Páginas

sábado, 30 de janeiro de 2021

Uma Prenda de Jesus no Sapatinho


Este ano o Natal seria diferente. Todos nós sabíamos esse facto incontestável. Pela minha mente passaram tantos Natais com mesas enormes, rodeada pela família, em diferentes contextos. Alguns já não se encontram entre nós. Também houve Natais em que por motivos profissionais passei em trabalho, em circunstâncias adversas. Contudo, devido à doença SARS.COV-2, aos muitos momentos que passei em solidão, à partida de uma grande amiga com quem passava o Natal nos últimos anos, muito gostaria de ter um Natal mais acolhedor. Mas nos dias que precederam a noite da Consoada os acontecimentos pareciam precipitar-se com familiares a ficarem em isolamento profilático. Já tínhamos decidido que este ano cada um passaria em suas casas. Mas Deus concedeu-me uma prenda imerecida. Enviou o Francisquinho com cinco anos. Foram necessárias, muitas autorizações, das diferentes entidades envolvidas. Também da nossa parte a adequação dos espaços correspondendo a todas as normas de segurança vigentes. Seríamos unicamente cinco ou seis. Preparámos tudo com alguma expetativa sem ter a certeza da sua vinda. Mas no último momento entrou em minha casa e distribuiu alegria. Como estava feliz o Francisco por passar o Natal com uma família. Tudo era novidade. A minha neta brincava com ele, fazia muita companhia, tornaram-se inseparáveis. E nós procurávamos que o Francisco tivesse um Natal diferente. Para ele era tudo novidade. Dizia: “São tão bonitos os talheres. Porque é que tenho dois pratos e tantos talheres?” O meu filho tentou explicar que um era para o peixe outro para a carne mas o Francisco não aceitou. Teve de se retirar um prato. E o bacalhau chegou à mesa. Foi servido. Provou. “Está bom, Francisco”? perguntámos. “Não, não é bom. Graças a Deus que há carne”. Não há nada como uma criança para dizer a verdade. No entanto comeu tudo rapidamente e depois para surpresa nossa referiu que estava tudo muito bom. Foi servido o prato de carne, só às crianças, o peru. “Está bom, Francisco? Alguém perguntou. “Não, não está, afirmou”. Mas depois de concluir referiu novamente que estava muito bom. Tínhamo-nos esquecido de trazer a sopa no início do jantar. O Francisco no final da refeição pegou na colher e referiu: “Agora quero a sopa”. Muito observador, este Francisquinho. Aprende rapidamente. Prova disso foi, no dia seguinte ao almoço quando foi servido o prato de peru, ter comentado que havia talheres de peixe na mesa e que não tinha sido servido o peixe!

Já tínhamos assistido à Missa de Natal na televisão transmitida em direto do Vaticano. Depois de concluído o jantar, decidimos fazer a distribuição das prendas às crianças. O Francisco sofria e tinha sofrido diferentes patologias e intervenções cirúrgicas. É uma ternura e uma força da natureza. Ficou muito feliz com as prendas recebidas, outras vieram da Instituição que o acolhe, oferecidas por diferentes entidades e pessoas. Uma delas provinha de uma criança. A família também tinha colaborado ao saber da sua vinda. No final referiu. “O Jesus deu-me tudo o que eu queria!”. Uma ternura, esta criança tão sofrida, que nos fez deixar rolar uma lágrima, que procurámos esconder. O momento era de alegria!

No Dia de Natal depois de almoço fomos à Baixa ver os presépios nas diferentes Igrejas. Só uma estava aberta: A belíssima Basílica de Nossa Senhora dos Mártires de estilo barroco e neoclássico. A sua construção teve início no ano de 1147, após a reconquista aos Mouros. Foi reconstruída após o terramoto de 1755 e inaugurada no ano 1784. Maravilhados pela sua beleza fomos visitar o seu Presépio lindíssimo. Alguém conhecedor da história desta Basílica e do seu acervo, convidou-nos para usufruir de uma maravilhosa obra de arte. O Presépio, a quem se atribui a autoria de algumas figuras de terracota, a Joaquim Machado de Castro, séc. XVIII. Uma autêntica maravilha, montado na sua maquineta original.

Depois de um café na Brasileira do Chiado e de umas fotografias à estátua de Fernando Pessoa, que fez as delícias das crianças, descemos à beira rio. O Francisco ficou maravilhado. Queria muito molhar os pés. Foi difícil contê-lo. Unicamente com a promessa que, quando o tempo melhorasse, iria dar um passeio à praia e aí ao colo de alguém, molhar os pés, já que tinha um cateter colocado devido aos diferentes tratamentos oncológicos. Conformado e já feliz observou e ficou admirado com a estátua equestre de Dom José existente no Terreiro do Paço.

Era tempo de regressar a casa para descansar. No caminho vinha a pensar nos pequenos chocolates alusivos ao Natal. Acabámos por descobrir que, quando se deitava à noite, com o peluche Panda, trazia escondido dentro os chocolates, ou não fosse criança.

Quando chegámos a casa num primeiro momento pensámos que tinha sido assaltada já que as portas da biblioteca encontravam-se abertas, os livros todos espalhados no chão, bem como o meu computador. Algumas luzes acesas e portas de armário abertas. Que susto! O meu filho veio observar, já que nós não entrámos com algum receio, tendo-nos posteriormente tranquilizado. O computador encima dos livros dentro da biblioteca, com as crianças a mexer nestes dias, deve ter resvalado e forçou a porta mal fechada. O resto era pacífico. Ficámos aliviados mas foi uma grande aventura para o Francisco. Tinha mais uma história para contar aos amigos.

No dia da partida referiu que queria permanecer mais tempo em nossa casa. Ficou com um ar mais triste. Também nós gostaríamos de o receber mais vezes em nossa casa. Criou-se um laço afetivo. Também com a família através dos meios audiovisuais. Os meus sobrinhos, onde costumamos passar o Natal, ao despedirem-se do Francisco via Whatsapp, referiram que para o ano, se possível, o Natal voltaria a ser em sua casa e o Francisco estava convidado. Deu-me um abraço carinhoso de despedida, chamando-me avó. Referi que, quando quisesse ou fosse autorizado, poderia sempre vir. Esta casa também era sua. E partiu rumo ao seu futuro. Deus permita que seja bom, que os seus problemas de saúde e familiares tenham um final feliz. Vamos rezar por essa intenção. Graças a Deus tinha corrido tudo bem, tinha constituído uma verdadeira prenda de Natal de Jesus a sua doce companhia. Fazia agora parte da nossa família alargada. Ao chegar à sua “casa”, mostrava feliz as prendas que levava e certamente iria partilhar as histórias vivenciadas. No caminho perguntava para onde iria a sua cama, se tinha asas. Desconhecia o Francisco que tinha dormido numa cama antiga, de dossel, de campanha, trazida para Portugal por um general francês, aquando das invasões francesas, que tinha sido herdada e oferecida por mim à minha neta.

Santa Maria, esperança nossa, intercedei por todas as crianças que sofrem tanto por diferentes motivos… O Papa Francisco pediu atenção e solidariedade para com os mais frágeis e um clima de cooperação, porque todos somos “irmãos”. O Francisco neste Natal foi a nossa luz de Cristo. “Fratelli Tuti”!

Maria Helena Paes





Sem comentários:

Enviar um comentário