Catedral de Beja, 5 de fevereiro de 2022
Senhor Vigário Geral, Reverendos Cónegos, Presbíteros e Diáconos, caros Religiosos e Religiosas, estimados Seminaristas, caríssimos Fiéis Leigos e Leigas:
1
- Completam-se hoje cem anos sobre a data de entrada de D. José do Patrocínio
Dias na Diocese de Beja. Esta é uma data feliz, na agitada história desta
Diocese Alentejana. Todos vós sabeis das circunstâncias difíceis em que
ocorreu. Mobilizadas por forças anti clericais, muitas pessoas da cidade de
Beja acorreram armadas, no dia 4 de fevereiro, à Estação dos Caminhos-de-ferro,
não para saudar ou aplaudir o novo Bispo, mas para o hostilizar e impedir de
pisar o chão da cidade. No entanto, o Senhor Dom José já não estava nesse
comboio. Católicos de Ferreira do Alentejo, ao saberem daquela mobilização
negativa da cidade de Beja, tinham ido a uma das estações anteriores. Tiraram
do comboio o Senhor Bispo, levaram-no para sua casa onde pernoitou e, no dia
seguinte, trouxeram-no para Beja onde entrou discretamente. Por duas vezes, os
seus inimigos lhe puseram bombas para o liquidarem. Mas o Senhor Dom José, que fora
capelão militar na Flandres, e conhecera os horrores das trincheiras da 1ª
grande guerra, ria-se dessas bombas.
Tinha
então 38 anos. Era um Bispo jovem e, como Salomão no início do seu reinado,
certamente dirigiu ao Senhor as palavras que escutamos na primeira leitura de
hoje: Eu sou muito novo e não sei como
proceder. Dai ao vosso servo um coração inteligente para saber distinguir o bem
do mal; pois quem poderia governar este vosso povo tão numeroso?
Estas palavras
e as leituras que escutámos, caríssimos irmãos, não foram escolhidas por nós,
de propósito, para esta celebração. São as leituras que no dia de hoje, 5 de
fevereiro, são proclamadas nas celebrações eucarísticas em toda a Igreja
Católica. Um coração inteligente, pacificado, liberto das paixões é o bem mais
precioso e necessário para quem tem de governar.
2
- Deus ouviu a sua oração, e deu-lhe a graça de ver amplamente realizado aquilo
que eram, certamente, desejos profundos do seu coração. Fundou dois seminários,
um em Serpa e outro em Beja, onde formou um clero entusiasta para apascentar os
féis, fomentou a vida religiosa fundando as Oblatas do Divino Coração e o mosteiro
Carmelita do Sagrado Coração de Jesus. Transformou em Catedral esta igreja
paroquial de Santiago Maior, fundou o Cabido Diocesano e, como pai amoroso do
seu povo, promoveu a construção de muitas casas destinadas aos pobres, em
muitas vilas e cidades deste extensíssimo bispado. Numa palavra, restaurou a
Diocese. Tocou verdadeiramente o coração dos fiéis e atraiu-os ao Coração
Santíssimo de Jesus de quem era devotíssimo, e promoveu e consolidou a devoção
à Virgem Mãe, sempre tão amada e venerada pelo povo alentejano. Curiosamente, neste
ano de 2022 completam-se 75 anos sobre a fecunda peregrinação da imagem de
Nossa Senhora de Fátima da Capelinha das Aparições que, trazida por ele,
percorreu esta Diocese e chamou para a Igreja uma multidão de fiéis.
3
- Chegando a esta Diocese há cem anos atrás, o Senhor Dom José viu, como Jesus
no Evangelho proclamado há momentos, uma
grande multidão e compadeceu-se de toda aquela gente porque eram como ovelhas
sem pastor. Como ovelhas sem pastor estavam os fiéis desta Diocese desde o
dia 5 de outubro de 1910, quando foi implantada a República e o Bispo Dom
Sebastião de Vasconcelos, impedido de regressar a Beja, se refugiou primeiro em
Sevilha e depois em Roma onde faleceu em 1923, estando já Dom José à frente
desta Diocese.
Como
ovelhas sem pastor, ou apascentadas por falsos pastores que tudo prometem mas
não podem dar a ninguém a Vida Eterna, estão hoje muitos alentejanos: dizem-se
católicos porque foram batizados, mas não escutam a palavra dos seus pastores. São
católicos não praticantes, afastados da missa dominical e da prática dos
mandamentos, católicos cuja fé não é a verdadeira fé da Igreja, nem esperam o
cumprimento das promessas de Cristo e vivem sem esperança cristã. Essas ovelhas
sem pastor precisam de ser amadas, precisam de ouvir o anúncio do Amor de
Cristo que morreu e ressuscitou por elas para serem filhos de Deus e cristãos
autênticos, e não apenas de nome. Precisam de receber a Revelação de Cristo,
não apenas como Luz do mundo, mas também como Filho de Deus e, mais ainda, como
Esposo cheio de amor que nos convida a amá-l’O com todo o coração, e n’Ele, e
com o mesmo amor que d’Ele recebemos, a fazermos da nossa vida um serviço
amoroso aos nossos irmãos.
