Sobretudo a partir dos anos setenta
do século passado, foi-se generalizando em vários países, cada vez mais, a livre
difusão da pornografia. Generalizou-se também a ideia de que essa era uma
consequência da liberdade e abertura das sociedades modernas, que diz respeito
a opções puramente individuais desprovidas de danosidade social. Invocou-se, a
propósito, o famoso princípio liberal formulado por Stuart Mill: «sobre si próprio, sobre o seu corpo e sobre
a sua mente, o indivíduo é soberano». O Supremo Tribunal norte-americano
afirmou que a pornografia estava coberta pela liberdade de expressão (free speech) constitucionalmente garantida
Os países escandinavos foram pioneiros nesta tendência, invocando estudos que
revelavam a dissociação entre o consumo de pornografia e a criminalidade
sexual. A exposição de motivos do diploma que em Portugal pela primeira vez
legalizou a venda de material pornográfico (com limitações que nunca chegaram a
ser observadas), o Decreto-Lei n,º 254/76, chega a afirmar que o consumo de
pornografia é defendido por «psicólogos, sociólogos e pedagogos» e desempenha
«uma função desmistificadora e desintoxicante».
A experiência acumulada nos anos que
desde então se passaram obriga a um repensamento dessa visão idílica, e não só
no plano ético, também nos da saúde pública e da política criminal.
Sobre esta questão se debruça, entre
outros, John D. Foubert, psicólogo e sociólogo que desde 1993 estuda a
prevenção da violência sexual, cristão evangélico, no livro How Pornography Harms (Liferich
Publishing, 2017).
A internet e os smartphones tornaram
a pornografia cada vez mais acessível a pessoas de todas as idades. Os seus conteúdos
também foram ultrapassando quaisquer limites de perversidade, passando a
incluir a violência.
Sabe-se hoje, cada vez com mais precisão, como a pornografia pode criar
forte dependência, provocando no cérebro efeitos semelhantes aos de qualquer
droga. Como em relação a estas, gera a tolerância,
com a necessidade de doses cada vez mais fortes (neste caso, cada vez mais
perversas) para obter alguma saciedade. Nesta perspetiva, a liberdade
individual, tão invocada hoje em dia, é atingida na sua raiz (autodestrói-se),
substituída pela dependência, como se verifica com a droga.
A pornografia prejudica os relacionamentos sexuais pessoais,
sacrificados à busca de prazer individualista e anónimo.
Dezenas de estudos revelam, ao contrário do que também já se sustentou,
a ligação entre o consumo de pornografia e a violência sexual. Tal não
significa que qualquer consumidor de pornografia se torne um agressor sexual em
potência. Mas para quem tenha propensão para a violência, a pornografia
(sobretudo se ela própria for de conteúdo violento, como também sucede)
facilita e estimula a agressão sexual.
Na base dessa conclusão está um raciocínio lógico. A pornografia, por
definição, reduz a pessoa (e o corpo é uma dimensão estrutural da pessoa) a um
objeto de prazer individual. A pornografia coisifica
a pessoa. É, por isso, lógico e expectável que facilite e estimule
comportamentos que de modo análogo coisificam
a pessoa. Esses comportamentos podem assumir várias formas, as mais
extremas das quais são, precisamente, as da violência sexual.
A pornografia não é, pois, desprovida de danosidade social: provoca
danos ao indivíduo que a consome, mas também à sociedade em geral.
Pedro Vaz Patto
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