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segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Diplomacia

Um dos pequenos prazeres de quem mora em regiões de fronteira é cruzá-la para adquirir certos produtos por preço inferior ou degustar a culinária local. É este prazer que de vez em quando nos leva a Jaguarão, a cruzar a ponte que homenageia nosso grande Mauá e percorrer o comércio da pequena Rio Branco, no lado uruguaio. Esposa e filha para um lado, este que vos escreve para outro, à procura de vinhos razoáveis por preço conveniente.

Ao tomar algum tempo depois, numa noite fria, perto do fogo, uma taça de um tinto, a gente quase chega a desejar a imortalidade. Bobagem, sabemos, afinal a vida, despida da inocência da infância e do cego porvir da juventude, também cansa. Numa destas horas vagas fiquei a pensar no tempo escolar. Há professores dos quais sequer lembro, outros se perpetuaram pelos apelidos: Luís Louco, Motorzinho, Lambari,... Respeitáveis pelo conhecimento, nem por isto despontavam como mestres. Que me perdoem, mas alguns eram mesmo péssimos. Outros eram instigantes, como Teixeira Leite, de História. Não usava meias palavras. Longe de ser morno, contava a História quase como quem comenta um jogo.

Fumava com piteira e desancava algumas figuras históricas, como a católica Maria Stuart. Quis o tempo que resgatasse a imagem desta que foi Rainha da Escócia e, por curtíssimo período, também Rainha da França. Seria degolada sob o assentimento de sua prima, Elizabeth I, com a qual jamais se encontrou. A biografia de Maria Stuart de Stephan Zweig é generosa e a retrata como ingénua, nunca como perversa. Seu carrasco errou o primeiro golpe e ainda assim não escutou lamúria. Pintalgada por ironias e crueldade sem fim, a História nos conta que Elizabeth I - filha do asqueroso Henrique VIII e de Ana Bolena, degolada na Torre de Londres,- seria sucedida por James, filho de Maria Stuart. Parece coisa de almanaque.

Outra figura pela qual Teixeira Leite nutria incontida bronca era Klemens von Metternich, nascido em Koblenz, na atual Alemanha. Em suas aulas ele falava com esgar ao mencionar a Santa Aliança e os movimentos de Metternich. Teixeira Leite atribuía a ele maquinações sem fim. Seria ardiloso, manipulador, diabólico. Quis a sorte que lesse “O Príncipe de Metternich”, de Raoul Auernheimer, para conhecer um pouco a carreira de tão controvertido personagem.

Quando Metternich conheceu Napoleão - ao entregar em 1806 suas credenciais como embaixador da Áustria,- este disse que o achava muito moço para representar a mais antiga dinastia da Europa: “Tenho a idade de Vossa Majestade no dia de Austerlitz”. Mais tarde Napoleão diria que Metternich estava a caminho de se tornar um estadista: “Já mente admiravelmente”. Peço vénia, professor, mas não consegui demonizar Metternich. Do final de 1812 a agosto de 1813 a Áustria passaria de aliada a inimiga da França. Numa reunião em Dresden, que durou oito horas, Metternich instou Napoleão a estabelecer a paz na Europa e recuar aos seus domínios, evacuando a Alemanha. Valendo-se de um expediente que muitas vezes funcionara, Napoleão teve um acesso de fúria. Atirou seu chapéu imperial aos pés de Metternich, que permaneceu impassível. Depois de andar nervosamente de um lado a outro, o próprio Napoleão recolheu o chapéu. Afinal, se um servo visse tal objeto no chão teria má impressão. Antes de ir-se, um sereno Metternich sentenciou ao general: “Você está perdido!”.

A diplomacia é a arte de evitar guerras ou por um fim a elas. Num momento patético em que alguns brasileiros chegam ao absurdo de imaginar que seria melhor entregar a Amazónia, estou a concluir “História do Grande Chanceler”, sobre a vida e obra do Barão do Rio Branco. Grande brasileiro, resolveu com maestria problemas de delimitação territorial nas Missões, com a Argentina, no Amapá, com a França, e no Acre, com a Bolívia. Coroou sua atuação assinando em 1909 um tratado com o Uruguai, permitindo àquele país a navegação na Lagoa Mirim e no Rio Jaguarão. Vale lembrar que o Brasil ampliara suas fronteiras até Jaguarão em campanhas no início do século XIX, antes mesmo da independência.

Em reconhecimento ao nosso grande Rio Branco, o Uruguai deu seu nome a um de seus “departamientos”. Não associara o nome da pequena cidade uruguaia ao nosso chanceler maior. Nunca mais cruzarei a ponte Mauá sem pensar nisto. O Brasil tem jeito, tem grandes nomes em sua história, mas seus filhos não podem traí-lo. Nem por covardia, nem por ignorância.

J. B. Teixeira


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