Me puxou de lado
e quase sussurrou para que os demais não ouvissem. Sugeriu que vivemos sob a
lente de extraterrestres, o que explicaria certas coisas estranhas de nosso
tempo. Também se disse convicto de que o tempo está correndo com maior velocidade.
Creio que fiz aquela cara de esquilo atilado, em seu natural nervosismo. Devo
ter tossido, meneado a cabeça, remexido os bolsos e coçado a barba, mas não
pude mentir, nem esboçar qualquer evasiva.
Respondi que tais
suspeitas não têm embasamento científico e que não precisamos de inimigos
intergalácticos porquanto nos matamos sem o concurso de seres esverdeados ou
baixinhos com orelhas pontudas e um olho na testa. Por falar em olho na testa,
você já ouviu falar de Lobsang Rampa, um codinome de um tal que teria a
terceira visão e assina livros que versam que a terra é oca? Nunca ouviu? Sorte
sua. Isentou-se desta bobageira. Quanto ao tempo, só se percebe seu escoamento
mais vagaroso se não estamos ocupados com mil e uma atividades. Um cachorro e
suas quatorze horas de sono diárias vê o tempo passando como víamos há quarenta
anos: voa quando temos pressa e se arrasta quando gostaríamos que voasse.
Há os que se
ocupam em imaginar extraterrestres quando pensam nas pirâmides do Egito. São
coisas de fato prodigiosas, mas não dispor da explicação não nos permite apelar
para vizinhos do Universo que talvez sequer existam. Ao propor intervenções
além-Terra para as edificações egípcias, quem o faz esquece que as mesmas foram
levadas a cabo em décadas. Não tinham pressa, porque construíam para a
eternidade. Há templos ao longo do Nilo que foram construídos em mais de cem
anos, contrapondo-se à pressa contemporânea. Não deixa de ser curioso que em
uma época que denominamos atrasada houvesse tanta devoção e que em nosso tempo
se ergam arranha-céus sem maior propósito além de lucrar. Foi-se o tempo em que
o ponto mais alto de uma cidade era a extremidade da torre da igreja.
Também as linhas
de Nazca são volta e meia citadas como algo misterioso, cuja explicação não
pode ser humana. Mas é. Estudos arqueológicos apontam que os desenhos tinham
objetivo religioso, com símbolos como fertilidade, água, vida, rituais de
sacrifício e morte. As linhas no deserto peruano, portanto, não autorizam
hipóteses destinadas a ocupar crédulos e incultos.
Como é difícil - não
é mesmo?- olhar para o céu com a clareza dos polos e admitir que em todo o
infinito talvez só exista vida inteligente na Terra. Ou, para efeitos práticos,
se algo mais existe, está tão longe, no longe que não se verá, mas tão longe, que
é como se não existisse. Em outras palavras, pode até existir um gato preto
neste quarto escuro, mas não divisaremos seus olhos, não esbarraremos nele, nem
escutaremos seu miado. E não fará diferença se existir.
São perguntas sem
respostas, que me fazem lembrar da indagação de Santo Agostinho sobre o
mistério da Santíssima Trindade. Andando pela praia Agostinho encontra um
menino, com seu baldinho de madeira, a despejar a água do mar em um buraco na
areia. Coloco neste buraco toda a água do mar, disse-lhe o menino. Impossível,
retrucou o santo. Manifestou-se então o anjo de Deus: “Em verdade, te digo: é mais fácil colocar toda a água do oceano neste
pequeno buraco na areia do que a inteligência humana compreender os mistérios de
Deus!”.
Enquanto a humanidade busca amparo em mistificações, cada qual
a ocupar-se apenas consigo mesmo, a iludir-se de que podemos ser felizes sem os
outros, sem a comunidade, a verdade é desprezada ou procurada onde não se pode
encontrá-la. Nossos males decorrem de nossas faltas, não de intervenções
bizarras. A encíclica Laudato Si ilumina o tema.
Francisco I ensina que “a
existência humana se baseia sobre três relações fundamentais intimamente
ligadas: as relações com Deus, com o próximo e com a terra. Segundo a Bíblia,
estas três relações vitais romperam-se não só exteriormente, mas também dentro
de nós. Esta ruptura é o pecado. A harmonia entre o Criador, a humanidade e
toda a criação foi destruída por termos pretendido ocupar o lugar de Deus,
recusando reconhecer-nos como criaturas limitadas. Este facto distorceu também
a natureza do mandato de «dominar» a terra (cf. Gn 1, 28) e de a «cultivar e guardar» (cf. Gn 2, 15). Como resultado, a relação
originariamente harmoniosa entre o ser humano e a natureza transformou-se num
conflito (cf. Gn 3, 17-19)”. O
que acrescentar?
J. B. Teixeira |
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