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terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Neuroestética e psicoterapia

Como as obras de arte entram na prática psicoterapêutica: dois profissionais da área o explicaram durante um seminário do Grupo de Neurobioética na Universidade Pontifícia Regina Apostolorum


Pe. Alberto Carrara LC

No último dia  11 de Dezembro, na Universidade Pontifícia Regina Apostolorum, em Roma, foi realizado o seminário público "Experiência imaginativa e neuro-estética", do GN (Grupo de Neurobioética), que eu tenho a honra de coordenar faz alguns anos. Os palestrantes foram dois profissionais da psiquiatria e da psicoterapia, o Dr. Alberto Passerini, psiquiatra e psicotarapeuta, director da Escola de Especialização com o Processo Imaginativo, e a Dr. Manuela De Palma, psicólogo e psicotarapeuta da mesma escola.

Apresentando o tema, o Dr. Passerini nos explica em primeiro lugar que "a Neuroestética investiga as bases neurais da criação artística, ligando a experiência perceptiva das artes visuais com a fruição do observador. A psicoterapia com a experiência imaginativa (Passerini 2009), tradução mais recente do Rêve-Eveillé idealizado por Robert Desoille em Paris nos anos 1920, se baseia numa pesquisa original com aberturas ao mundo do imaginário, chave de leitura das relações humanas, da cultura, das artes expressivas, da estética e do transcendente. Propõe uma interação sinérgica entre psicanálise, neuro-ciências e imaginário, de onde o encontro com a neuro-estética na codificação do caminho régio de acesso a várias camadas e áreas mais ou menos cifradas da consciência. A partir de uma imagem simbólica comunicada verbalmente pelo terapeuta, o paciente inicia uma narração daquilo que o eu "sente", dando ouvidos a vozes interiores emitidas em imagens que, por sua vez, são expressão do significado a que remetem".

A ideia que é apresentada nasce de uma recente evolução do método, explica o Dr. Passerini, segundo a qual as solicitações de accionamento da experiência imaginativa, visuais, feitas a partir da arte da pintura, como alternativa às solicitações verbais utilizadas classicamente, mostram ter um valor agregado para chegar a camadas de consciência menos ou mais profundas. A consequente hipótese é que, sendo as "imagens" visuais pré-verbais, elas activam uma representação baseada em relações gráfico-espaciais da percepção em vez de relações abstractas, como fazem as propostas verbais.

De acordo com Paul Klee, "...a arte não retira a percepção da realidade, mas a cria".

Os dois psicoterapeutas que participaram deste seminário do Grupo de Neurobioética afirmam que "o desafio que se quer lançar é a hipótese de pesquisa que poderia ser apoiada pela correlação com a ‘ascensão’ de áreas específicas do cérebro, registada durante experiências imaginativas induzidas experimentalmente".

Depois de introduzir esta metodologia psicodinâmica específica, foram esclarecidos os fundamentos epistemológicos que sustentam o uso de obras de arte na pscicoterapia. "O projecto, assim como o método da EI (experiência imaginativa), é baseado em certas premissas epistemológicas da filosofia do diálogo, segundo as quais ‘a linguagem é a casa do ser’ (Heidegger 1958) e existe um ‘isomorfismo entre linguagem e significado’ (Ales Bello, Manganaro 2012); a linguagem por imagens é uma linguagem analógica e permite ativar uma imaginação criativa ou um movimento psíquico que realiza uma narrativa com alta taxa de ‘revivência’ sensorial, criatividade e senso estético (Coste 2003). Pelas neuro-ciências, sabemos que o processo perceptivo-imaginativo se baseia em duas modalidades, resumidas pela Teoria Pictórica e pela Teoria Estrutural (Slotnick 2008), teorias que se correlacionam com o que emerge no imaginário onde as variáveis ​​formais podem coincidir com as representações pictóricas e as de conteúdo com as representações estruturais.

De acordo com o filósofo Roger Caillois, que define a função imaginativa como um labirinto de alegorias onde cada um pode encontrar o que lh convém, desde que retirado por uma coerência subterrânea de de imagens "desconcertantes", a imaginação criativa, em uma "concepção extensiva" (2004), abraçaria tudo o que se desvia de uma reprodução fotográfica do real, enquanto, de acordo com uma "concepção restritiva", ficaria circunscrita a uma área mínima central. A imagem, deste modo, não se limita a ilustrar um texto, ou seja, a traduzir palavras em imagens, mas dispensa ao iniciado uma revelação inefável, lhe sugere uma visão instantânea e total que escaparia à limitação da palavra (Caillois 2004). A este respeito, Merleau-Ponty distingue o que é visível às ciências e o que é visível ao poeta (mas invisível às ciências). Através de tudo isso, a experiência imaginativa é uma implicação que envolve a tomada de consciência que pode ser definida como "imaginar antes de saber, ao contrário do saber antes de imaginar, que é o domínio da racionalidade" (Passerini 2015).

