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domingo, 20 de janeiro de 2019

Projetar a Continuidade e o Amor Entre Gerações

Há alguns dias atrás, ao abrir uma vitrina, deparei-me com uns lindíssimos pratos decorativos Limoges em miniatura, em tom amarelo claro, todo pintado com flores em tons suaves. Tinham sido oferecidos por uma prima, na sequência de uma das suas inúmeras viagens a França. Senti imensas saudades do casal, sempre muito querido. Esta prima há muitos anos atrás tinha por hábito referir, reconheço agora, o amor pelos filhos: “Os filhos serão nossos para sempre. O marido é, enquanto o for”. Não que fosse infeliz no casamento. De todo. Não conheci casal mais unido, que permaneceu fiel até ao final. Referia-se aos filhos, que lhe causaram alguns constrangimentos, por optarem, viver no estrangeiro, impedindo-a de gozar em plenitude a companhia dos netos. Vi-a a partir várias vezes ao ano, de carro, numa longa viagem. Eram outros tempos. Possuía um coração enorme, saudoso dos seus entes queridos. Criticavam-na amistosamente por empreenderem tão grandes viagens com uma idade já um pouco avançada, de carro. A sua resposta foi a que mencionei. Acrescentava ainda: “Para semear é preciso colher. Quero muito estar com os meus netos nos quais nos projetamos. São a nossa continuidade. Reveste-se da maior importância estas vivências não só para o seu futuro mas também para o nosso bem-estar. Sentirmo-nos amados, desejados, recebendo muito afeto. Vale a pena todos os sacrifícios para usufruir da sua companhia”. Graças a estas viagens, continuaram as ligações familiares a Portugal, que, se Deus quiser, se projetarão no futuro.

Espero que a minha neta compreenda a importância que tem para a avó usufruir da sua doce e meiga companhia, do seu afeto e carinho. Importa transmitir as histórias da família, as nossas vivências e valores. Como te ris docemente ao ver as fotos antigas, ao querer vestir os meus fatos, calçar os meus sapatos de salto alto. Recordo com doçura que uma vez que fomos a Fátima, na companhia dos tios e dos pais como aprendeu, ainda não tinhas dois anos, a ajoelhar-se diante de Nossa Senhora e a querer rezar uma Ave-maria. Todos ficámos encantados com a sua atitude. Com ela torno-me criança outra vez. Brincamos, vamos ao cinema, passeamos, degustamos os pratos de que mais gosta mesmo que não sejam os meus favoritos. Mas fico feliz por ver um enorme sorriso de satisfação no seu rosto. Procuro ir de encontro à sua vontade, ainda que às vezes tenha de dizer não, quando sinto que se encontra a testar os meus limites, tornando-se necessário impor-me, no sentido de lhe dar a conhecer as regras, ainda que chore com pena por dentro. Depois reconsidera, pede desculpa e segue-se aquele beijo e abraço de perdão, de muito carinho e de cumplicidade, entre avó e neta. Tinha pouco mais de um ano quando uma tia lhe ofereceu uma prenda. Ao abrir viu que era um vestido, bem bonito por sinal. Colocou de lado. Disse com frontalidade, como só uma criança pode dizer: “penda, é pa brincar”. Essa sua frase ficou registada até aos dias de hoje.

Hoje decidi ir ao cinema com a minha neta que esteve doente. Escolheu um filme que tinha uma música, de que gostava muito, e que cantarolou para me tentar convencer. Pensei interiormente que era bom ser um filme musical. Comprámos os bilhetes e, como não podia deixar de ser, um menu infantil com pipocas, sumo e chocolate. O filme era sobre o circo. Pensei que era para crianças, ainda assim, resolvi confirmar se era adequado, antes de entrarmos. Enfim, todo o cuidado é pouco. Serviu de lição. O filme era para maiores de 16 anos. Arrepiámos caminho. A minha neta não quis ver outro filme. Não queria desenhos animados. Isso era para crianças! Ela já tinha 7 anos. Enfim, subimos para a cafetaria, no sentido de tomarmos uma bebida e decidir o que fazer. O funcionário, já antigo, olhou para a minha neta e disse-lhe docemente: “Como estás crescida, uma senhora. Eras um bebé quando começaste a vir aqui. O tempo passa!” Ficou vaidosa. Passou a tristeza. Combinámos, que o melhor seria mesmo vermos um filme em casa. Com o dinheiro do cinema, comprámos uma prenda útil, umas luvas castanhas, de que tinha gostado e que fez as suas delícias, a protegeu do frio do inverno que se fazia sentir. São sempre animados estes passeios com a minha neta.

Como São João Paulo II dizia: “A família é a base da sociedade e o lugar onde as pessoas aprendem pela primeira vez, os valores que as guiarão durante toda a sua vida”. Que Santa Maria, Rainha da Família, proteja e interceda pelas famílias, principalmente pelas que mais necessitam, projetando a continuidade, o amor e a solidariedade entre gerações.

Maria Helena Paes



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