Celebrando hoje
os cem anos da entrada do Senhor D. José do Patrocínio Dias nesta Diocese de
Beja, peçamos ao Senhor da messe que envie trabalhadores para a sua messe.
Trabalhadores com a têmpera e com a sabedoria do Senhor D. José do Patrocínio
Dias. Caríssimos padres, a Diocese será e é já, em boa parte, aquilo que nós
formos, aquilo que nós somos. Estamos vivos. Hoje, em boa parte, depende de nós
a saúde espiritual da nossa diocese e dos seus fiéis. O exemplo sublime do Senhor
D. José do Patrocínio Dias não move os vossos corações a imitá-lo? Eu creio firmemente
que ele está na glória do céu e que podemos não apenas imitá-lo mas contar com
a sua intercessão junto de Deus. Esta Diocese, que ele amou como esposo amigo e
fiel, precisa hoje de ser amada por muitos outros que tenham o coração ferido
de amor por ela. Se a amarmos verdadeiramente, sentir-nos-emos realizados e
ajudaremos outros a escutar e a responder ao chamamento de Cristo. Graças ao
Senhor Jesus Cristo, o presbitério diocesano que somos, embora com todas as suas
debilidades, está bastante melhor do que aquele que D. José encontrou ao entrar
na diocese. Quem dera que a celebração deste centenário infundisse, em nossos
corações, o fogo daquele amor esponsal que nos leva a dar a vida, e sem o qual
ficamos reduzidos a meros operários, a cegos funcionários que nada veem para
além do salário com que procuram ganhá-la.
4
– Alegremo-nos, queridos irmãos. Hoje é dia de festa para a cidade e para toda
a diocese de Beja. Alegrem-se as Oblatas do Divino Coração, suas filhas diletas,
que mantêm vivo na diocese o seu testemunho de amor e o carisma da sua
caridade, da sua oferta fiel e generosa ao Santíssimo Coração de Jesus, fonte
de Vida e de Amor. Alegrem-se os sacerdotes ainda vivos que ele ordenou.
Alegre-se toda esta diocese que ele amou e serviu tão generosa e dedicadamente.
Alegremo-nos todos pela obra grandiosa que o Senhor realizou nesta Igreja de
Beja por meio do Senhor D. José do Patrocínio Dias.
Alegremo-nos
e demos graças ao Senhor por este pastor insigne que, no século XX, refundou a nossa
diocese. E peçamos-Lhe a graça de um novo pastor para nos apascentar em Seu
Nome e ajudar esta igreja depauperada que somos nós, no século XXI, a levar por
diante, em conjunto, a grande tarefa da Evangelização, como igreja sinodal,
onde todos aprendemos a escutar o Evangelho e a dar testemunho dele.
5
– Os nossos tempos sofrem, sem dúvida, a
consequência de loucuras passadas. (…) Sem Deus na alma, não há verdade, não há
amor, não há paz. Imperam as paixões humanas atiradas à rédea solta para a vida
social. (…)
Se um véu de tristeza me envolve a
alma, nem por isso o coração desfalece; Se graves me surgem as dificuldades
presentes, embaraçoso o momento e tremendas as responsabilidades, se à luz
quase apagada dos meus recursos penetro no íntimo da minha consciência,
considero a magnitude da missão e a pequenez do meu ser, estremeço, encho-me de
purgante amargura; mas nem o desalento me acomete nem as sombras carregadas de
desânimo pesam sobre mim.
Ideal santo, augusto, ilumina a
minha senda; fim nobilíssimo sustenta as minhas energias; esperança dourada me
sorri, esplendente no futuro. Sim, não venho por mim… venho por Deus que me
envia, venho pela Pátria a quem amo.
Mensageiro de Cristo, Mestre e
Senhor, é a Sua Palavra eterna da Verdade que os meus lábios devem transmitir;
é o amor infinito do Seu Coração abrasado, que por mim, aponta aos vossos
corações; é a Paz suavíssima que Ele veio trazer sobre a terra e da qual só Ele
tem o segredo, que devo pregar; assim advirá a união das almas, presas
docemente pelos laços fortes de uma verdadeira caridade cristã.
Caríssimos
irmãos: não são minhas estas palavras. Elas ressoaram há cem anos neste mesmo
lugar. São da saudação que o Senhor D. José então proferiu. Bendito seja Deus
porque, pelo poder do Seu Espírito atuando em D. José, se cumpriram.
Nesta mesma
Catedral que guarda como um tesouro, os seus restos mortais, nós as ouvimos
hoje de novo. Que, de novo, elas se cumpram, para a maior glória de Deus.
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