Páginas

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Não Sejas Miser (Forreta)

O tempo a decorrer pode mudar tudo. Quase tudo nos influencia, ou seja, o modo como nós pensamos, o modo como agimos. Tem a ver com o nosso crescimento pessoal, com os contributos do meio social onde nos movemos, com aquilo em que acreditamos, com as nossas vivências pessoais, com a nossa cultura, a aprendizagem feita ao longo da nossa história de vida. O título deste artigo prende-se com uma frase, que uma amiga já com uma idade avançada, referia recorrentemente. Por sua vez, esta frase, não sejas miser, era proferida por uma amiga sua de origem austríaca, que veio viver para Portugal aquando da segunda guerra mundial, em virtude de ser judia, fugindo assim da perseguição e dos horrores sobejamente conhecidos desta guerra. Era de um nível cultural elevado. Tinha exercido as funções de diretora de um museu. Em Portugal, viria a viver com muita sobriedade, direi mesmo dificuldades e perseguição. Casou entretanto com um português com formação superior e a vida em Portugal não foi fácil para ambos. O casal, apesar de todas as dificuldades e constrangimentos vivenciados, lutava cada dia, vivendo com muita sobriedade para levar a vida em frente. O que importa mesmo, é que deixaram um legado cultural que não vou referir, mas que se reveste de importância. Deixaram rasto! Tornou-se uma grande amiga, face ao seu casamento, com esta minha amiga quase centenária. Apesar de tudo, costumava dizer à minha amiga, não sejas miser (forreta). Aconselhava-a a viver com sobriedade, mas a nunca ser forreta. Esta frase vale o que vale, já que não conheço em profundidade as circunstâncias em que foram proferidas. Mas de tanto a minha amiga a referir, ficou-me bem presente na memória. E eis que este ano, pensei nesta frase, isto porque tive a oportunidade de presenciar uma situação de “mesquinhez”, numa pessoa com grande poder de compra, justificando esta sua atitude, ser contra o materialismo, até mesmo para com as crianças, ou seja, nada de lembranças para ninguém. Há que poupar! A sua frieza, rigidez, falta de amor, sensibilizou-me pela negativa. Interiormente, pensei: Nada possuo, nada sou, mas não gostaria de todo, de ser conhecida como “forreta”. Viver o desprendimento, não é assim. Sempre aprendi que primeiro estão os outros e nós, em último lugar.

Foi de tal modo que, apesar de termos combinado em família, que prendas eram só para as crianças, considerei que uma pequena prenda, ainda que muito económica e insignificante, mas dada com amor, faz toda a diferença. E se assim pensei, melhor agi. Comprei ofertas simbólicas, muito acessíveis, tendo conseguido com um pequeno montante, realizar este meu desejo, quase com se fosse o último Natal da minha vida, sabendo que não haveria retorno. “Coração, coração na cruz”! Durante a distribuição das prendas, depois da alegre consoada, das graças das crianças que exibiram os seus dotes, da missa do galo, da aparição na janela do pai natal, que fez a delícia dos pequeninos, sentada em frente ao presépio, observando o menino recém-nascido, observei em silêncio, a alegria da família, em particular dos mais pequenos, pensando: “Obrigada, perdão, ajuda-me mais”! Reparei no rosto surpreendido de quem recebia inesperadamente, um chocolate, um pequeno note-book, um livro, entre outros presentes simbólicos, tudo muito simples mas com uma mensagem de amor, constatando assim a máxima, “Há mais alegria em dar do que em receber”!

A noite já ia muito longa. Era preciso regressar a casa. No dia seguinte, havia outros compromissos, com outra parte da família. Mas esta noite tinha sido especial, concedendo forças e graças para enfrentar o novo ano, com novas lutas e talvez algumas antigas que insistem em não nos deixar. Mas temos o amor de Jesus para nos ajudar e de Sua mãe e nossa mãe, Maria Santíssima.

Associei este Natal ao desprendimento do supérfluo, enquanto pessoas livres, desapegadas e despojadas, como Jesus disse: “As raposas têm tocas e os pássaros têm ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça”. Como São Josemaria dizia referindo-se ao amor: “O amor verdadeiro é sair de si mesmo, entregar-se. O amor traz consigo a alegria, mas é uma alegria que tem as raízes em forma de cruz. Enquanto estiveres na terra e não tiveres chegado à plenitude da vida futura, não pode haver amor verdadeiro sem a experiência do sacrifício, da dor. Uma dor que se saboreia, que é amável, que é parte íntima da alegria, mas que é dor real, porque supõe vencer o egoísmo e tomar o amor como regra de todas e cada uma das nossas ações”.

Termino este artigo recordando que a vida passa, o tempo escapa-se por entre as nossas mãos. Um ano mais que passou é um passo mais dado com as mãos vazias ou cheias. ‘A Jesus sempre se vai e se torna por Maria’. Por sua intercessão, que tenhamos um bom ano 2019 e que Deus nos acompanhe sempre.

Maria Helena Paes



Sem comentários:

Enviar um comentário