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segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Auschwitz, aqui tão perto

Ilustração alusiva aos fornos crematórios de Auschwitz; foto Nair Alexandra
Alberto Errera, judeu sefardita (de origem portuguesa ou espanhola), oficial do Exército nascido em 1913 na cidade grega de Lárisa, ingressou na resistência à ocupação da Grécia pelo III Reich em 1941. Capturado em 1944, foi enviado para Auschwitz em Abril – com enorme risco pessoal, fotografou o crematório nº 5. Ainda fugiu a 9 de Agosto, mas foi apanhado pelas SS, torturado e morto, o seu corpo mutilado exibido à entrada do campo de concentração como um sinal claro para os outros prisioneiros. Errera foi um, entre um milhão de pessoas assassinadas, durante os cinco anos em que aquela fábrica de extermínio funcionou.
Esta história leva-nos a esse nome: Auschwitz.  Não apenas ao sinónimo de horror, ao “ponto no mapa”, à cidade que teve a sua história, mas ao de uma exposição, extraordinária, concebida pela Musealia (empresa privada dedicada à criação de exposições) e pelo Museu Estatal de Auschwitz-Birkenau. Esta exposição itinerante “transporta” o lugar, pela primeira vez, quase 75 anos após a libertação do campo pelo Exército Vermelho [concretizada a 27 de janeiro de 1945]. Madrid é o ponto de partida da exposição que irá percorrer 14 cidades – sete na Europa e sete na América do Norte. Até 3 de fevereiro o público português pode visitá-la na capital do país vizinho, no Centro de Exposições Arte Canal.
O subtítulo da exposição, em castelhano (traduzido também em inglês, devido ao carácter internacional do projecto) é um aviso inteligente: “No hace mucho. No muy lejos” (“Não há muito tempo. Não tão longe”). Esta chamada de atenção para a proximidade daquele que será um dos cenários principais do Holocausto é muito importante num período em que, da Hungria ou da Áustria aos Estados Unidos e ao Brasil se erguem novos sinais de populismo, xenofobia e racismo, medo e ressentimento. Um período de crise económica, social e política, em que os valores sobre os quais se alicerçaram as sociedades democráticas do pós-Guerra estremecem como desde 1945 o mundo não havia assistido.
Quem ainda não foi à cidade polaca de Oswieçim, não atravessou o portão com a célebre frase da ignomínia, “Arbeit Macht Frei” (“O Trabalho Liberta”) nem sentiu o cheiro a cinza e a morte por todo o lado, tem aqui uma ocasião única para conhecer um pouco do lugar: a exposição reúne mais de 600 objectos mostrados pela primeira vez ao público naquela que é a primeira exposição itinerante sobre o campo. Mais de uma dezena de instituições e entidades privadas colaboraram com este projecto, destacando-se o Yad Vashem/Centro de Estudos para a Memória ou o Holocaust Memorial Museum dos Estados Unidos e a Wiener Library. Os percursos de quem sobreviveu, morreu e conviveu com Auschwitz, das vítimas e dos verdugos, contam-se também em 400 imagens e cem histórias.
Um dos 120 mil vagões construídos entre 1910 e 1927. A Deutsche Reischbahn (rede ferroviária alemã) usava-os para transporte de alimentos, gado e outros artigos. Durante a II Guerra Mundial foram usados também para transportar soldados e prisioneiros de guerra, bem como judeus e ciganos dos respectivos guetos aos campos de concentração e extermínio da Europa sob ocupação nazi. Nas deportações para Auschwitz chegou-se a transportar 80 pessoas em cada vagão de 20 metros quadrados. Regressavam sem pessoas, mas carregados de valores e objectos pertencentes aos presos; foto Nair Alexandra
As histórias e a História narram-se em muitas fotos, cartas, desenhos feitos pelos prisioneiros, cartazes de propaganda, peças de filme (os gigantescos comícios de Nuremberga), arame farpado, sapatos, muitos sapatos. De homens, de mulheres, de crianças. No vagão de mercadorias à entrada do Arte Canal: rude, sinistro, assustadoramente pequeno. E rodas de carruagens, tal como os sapatos, símbolos fortes do Holocausto/Shoá/Porajmos/Zaglada, sinónimos de extermínio de judeus, povos do Leste europeu, romaou ciganos, comunistas, sindicalistas e outros opositores políticos, católicos ou testemunhas de Jeová, todos os “anti-sociais” que não coubessem no estreito corredor dos eleitos pela política nazi.
E uma das grandes vantagens desta exposição consiste em mostrar, como poucas, os rostos daqueles que nos habituamos a ver de cabeça rapada e uniforme às riscas. Ele também lá está, mas cruza-se com as cartas lançadas dos comboios, para os familiares dos deportados, os objectos pessoais, as vidas de quem passava uma tarde na praia, recordações de casamentos e outras cerimónias. Postais e roupas. E móveis de madeira a servirem de cama e instrumentos para as tristemente célebres experiências médicas. Um resumo de um dos maiores crimes contra a Humanidade. Sucedido numa cidade polaca cuja história aqui também é explicada. E que, como avisa o sobrevivente e grande escritor italiano Primo Levi: “Aconteceu. Em consequência pode voltar a acontecer.”
Postes de cimento e arame farpado nas salas de entrada da exposição; foto Nair Alexandra

Auschwitz – No hace mucho. No muy lejos (Não há muito tempo. Não muito longe.)
Local: Centro de Exposiciones Arte Canal, Paseo de la Castellana, 214, Madrid. Espanha.
Horários: De segunda-feira a domingo, incluindo feriados, das 10h às 21h30m (último acesso à bilheteira: 20h); até 3 de Fevereiro.
Bilhetes: Diversos tipos de bilhete (compra no local ou no sítio da expoisição na Internet: www.auschwitz.net)
Serviços: Loja; audioguias (inglês e castelhano); vestiário; cadeiras de rodas.
Comissários: Robert Jan van Pelt (comissário-chefe); Michael Berenbaum; Paul Salmons.
Realização: Musealia; Museu Estatal de Auschwitz-Birkenau.
(foto da página principal: Pawel Sawicki © Auschwitz-Birkenau State Museum – Musealia)




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