Doeu-me o coração ao ouvir esta
exclamação proferida pelo dono de um restaurante que faz o melhor arroz doce do
mundo. Tinha ido buscar uma sopa. São deliciosas e muito económicas. Costumo
recorrer de vez em quando, em particular quando me atraso por qualquer motivo.
Na altura questionei se seria possível encomendar um arroz doce para o Natal,
ao que o dono exclamou: “Não sei se estou aberto amanhã, também não sei quando
é a véspera de Natal! Estou a viver um dia de cada vez”. Tinha um ar de
desmotivação, direi mesmo de angústia, refletido no seu olhar. A incerteza como
a de muitos donos de restaurantes era um facto. Atrás dele, a mulher, com um
olhar vivo, protetor, defensor, acenava que sim, que faria o arroz doce,
tentando recriar a esperança e alguma estabilidade nos dias vindouros. É um
restaurante familiar, uma alegria ver os avós, os filhos e de vez em quando os
netos quando regressam do estabelecimento de ensino. O papel da mulher enquanto
suporte afetivo e pilar da família é reconhecido. Certamente guarda as dores em
silêncio no seu coração, procurando que todos levem a vida em frente através do
seu espírito de sacrifício.
Segui o meu caminho a pensar que
esta situação refletia o que se passa em muitos lares hoje em dia. Quando
regressei passei à porta do restaurante. A neta, devidamente equipada para
enfrentar a chuva, dançava rodopiando feliz. Sorriu dizendo: “Tá a chover!”.
Respondi: “Vai para dentro”. Olha que: “Quem anda à chuva, molha-se!” Através do
vidro da janela do restaurante observei o olhar feliz e atento da avó que
zelava pelo bem-estar da neta. Sorriu. Entretanto chegou o pai que tinha ido
estacionar o carro, cumprimentou-me e entrou com a filha. Interiormente pensei
Deus permita que esta família e todas as famílias consigam ultrapassar esta
situação provocada pela crise sanitária.
Vivemos momentos diferentes.
Quanta incerteza, quanta luta, quanto sofrimento, muitas vezes ocultado, vivido
em silêncio, face a múltiplas situações que vivenciamos quer seja por luto, por
solidão, por isolamento, pelos diferentes confinamentos com todas as suas
consequências.
Logo, a nossa luta tem de
continuar com um esforço redobrado. Temos forçosamente que procurar encontrar
alternativas que nos ajudem a sobreviver enquanto a presente crise se faz
sentir e a retoma económica não se avizinha tão rápida quanto as carências que
vão sendo detetadas. Parece que se abriu uma autêntica caixa de Pandora. Mas a
esperança, o bem triunfará sobre todas as coisas.
O Homem é capaz de feitos heroicos
e irá certamente continuar a lutar para encontrar modo e meios de ultrapassar
este momento mais complicado, sem baixar os braços, encontrando mecanismos que
possam contribuir para podermos sobreviver com a dignidade necessária. E há
tantos exemplos positivos em todas as áreas e setores. A vivência da caridade tem-se
tornado mais evidente nestes longos dias. Mas se não forem tomadas medidas “musculadas”
atempadamente em defesa das empresas e das famílias, a fome será, e já o é,
nalgumas situações e contextos, uma crise humanitária sem precedentes.
Meu Senhor e Meu Deus, Tu que
enviaste o Teu filho bem-amado a este mundo, ajuda-nos a encontrar forças,
saúde, meios, que permitam recordar no futuro, de um modo positivo, o modo como
todos nos unimos na defesa da humanidade, dos seus valores, da sua história.
Nada será igual, mas acredito que desta crise sanitária surgirão novas
metodologias, novas abordagens, graças ao conhecimento e experiência
adquiridos, contribuindo para a plena realização do ser humano num mundo renovado,
mais justo e solidário.
Termino este artigo denominado “Não Sei se Estou Aberto Amanhã”, com algumas frases do Cardeal Raniero Catalamessa, na segunda pregação do Advento, em Roma: Somos companheiros de viagem rumo à eternidade. O que nunca passa é a eternidade. Devemos redescobrir a fé… Esta é uma das grandes contribuições que as religiões podem dar juntamente com o esforço para criar um mundo melhor e mais fraterno. “Consolai, consolai o meu povo, diz o vosso Deus”… A pandemia trouxe à tona a precariedade e a transitoriedade de todas as coisas. Tudo passa, riqueza, saúde, beleza, força física… Atordoados pelo ritmo da vida, não fazemos caso de tudo isso, não nos detemos para medir as devidas consequências… Tudo o que dávamos por pressuposto revelou-se frágil, como uma fina camada de gelo sobre a qual patinamos alegremente, que inesperadamente, se rompe sob os pés e afundamos…A dureza da prova que estamos a viver, deveria ajudar-nos a não sermos sobrecarregados por ela e a sermos capazes de infundir coragem e esperança, também a quem não tem o conforto da fé.
Maria Helena Paes |
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