Apesar da Árvore de Natal se ter imposto como celebração natalícia, o Presépio não foi destronado e continua a fazer-se, não só nas igrejas, mas também nas famílias. Já não é preciso ir apanhar o musgo ao pinhal, pois ele vende-se. Pais e filhos ou avós e netos, não deixam de fazer o presépio. É a ternura de ver o Menino-Deus na simplicidade de uma manjedoura que faz as vezes de berço. Umberto Eco, escritor, filósofo, linguista italiano de fama internacional, professor na Universidade de Bolonha, autor desse magnífico romance O Nome da Rosa, adaptado ao cinema, ateu, não deixava de fazer o presépio juntamente com os netos, tal como o seu avô fazia com ele. É uma tradição profundamente enraizada na cultura ocidental, de raiz historicamente cristã. Estão lembrados provavelmente da confusão que se levantou, quando o Papa Bento XVI, na sua obra Jesus de Nazaré, publicada em 2017, escreveu que os Evangelhos não mencionavam a vaca e o burro. Caiu o Carmo e a Trindade. Quase que se queria pegar em armas para defender o burro e a vaca a aquecerem o Menino. Efetivamente os Evangelhos canónicos Mateus, Marcos, Lucas, João, aqueles que o Sínodo de Hipona Regiam, hoje Argélia, tinha aceite em 393, e o Sínodo de Cartago ratificou em 397, não referem a vaca nem o burro. São os outros evangelhos, considerados apócrifos, que referem mais pormenores sobre a infância de Jesus, que apresentam esses simpáticos animais. O que é facto é que a vaca e o burro de cada lado da manjedoura é tradição muito antiga, anterior mesmo à primeira representação do presépio encenada por São Francisco de Assis. Corria o ano de 1209. Francisco foi pregar a Greccio, um pequeno burgo, a cerca de cem quilómetros a nordeste de Roma. Construiu uma pobre cabana entre duas árvores, no sopé do Monte Lacerone. Durante o dia pregava aos habitantes de Greccio e a todos quantos acorriam das aldeias vizinhas. Aí passou vários anos e no outono de 1223, quando se encontrava em Roma para obter do Papa a aprovação da regra definitiva da Ordem dos Frades Menores, durante a audiência, pediu-lhe também autorização para representar a Natividade. A viagem que tinha feito à Palestina tinha-o impressionado vivamente e tinha-lhe provocado uma predileção especial pelo Natal. O próprio lugar de Greccio recordava-lhe Belém. Então, regressado de Roma, mal chegou, dirigiu-se a Giovanni Velita, Senhor de Greccio, que muito o admirava e pediu-lhe uma gruta onde pudesse construir uma manjedoura e que lhe desse uma vaca e um burro para se reproduzir a gruta de Belém. Faltavam quinze dias para o Natal, mas Velita não se poupou a esforços para conseguir o que pretendia Francisco. E, na noite de Natal, além dos frades, todo o povo compareceu, não só de Breccio, mas das aldeias vizinhas, com archotes e tochas. E assim esta aldeia foi considerada a nova Belém. São Francisco quis fundamentalmente considerar a pobreza e a simplicidade do nascimento de Jesus. Não colocou nenhuma imagem do Menino, que esteve presente na fé e na espiritualidade de Francisco, tal como em todos aqueles que presenciavam e veneravam a humanidade do Filho de Deus. O importante para ele era imaginar Jesus, em absoluta privação de tudo. Os fiéis acharam a ideia tão bela e sugestiva que a adotaram. Não tardou que todas as igrejas fizessem o seu presépio e começassem a rivalizar entre si, esquecendo a simplicidade do presépio de Breccio e acrescentando personagens chegando aos dias de hoje com a profusão de figuras que conhecemos. Eu tenho ainda nos meus olhos a visão do antigo presépio da minha terra com os pastores, as ovelhas, o moleiro, a lavadeira e, sobretudo, uma banda de música e uma procissão com os mordomos de opas vermelhas, a preceito. São Francisco sorrirá com certeza e não levará a mal.
Cecília Rezende |
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