Certo dia contei à caçula que encontrara um gato em nosso galinheiro. Surpresa, me perguntou como se chamava... Fulano, respondi. Minha esposa riu, porque sabe que não deixo bicho algum sem nome para alegrar nossa pequena. Daquele dia em diante, volta e meia a filha pergunta sobre o gato. No início temi que o animal pudesse atacar as galinhas, que já não se incomodavam com sua presença. Não é um bicho propriamente bonito e ainda se afasta quando me aproximo para renovar a ração ou fechar o galinheiro no final da tarde.
O gato não tem olhos para as galinhas. Sua luta é contra os ratos, estas criaturas que parecem sinónimo de criação de aves. Sempre de cara amarrada, não corre quando me vê. Afasta-se com andar estudado, como quem diz “não tenho medo de você” e desaparece pela vizinhança. Não sei se tem um lar, mas seu cardápio permite supor que é bichano de rua. Numa noite em que caía um senhor temporal, ele estava abrigado no galinheiro quando fui cerrá-lo. Com pena, deixei um pouco de ração e leite. Na manhã seguinte fui libertá-lo. A chuvarada passara e me senti feliz por tê-lo protegido. Qual nada! Cavara um buraco e se evadira. Batendo a poeira deve ter pensado “O que este camarada está pensando? Ficou maluco?”.
Criança, perdi um gato. Chamava-se Mimo e merecia cada letra de seu nome. Envolveu-se numa briga qualquer na boêmia dos muros, no namoro dos telhados, e morreu de tétano. Era um tempo de poucos recursos e os animais não contavam com os cuidados de hoje. Por vezes exagerados, convenhamos. O jogo do gato e dos ratos é de sítio, de tocaia, com expectativa de capoeira. Ele se posiciona no galinheiro e fica à espreita. Lembrei-me de uma lenda que escutei em Buchen, pequena cidade alemã. Prolongadamente sitiada, sua população já andava a fazer sopa de pedra quando alguém propôs uma saída inédita. Exporiam numa ameia o traseiro de um menino para que o inimigo imaginasse que estavam gordos, a despeito do sítio. Enganado, o inimigo levantou acampamento, imaginando que o esforço fora inútil, e a cidade foi salva.
Este é o jogo do sítio, mas gatos não têm a fibra de gansos. Em sua languidez felina, ele se ausenta do posto de tocaia e os ratos retornam. Aos ratos restam as táticas diversionistas, evitando o confronto, a luta aberta. Aliás, historicamente os pequenos ou são destroçados ou requisitados para aliar-se a algum grande. Como dificilmente dois grandes se enfrentam, cada um deles busca construir uma vantagem numérica com a incorporação de contingentes de pequenos, para depois usá-los como bucha de canhão. Não é à toa que admiramos um pequeno que se mostra valente, imprudente até, e se gruda no pescoço de um grandalhão, que o desafiara sem fazer ideia da encrenca em que se meteria. Mas isto é raro, coisa das Termópilas, de vietnamitas. A história é feita mesmo de muitas covardias e os fracos pagam a conta.
Estou à procura do livro “A guerra contra os fracos”, de Edwin Black, cuja essência é a denúncia de que a eugenia - criada no século XIX pelo matemático inglês Francis Galton,- teve apoiantes de peso nos Estados Unidos antes de assumida pelo nazismo. Seu alvo eram doentes mentais, epiléticos, alcoólatras, criminosos, pobres,... Na extensa lista de vítimas podemos, hoje, acrescentar os mais fracos dentre os fracos: as vítimas do aborto. A eugenia é um diabolismo.
Muitos ícones seriam varridos do Olimpo se algumas de suas opiniões fossem amplamente divulgadas. Em 1910 Churchill declarou ao primeiro ministro Asquith suas preocupações: “A inesperada e crescente ascensão acelerada das classes insanas e débeis mentais, somada à firme limitação dos contingentes prósperos, enérgicos e superiores, constitui um perigo nacional e racial que não se pode exagerar”. Em seu primeiro encontro com Stalin, Churchill declarou que a Inglaterra visava a população civil como um alvo militar, destroçando casas em todas as cidades germânicas para abatimento moral do inimigo: “Não teremos complacência e não mostraremos piedade”. Genocida de milhões, Stalin sorriu e disse que isto não seria mau.
Em 1944, quando a rendição da Alemanha era apenas questão de tempo, Churchill defendeu a utilização de armas químicas e biológicas contra civis, encomendando a preparação de bolos de antrax que seriam lançados nas pastagens do norte alemão, envenenando o gado e a população. Patrick Buchanan revela que os tais bolos foram testados no litoral da Escócia, que permaneceu contaminado até 1990. Conhecer a história tem o balsâmico poder de combater hipocrisias. O jogo do gato e dos ratos é selvagem, mas eles lutam apenas pela sobrevivência.
J. B. Teixeira |
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