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quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

O império do desejo

A autodestruição dos direitos humanos

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, criada após a Segunda Guerra Mundial, pretendia ser um baluarte face aos totalitarismos existentes, mas actualmente, o conceito de direitos humanos alterou-se substancialmente, tornando-se o poderoso instrumento de um novo totalitarismo mais suave, não condenando os opositores a trabalhos forçados, ou campos de extermínio, mas apelidando-os de reacionários, homofóbicos ou preconceituosos.  

A dignidade humana é um elevado conceito que revela o valor intrínseco do Homem como um ser superior aos outros seres. 

Na perspectiva cristã, o Homem tem dignidade porque foi criado à imagem de Deus, possuindo uma alma imortal e sendo a única criatura dotada de racionalidade e liberdade.

Na perspectiva materialista, a dignidade está a ser-lhe retirada, colocando o homem ao  nível de qualquer espécie animal, embora pensante e dotado de livre arbítrio. Admite que o corpo humano, incluindo os órgãos e processos reprodutivos, nada mais são do que a consequência de uma evolução biológica resultante do acaso, tornam-se legítimas todas as formas de sexualidade e todas as transformações da reprodução humana que a tecnologia viabiliza, originando então, novos direitos contra a natureza, relacionados com o corpo, o sexo e a família, a contracepção, o aborto, o divórcio, a pornografia, a eutanásia, a homossexualidade e o eugenismo, práticas amplamente proibidas no pós-guerra.

Estas recentes tomadas de posição, reflectem a ambição do homem, que se considera no direito de se transformar e superar-se, ser criador de si próprio e já não um ser criado por Deus. Assim chegamos ao Transhumanismo, um movimento cultural, intelectual e científico, que visa substituir a evolução natural do ser humano, transformando-o através do desenvolvimento de tecnologias amplamente disponíveis, nomeadamente a nanotecnologia, a biotecnologia, a tecnologia informática e as teorias do conhecimento (neurociências).

Com estes elementos, preveem aumentar as capacidades intelectuais, físicas e psicológicas humanas, eliminar a doença, potenciar o prazer, travar o envelhecimento e até dar morte à morte.

A corrente transumanista, herdeira do iluminismo, do positivismo e do evolucionismo, pretende “fabricar” seres humanos mais aperfeiçoados, criando uma nova realidade, portadora duma inteligência artificial brilhante, robôs omniscientes e máquinas todo-poderosas que ultrapassem a condição humana, porém, este plano não se reduz a um hipotético benefício de saúde para a humanidade, mas tem como fim investigar e fazer experiências com seres vivos, incluindo seres humanos, sem qualquer limite ético.  

Grégor Puppinck no seu livro “Meu Desejo é a Lei, analisa o contraste entre o conceito de Direitos Humanos, em 1948, fiel defensor da biologia humana, e as ideologias recentes que adicionam novos direitos, como o direito ao aborto o qual implica a negação do direito à vida, o direito à criança, negando o direito da criança de ter pai e mãe, etc., violando, colidindo e tentando ignorar a realidade biológica.

Se os Direitos Humanos de 1948 respeitaram a biologia, esta nova corrente ideológica apela à sua violação e superação: vidas destruídas após seu início (aborto) ou antes de seu termo natural (eutanásia); crianças com duas mães ou dois pais (uma ficção, porque elas realmente vêm de pai e mãe, e estão condenadas à ausência de um deles); mudanças de sexo; (também fictícias, pois cada célula permanecerá selada com os cromossomos XX ou XY).

Nesta perspectiva, o critério da justiça é completamente relativista, não respeitando a lei, recorrendo a um novo processo dialéctico e impondo a solução que considera mais avançada de acordo com os desejos individuais ou dos poderes que representam.

Não podemos esquecer que subjacentes a estas ideologias se encontram grandes centros do poder económico, fundações, empresas digitais, Facebook, Google, etc., aliadas a uma política radical, investindo grandes somas de dinheiro na sua promoção e implementação. Expoente máximo de um mundo sem Deus, laicizado e desumanizado, onde paulatinamente se foram derrubando todos os ancestrais conceitos da tradição antropológica, esta estratégia de criação do homem pelo homem, poderá ser uma queda livre no impacto da ciência na história da humanidade. O Transhumanismo é considerado por alguns críticos, como o movimento que tem as ideias mais perigosas do mundo, as aspirações mais arrojadas, imaginativas e clivantes para a humanidade.

O conceito de antropologia e evolução natural, são suplantados por uma “miragem” ideológica de poder criar novos seres, numa ousada atitude prometeica ou num simbólico retorno ao paraíso perdido, onde impera o desejo individual infinito, sob forma de um novo totalitarismo: o desejo tornado lei ou o império do desejo. 

Maria Susana Mexia

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