Gosto de provérbios. Eles condensam toda uma filosofia
de vida, um olhar sobre o mundo, um olhar sobre o homem, nas suas grandezas e
misérias. Há um, muito curioso, que reflete uma sociedade agrícola: a
vaca ruiva, assim como é, cuida. Centrada em si mesma, não lhe passa pela
cabeça que haja vacas de outras cores. Mais abrangente, saindo do mundo da
lavoura, temos outro provérbio que diz: o ladrão pensa que todos o são.
Este, significando o mesmo, é, no entanto, mais complexo. O ladrão tem
consciência que é ladrão. Sabe que o é. Pois se ele o é, o melhor é
desconfiar de todos os outros. E em todos vê um ladrão. E ninguém o convence do
contrário. De facto, é muito difícil conhecer as pessoas. Difícil? Não. Não é
difícil. É impossível. As pessoas são como frascos bem arrolhados. Vamos
lidando com elas como se fossem frascos de perfume, frascos lindíssimos, mas
quando se abrem sai o cheiro pestilento de veneno mortífero.
Outro provérbio que me dá que pensar. Não será bem um
provérbio - é mais um aforisma popular: a vingança serve-se fria.
Não me parece que seja um conselho. Nunca a sabedoria popular
aconselharia um sentimento tão desprezível. É mais uma constatação. Acho que
este provérbio será sobretudo um aviso a aconselhar prudência a quem deseje
vingar-se. É que o feitiço pode virar-se contra o feiticeiro. A vingança cega
não vê que, ao desferir as setas, elas podem fazer ricochete e virarem-se
contra o próprio que as desferiu. Ao querer enlamear o outro, julgando que o
salpicam, enche-se de lama da cabeça aos pés. O vingativo não age pelo impulso
do momento. Fica a remoer. Não lhe sai da cabeça. A vingança está sempre
associada a covardia, a crueldade, a frustração, ao vazio de uma vida. Relacionada
com a vingança, há uma frase que muitas vezes citamos em momentos de raiva,
quando somos ofendidos: olho por olho, dente por dente. Mas esta
frase não está ligada à vingança, mas sim à justiça. O castigo deve ser
proporcional ao crime. É uma das leis consignadas no primeiro código que foi
elaborado, gravado numa pedra, em escrita cuneiforme, organizado por Hamurabi,
Rei da Mesopotâmia, atual Iraque, cerca de 1772 antes de Cristo, ficando
conhecido por Código de Hamurabi. Podemos observar essa pedra no Museu do
Louvre, em Paris.
Há um provérbio oriental que não diz respeito a vingança, mas a um outro sentimento perante a ofensa: a indiferença. Se o desejo de vingança revela um espírito desprezível, a indiferença revela um espírito superior. O nosso povo diz: palavras loucas, orelhas moucas. Os povos do deserto dizem: os cães ladram, mas a caravana passa. Eu gosto particularmente deste provérbio. Amo o deserto, a sua imensidão, o alaranjado das suas areias. Tive o privilégio de o apreciar: viajei de camelo, dormi numa tenda, vi o por do sol, o céu estrelado, sem limites, o nascer do sol, ouvi o silêncio. Gosto de visualizar este provérbio: vejo a altivez do camelo, a pequenez dos cães a correrem ao lado, pouco mais alcançando que as patas. E indiferente, o viageiro segue viagem, absorto na grandeza do deserto, de olhar contemplativo, sem ver nem ouvir os cães.
Cecília Rezende |
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