ferro, não para saudar ou aplaudir o novo Bispo, mas para o hostilizar e impedir de pisar o chão da cidade. No entanto, o Senhor Dom José já não estava nesse comboio. Católicos de Ferreira do Alentejo, ao saberem daquela mobilização negativa da cidade de Beja, tinham ido a uma das estações anteriores. Tiraram do comboio o Senhor Bispo, levaram-no para sua casa onde pernoitou e, no dia seguinte, trouxeram-no para Beja onde entrou discretamente. Por duas vezes, os seus inimigos lhe puseram bombas para o liquidarem. Mas o Senhor Dom José, que fora capelão militar na Flandres, e conhecera os horrores das trincheiras da 1ª grande guerra, ria-se dessas bombas.

Tinha então 38 anos. Era um Bispo jovem e, como Salomão no início do seu reinado, certamente dirigiu ao Senhor as palavras que escutamos na primeira leitura de hoje: Eu sou muito novo e não sei como proceder. Dai ao vosso servo um coração inteligente para saber distinguir o bem do mal; pois quem poderia governar este vosso povo tão numeroso?

Estas palavras e as leituras que escutámos, caríssimos irmãos, não foram escolhidas por nós, de propósito, para esta celebração. São as leituras que no dia de hoje, 5 de fevereiro, são proclamadas nas celebrações eucarísticas em toda a Igreja Católica. Um coração inteligente, pacificado, liberto das paixões é o bem mais precioso e necessário para quem tem de governar.

2 - Deus ouviu a sua oração, e deu-lhe a graça de ver amplamente realizado aquilo que eram, certamente, desejos profundos do seu coração. Fundou dois seminários, um em Serpa e outro em Beja, onde formou um clero entusiasta para apascentar os féis, fomentou a vida religiosa fundando as Oblatas do Divino Coração e o mosteiro Carmelita do Sagrado Coração de Jesus. Transformou em Catedral esta igreja paroquial de Santiago Maior, fundou o Cabido Diocesano e, como pai amoroso do seu povo, promoveu a construção de muitas casas destinadas aos pobres, em muitas vilas e cidades deste extensíssimo bispado. Numa palavra, restaurou a Diocese. Tocou verdadeiramente o coração dos fiéis e atraiu-os ao Coração Santíssimo de Jesus de quem era devotíssimo, e promoveu e consolidou a devoção à Virgem Mãe, sempre tão amada e venerada pelo povo alentejano. Curiosamente, neste ano de 2022 completam-se 75 anos sobre a fecunda peregrinação da imagem de Nossa Senhora de Fátima da Capelinha das Aparições que, trazida por ele, percorreu esta Diocese e chamou para a Igreja uma multidão de fiéis.

3 - Chegando a esta Diocese há cem anos atrás, o Senhor Dom José viu, como Jesus no Evangelho proclamado há momentos, uma grande multidão e compadeceu-se de toda aquela gente porque eram como ovelhas sem pastor. Como ovelhas sem pastor estavam os fiéis desta Diocese desde o dia 5 de outubro de 1910, quando foi implantada a República e o Bispo Dom Sebastião de Vasconcelos, impedido de regressar a Beja, se refugiou primeiro em Sevilha e depois em Roma onde faleceu em 1923, estando já Dom José à frente desta Diocese.

Como ovelhas sem pastor, ou apascentadas por falsos pastores que tudo prometem mas não podem dar a ninguém a Vida Eterna, estão hoje muitos alentejanos: dizem-se católicos porque foram batizados, mas não escutam a palavra dos seus pastores. São católicos não praticantes, afastados da missa dominical e da prática dos mandamentos, católicos cuja fé não é a verdadeira fé da Igreja, nem esperam o cumprimento das promessas de Cristo e vivem sem esperança cristã. Essas ovelhas sem pastor precisam de ser amadas, precisam de ouvir o anúncio do Amor de Cristo que morreu e ressuscitou por elas para serem filhos de Deus e cristãos autênticos, e não apenas de nome. Precisam de receber a Revelação de Cristo, não apenas como Luz do mundo, mas também como Filho de Deus e, mais ainda, como Esposo cheio de amor que nos convida a amá-l’O com todo o coração, e n’Ele, e com o mesmo amor que d’Ele recebemos, a fazermos da nossa vida um serviço amoroso aos nossos irmãos.

