Ilustração alusiva aos fornos crematórios de Auschwitz, na Exposição “Auschwitz – No hace mucho. No muy lejos”, em Madrid (2018-2019); foto © Nair Alexandra
O campo da morte de Auschwitz foi libertado há 75 anos. Alguns sobreviventes do Holocausto ainda nos puderam narrar o que lá sofreram, antes de serem libertados pelos militares soviéticos, em 27 de janeiro de 1945. Tratou-se de um indiscritível inferno, um lugar onde toda a esperança morria ao nele se entrar. Onde cada uma das vítimas foi reduzida a um número, tatuado no braço. Dizia-se então, quando se entrava através de um portão com a frase “o trabalho liberta”, que de lá só se podia sair através do fumo de uma chaminé. Testemunhos arrepiantes e imagens sinistras, que nas últimas semanas nos confrontaram de novo com o horror que lá se vivia, colocando a maldade humana abaixo do comportamento dos animais selvagens. Planeada, racional, metódica, executada pelos seguidores de Adolf Hitler faz-nos perceber até onde o “lobo” homem pode descer, quando se torna um fanático, um racista, um xenófobo, um embriagado pelo poder absoluto.
Dos tempos da cristandade europeia, já conhecíamos as imagens terríficas, colocadas nas portas da entrada das belas catedrais góticas. Como sabemos, trata-se de figuras horríveis cuja finalidade pedagógica e catequética era mostrar macabras imagens demoníacas, a lançarem os condenados nas chamas infernais, após terem sido julgados no Juízo Final. Pretendia-se assim mostrar aos fiéis que alguns comportamentos humanos eram merecedores de eternos e dolorosos castigos, dentro de fornalhas ardentes, que jamais se apagariam.
Porém, nos campos de extermínio (Auschwitz-Birkenau ou outros), as pessoas eram condenadas e assassinadas, apenas por terem nascido numa família judaica ou cigana. Ou por serem homossexuais ou adversários políticos, sobretudo comunistas, deficientes físicos ou psíquicos. Podiam ser condenados ainda, por serem religiosas ou pessoas “associais” ou ainda prisioneiros de guerra, soviéticos.
A arbitrariedade era tal que qualquer pessoa, pertencente a qualquer destas categorias sociais, podia ser denunciada e enviada, metida dentro de comboios nauseabundos, para um dos muitos campos de concentração, onde milhões de pessoas eram gazeadas para posteriormente, serem queimadas nos fornos.
As montanhas de objetos pessoais das vítimas ainda hoje se podem ver em Auschwitz, na Polónia, onde se encontram expostas algumas das latas do gaz mortífero – zyklon B – utilizado para assassinar os condenados.
Os números que já foram apurados referem-se a judeus que viviam nos países conquistados pelas tropas nazis. Dos 2.600.000 judeus deportados, terão morrido no Holocausto quase 90%. Um verdadeiro genocídio, supostamente ignorado pelas pessoas que viviam junto aos campos de concentração e que outros países disseram desconhecer.
A perseguição aos judeus iniciou-se logo em 1938, com a subida de Hitler ao poder. Começou por proibi-los de exercer certas profissões. Posteriormente, mandou expropriá-los dos seus bens. Mais tarde, foram encerrados em guetos. Finalmente, na segunda metade de 1941, os judeus foram enviados em comboios para os campos de concentração, onde a maior parte encontrou a morte.
Quando os judeus começaram a ser perseguidos, nos países sob controlo alemão, muitos optaram por sair, procurando um lugar que lhes proporcionasse alguma tranquilidade e segurança. Foi o que aconteceu com os judeus que procuraram refúgio em Portugal, um país neutral na II Guerra Mundial para, a partir daqui, emigrarem para outros países, sobretudo para os Estados Undos da América e para a América Latina.
Com Salazar no poder, os vistos concedidos aos judeus que optaram por vir para Portugal, segundo as ordens determinantes do ditador, tornaram-se cada vez mais difíceis de conceder. Perante tal limitação, o nosso cônsul em Bordéus (França), Aristides de Sousa Mendes, decidiu não acatar as orientações de Salazar, começando a passar vistos a milhares de judeus fugitivos que os solicitavam, sobretudo a partir da invasão de França, pelas tropas alemãs, em 1940. Segundo a Comunidade Israelita de Lisboa, Aristides, entre junho de 1940 e maio de 1941, possibilitou a entrada de cerca de 42.000 refugiados judeus em Portugal.
Só que esta desobediência acabaria por ficar muito cara ao cônsul. Perseguido e com vários filhos, viu-se forçado a uma aposentação não remunerada. Impossibilitado de trabalhar, ficou arruinado, morrendo em 1954. Mais tarde, com a democracia, seria reabilitado. Com os olhos nestes acontecimentos de há 75 anos, torna-se hoje urgente mantermos viva a memória, para que jamais se torne possível esta realidade infernal regressar à terra. Fiquemos alerta, porque os nazis já estão por aí.
Florentino Beirão é professor do ensino secundário. Contacto: florentinobeirao@hotmail.com
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