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domingo, 7 de abril de 2019

A verdade faz falta

O mundo foi surpreendido mais pela extensão do ataque terrorista em Paris, assumido pelo Estado Islâmico, do que pelo evento em si. Mais uma vez pessoas inocentes perderam a vida e a comoção tomou conta do noticiário mundial. O medo assomou e a cidade luz paralisou, trazendo prejuízo incalculável à vida dos franceses e ao turismo. Foi algo, naturalmente, da maior gravidade e que sugere que a vida dos europeus pode se transformar num inferno. Afinal, desaparecem todos os limites quando militantes de um grupo se dispõem aos ataques suicidas. O instinto de sobrevivência é subvertido e nisto certamente existe algo de demoníaco.

O grande vilão é o Estado Islâmico, cuja barbárie, muito além da democracia, coloca os valores da civilização e mesmo a humanidade em risco. O mundo abriu a caixa de Pandora, cuja tampa não voltará a se fechar antes que a verdade, o perdão e outros tantos valores mais altos se alevantem. Há uma foto inesquecível de Paris que mostra o povo chorando nas ruas ao assistir o desfile das tropas de ocupação alemãs, na segunda guerra mundial. De certa forma a comoção atual é similar, porquanto foi a liberdade o valor mais duramente golpeado.

Ouve-se aqui e ali que as grandes potências estão empenhadas na preparação de uma nova ordem mundial, com a redefinição de papéis e de fronteiras. Com a sensação frustrante de que desconhecemos a manipulação dos cordéis no mundo, cumpre indagar quem armou o Estado Islâmico, quem o apoiou contra o regime de Bashar al-Assad? A Síria vive momentos dramáticos e tem contra si os Estados Unidos e países da região, como Turquia e Arábia Saudita, que apoiam as milícias contrárias a Assad. Ameaçado pela barbárie, antevendo o que lhe espera, o povo sírio bem que poderia cantar a plenos pulmões:

                         “A vós, ah! que ultraje! / Que comoção deve suscitar!
                         É a nós que consideram retornar à antiga escravidão!
                        O quê! Tais multidões estrangeiras / Fariam a lei em nossos lares!

Por que a Síria teria cativado tanta oposição dos Estados Unidos? É uma pergunta complexa, mas uma das razões seria o apoio sírio ao grupo xiita Hezbollah. Na primeira vez que visitei Jerusalém conversei bastante com um dos porteiros da hospedaria, pessoa já avançada em anos e que talvez já se tenha ido. Tentando resumir o que se passava em Israel, protestava contra a política externa norte-americana, que reputava suja. Para manterem sua bota fincada no Oriente Médio, apoiariam Israel contra os interesses palestinos, dando a Israel, digamos assim, um salvo conduto incondicional. A questão palestina segue aguardando uma solução e, segundo alguns, o sionismo gerou problemas com os quais se debate ainda hoje o mundo. Cumpre lembrar que em 1975 o Brasil foi um dos 72 países que aprovaram a Resolução 3379 da ONU que condenou o sionismo como uma forma de racismo e discriminação racial. A resolução 46/86, de 1991, revogou a anterior, revogação esta que também contou com o voto brasileiro.

Pelo sim, pelo não, os norte-americanos têm as suas digitais no desastre iraquiano, deixaram crateras e ruínas no Afeganistão, assim como a França lançou toneladas de bombas na Líbia e agora capricha na pontaria na Síria. Não se trata de demonizar os Estados Unidos e muito menos de atenuar a monstruosidade do Estado Islâmico, mas a paz nasce onde reina a verdade e o entendimento só se dá quando os mortos têm o mesmo valor. É preciso que lastimemos com a mesma compunção a morte de um sírio, de um palestino, de um israelense ou de um francês. E que a globalização não signifique apenas a expansão de mercados para os produtos dos países ricos e o assalto às suas reservas naturais. Para que os povos agredidos não cantem:

 “O quê! Essas falanges mercenárias / Arrasariam os nossos nobres guerreiros
 Grande Deus! Por mãos acorrentadas / Nossas frontes sob o jugo se curvariam
 E déspotas vis tornar-se-iam / Os mestres dos nossos destinos!

Pois bem, os versos transcritos pertencem ao hino francês. São versos que poderiam ser, sem que isto representasse um absurdo, cantados por outros povos ameaçados por tiranias. A letra se encaixa e se mantem atual num mundo com saudade do colonialismo. Mostra que os anseios humanos são parecidos e que a luta contra a tirania é luta de toda a humanidade.

J. B. Teixeira



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