Celebrando hoje os cem anos da entrada do Senhor D. José do Patrocínio Dias nesta Diocese de Beja, peçamos ao Senhor da messe que envie trabalhadores para a sua messe. Trabalhadores com a têmpera e com a sabedoria do Senhor D. José do Patrocínio Dias. Caríssimos padres, a Diocese será e é já, em boa parte, aquilo que nós formos, aquilo que nós somos. Estamos vivos. Hoje, em boa parte, depende de nós a saúde espiritual da nossa diocese e dos seus fiéis. O exemplo sublime do Senhor D. José do Patrocínio Dias não move os vossos corações a imitá-lo? Eu creio firmemente que ele está na glória do céu e que podemos não apenas imitá-lo mas contar com a sua intercessão junto de Deus. Esta Diocese, que ele amou como esposo amigo e fiel, precisa hoje de ser amada por muitos outros que tenham o coração ferido de amor por ela. Se a amarmos verdadeiramente, sentir-nos-emos realizados e ajudaremos outros a escutar e a responder ao chamamento de Cristo. Graças ao Senhor Jesus Cristo, o presbitério diocesano que somos, embora com todas as suas debilidades, está bastante melhor do que aquele que D. José encontrou ao entrar na diocese. Quem dera que a celebração deste centenário infundisse, em nossos corações, o fogo daquele amor esponsal que nos leva a dar a vida, e sem o qual ficamos reduzidos a meros operários, a cegos funcionários que nada veem para além do salário com que procuram ganhá-la.

4 – Alegremo-nos, queridos irmãos. Hoje é dia de festa para a cidade e para toda a diocese de Beja. Alegrem-se as Oblatas do Divino Coração, suas filhas diletas, que mantêm vivo na diocese o seu testemunho de amor e o carisma da sua caridade, da sua oferta fiel e generosa ao Santíssimo Coração de Jesus, fonte de Vida e de Amor. Alegrem-se os sacerdotes ainda vivos que ele ordenou. Alegre-se toda esta diocese que ele amou e serviu tão generosa e dedicadamente. Alegremo-nos todos pela obra grandiosa que o Senhor realizou nesta Igreja de Beja por meio do Senhor D. José do Patrocínio Dias.

Alegremo-nos e demos graças ao Senhor por este pastor insigne que, no século XX, refundou a nossa diocese. E peçamos-Lhe a graça de um novo pastor para nos apascentar em Seu Nome e ajudar esta igreja depauperada que somos nós, no século XXI, a levar por diante, em conjunto, a grande tarefa da Evangelização, como igreja sinodal, onde todos aprendemos a escutar o Evangelho e a dar testemunho dele.

5 – Os nossos tempos sofrem, sem dúvida, a consequência de loucuras passadas. (…) Sem Deus na alma, não há verdade, não há amor, não há paz. Imperam as paixões humanas atiradas à rédea solta para a vida social. (…)

Se um véu de tristeza me envolve a alma, nem por isso o coração desfalece; Se graves me surgem as dificuldades presentes, embaraçoso o momento e tremendas as responsabilidades, se à luz quase apagada dos meus recursos penetro no íntimo da minha consciência, considero a magnitude da missão e a pequenez do meu ser, estremeço, encho-me de purgante amargura; mas nem o desalento me acomete nem as sombras carregadas de desânimo pesam sobre mim.

Ideal santo, augusto, ilumina a minha senda; fim nobilíssimo sustenta as minhas energias; esperança dourada me sorri, esplendente no futuro. Sim, não venho por mim… venho por Deus que me envia, venho pela Pátria a quem amo.

Mensageiro de Cristo, Mestre e Senhor, é a Sua Palavra eterna da Verdade que os meus lábios devem transmitir; é o amor infinito do Seu Coração abrasado, que por mim, aponta aos vossos corações; é a Paz suavíssima que Ele veio trazer sobre a terra e da qual só Ele tem o segredo, que devo pregar; assim advirá a união das almas, presas docemente pelos laços fortes de uma verdadeira caridade cristã.

Caríssimos irmãos: não são minhas estas palavras. Elas ressoaram há cem anos neste mesmo lugar. São da saudação que o Senhor D. José então proferiu. Bendito seja Deus porque, pelo poder do Seu Espírito atuando em D. José, se cumpriram.

Nesta mesma Catedral que guarda como um tesouro, os seus restos mortais, nós as ouvimos hoje de novo. Que, de novo, elas se cumpram, para a maior glória de Deus.

+ J. Marcos, bispo de Beja


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