Por fim, a análise antropológico-cultural e psicológica das obras de arte, até as pinturas pré-históricas, feita por Simeti em 1995, (cf. De Palma, Fesce, Passerini, Simeti 2013), tornou possível traçar formas primárias de sinais geometricamente identificáveis ​​idóneas para evocar significados que agiriam sobre a percepção de forma análoga às cordas de significação aninhadas em um texto verbal, declaradas pela ciência semiótica, e que podem incluir os conteúdos latentes do "discurso" (Passerini 2015; Propp 1966). Elas gerariam no espectador um processo de simbolização e uma ressonância emocional activadora de uma moção, favorecendo a estruturação do impulso em um sonho e a destruição de um equilíbrio para criar outro (teoria do expressionismo alemão). Dinâmica, esta última, explicada pela teoria "córtico-fugal", que dá conta da plasticidade do cérebro no tocante a novos estímulos perceptivos que vêm através dos nossos cinco sentidos (Lerher 2008) ou na propriedade do cérebro de activar-se para reprocessar, reconectar, reassociar, dar forma a elementos perceptivos que parecem incoerentes na percepção, como pode acontecer diante da contemplação de um quadro".

Numa segunda fase do seminário, a Dra. De Palma aprofundou o modelo psicodinâmico da experiência imaginativa. "A psicoterapia com a experiência imaginativa aproveita a centralidade do imaginário como lugar do cuidado. A experiência imaginativa é uma porta de entrada privilegiada para a estratificação cognitiva e pré-cognitiva da consciência (Toller, Passerini 2007; Passerini 2009). Ela se coloca numa direcção psicodinâmica, porque interage e mobiliza energias psíquicas. O modelo operacional prevê uma circularidade entre a sessão de experiência imaginativa, a de descodificação semântico-proposicional e a análise comparativa da realidade ou das situações realistas. A produção imaginativa, durante a experiência imaginativa, é obtida a partir de uma condição específica de relaxamento subjectivo: "...É necessário, antes de tudo, a criação de um ambiente tranquilo, da semi-escuridão, de silêncio, de orientação da atenção do sujeito ao universo interior, que permita, no entanto, expressar-se com imagens visuais ou verbais, através do diálogo e da solicitação pelo psicoterapeuta..." (Desoille 2010). A fase sucessiva à da experiência imaginativa é a da descodificação semântico-proposicional: atribuição de sentido emotivo-afectivo ao material que emergiu. A relação terapêutica se coloca em uma dimensão fenomenológica de dois seres humanos que interagem com base nas necessidades de amar, ser amado e ser reconhecido nos seus valores e significados (Binswanger, 1970).

"No experimental, foram escolhidos como estímulos perceptivos visuais alguns quadros de arte do Expressionismo, corrente voltada a representar, mediante a desestruturação e a deformação do real em unidades formais mínimas representativas (Simeti 2014), os valores emocionais, expressivos e espirituais do artista e a gerar uma ressonância emocional no espectador. As unidades formais mínimas representativas que podem ser encontradas nas obras contactam unidades psíquicas isomórficas (De Palma et al. 2013), pois, como afirmava Kandinsky, "a obra de arte permite que o espectador entre em contacto com estados de ânimo revestidos de formas naturais, tornando-se, neste caso, alimento espiritual" (Düchting 2012)".

Na parte final do seminário, os dois profissionais expuseram dois exemplos clínicos. "As questões que deram origem à ideia do projecto de pesquisa nasceram da observação, durante a psicoterapia com a experiência imaginativa, de que a imagem visual (simbólica e/ou arquetípica) contém elementos perceptivos condesados maiores e explora vias perceptivas às vezes mais eficazes em comparação com a imagem verbalmente sugerida. Não só isto: será que a criatividade não poderia ser facilitada pelo componente estético activado pela imagem visual em vez da imagem auditiva?".

A temática que o Grupo de Neurobioética (GN) do Ateneu Regina Apostolorum está estudando neste sétimo ano de trabalho académico no Instituto de Ciência e Fé e na Cátedra UNESCO em Bioética e Direitos Humanos de Roma é justamente a da abordagem interdisciplinar à percepção e ao senso artístico.

Continuaremos em Fevereiro a investigar os correlatos neurofisiológicos da visão humana e, em 10 de Março, recolheremos esta síntese interdisciplinar sobre a neuro-estética numa conferência promovida pela prestigiosa DANA Foundation, na Semana Mundial do Cérebro (Brain Awareness Week 2016).


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