O
mundo foi surpreendido mais pela extensão do ataque terrorista em Paris,
assumido pelo Estado Islâmico, do que pelo evento em si. Mais uma vez pessoas
inocentes perderam a vida e a comoção tomou conta do noticiário mundial. O medo
assomou e a cidade luz paralisou, trazendo prejuízo incalculável à vida dos
franceses e ao turismo. Foi algo, naturalmente, da maior gravidade e que sugere
que a vida dos europeus pode se transformar num inferno. Afinal, desaparecem todos
os limites quando militantes de um grupo se dispõem aos ataques suicidas. O
instinto de sobrevivência é subvertido e nisto certamente existe algo de
demoníaco.
O
grande vilão é o Estado Islâmico, cuja barbárie, muito além da democracia,
coloca os valores da civilização e mesmo a humanidade em risco. O mundo abriu a
caixa de Pandora, cuja tampa não voltará a se fechar antes que a verdade, o
perdão e outros tantos valores mais altos se alevantem. Há uma foto
inesquecível de Paris que mostra o povo chorando nas ruas ao assistir o desfile
das tropas de ocupação alemãs, na segunda guerra mundial. De certa forma a
comoção atual é similar, porquanto foi a liberdade o valor mais duramente
golpeado.
Ouve-se
aqui e ali que as grandes potências estão empenhadas na preparação de uma nova
ordem mundial, com a redefinição de papéis e de fronteiras. Com a sensação frustrante
de que desconhecemos a manipulação dos cordéis no mundo, cumpre indagar quem
armou o Estado Islâmico, quem o apoiou contra o regime de Bashar al-Assad? A
Síria vive momentos dramáticos e tem contra si os Estados Unidos e países da
região, como Turquia e Arábia Saudita, que apoiam as milícias contrárias a
Assad. Ameaçado pela barbárie, antevendo o que lhe espera, o povo sírio bem que
poderia cantar a plenos pulmões:
“A vós, ah! que ultraje! / Que comoção deve suscitar!
É a nós que
consideram retornar à antiga escravidão!
O quê! Tais
multidões estrangeiras / Fariam a lei em nossos lares!”
Por
que a Síria teria cativado tanta oposição dos Estados Unidos? É uma pergunta
complexa, mas uma das razões seria o apoio sírio ao grupo xiita Hezbollah. Na
primeira vez que visitei Jerusalém conversei bastante com um dos porteiros da
hospedaria, pessoa já avançada em anos e que talvez já se tenha ido. Tentando
resumir o que se passava em Israel, protestava contra a política externa
norte-americana, que reputava suja. Para manterem sua bota fincada no Oriente
Médio, apoiariam Israel contra os interesses palestinos, dando a Israel,
digamos assim, um salvo conduto incondicional. A questão palestina segue
aguardando uma solução e, segundo alguns, o sionismo gerou problemas com os
quais se debate ainda hoje o mundo. Cumpre lembrar que em 1975 o Brasil foi um
dos 72 países que aprovaram a Resolução 3379 da ONU que condenou o sionismo
como uma forma de racismo e discriminação
racial. A resolução 46/86, de 1991, revogou a anterior, revogação esta que
também contou com o voto brasileiro.
Pelo
sim, pelo não, os norte-americanos têm as suas digitais no desastre iraquiano,
deixaram crateras e ruínas no Afeganistão, assim como a França lançou toneladas
de bombas na Líbia e agora capricha na pontaria na Síria. Não se trata de
demonizar os Estados Unidos e muito menos de atenuar a monstruosidade do Estado
Islâmico, mas a paz nasce onde reina a verdade e o entendimento só se dá quando
os mortos têm o mesmo valor. É preciso que lastimemos com a mesma compunção a
morte de um sírio, de um palestino, de um israelense ou de um francês. E que a
globalização não signifique apenas a expansão de mercados para os produtos dos
países ricos e o assalto às suas reservas naturais. Para que os povos agredidos
não cantem:
“O quê!
Essas falanges mercenárias / Arrasariam os nossos nobres guerreiros
Grande Deus! Por mãos acorrentadas / Nossas frontes sob o jugo se
curvariam
E déspotas vis tornar-se-iam / Os mestres dos nossos destinos!”
Pois
bem, os versos transcritos pertencem ao hino francês. São versos que poderiam
ser, sem que isto representasse um absurdo, cantados por outros povos ameaçados
por tiranias. A letra se encaixa e se mantem atual num mundo com saudade do colonialismo.
Mostra que os anseios humanos são parecidos e que a luta contra a tirania é
luta de toda a humanidade.
J. B. Teixeira |
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