Carlo Costalli, presidente italiano do Movimento Cristão dos
Trabalhadores, fala da audiência dessa organização eclesial com o papa
Francisco
"Esta economia mata no meio do Mediterrâneo, mata
nas jornadas longas demais dos jovens desempregados, mata nos bebés não
nascidos e nos idosos abandonados na solidão. Mas a economia somos nós,
com os nossos comportamentos de consumo e nossas políticas de
desenvolvimento: levaremos ao papa, então, o compromisso de mudar a nós
mesmos para mudar as coisas". Faltando uma semana para a audiência que o
Santo Padre concederá ao Movimento Cristão dos Trabalhadores (MCT), o
presidente da organização eclesial, Carlo Costalli, resume o espírito
com que guiará centenas de activistas ao histórico encontro com o papa da
Laudato Si’ – e num momento delicado para os católicos italianos, com
as divisões provocadas pela muito contestada lei sobre as uniões civis e
por uma reforma constitucional que agrada cada vez menos.
Por que esta audiência é especial?
Para nós é um reconhecimento importante dos esforços como movimento
da Igreja no testemunho evangélico organizado a serviço dos pobres e
marginalizados; um reconhecimento ainda mais significativo porque ocorre
no início do Ano Jubilar da Misericórdia. Vamos à audiência tendo em
mente o que o papa nos ensina: que, para testemunhar a "Boa Nova", temos
que passar de cristãos que fazem "teste de doutrina" para cristãos
capazes de se aproximar dos que estão "perdidos, abandonados, feridos,
devastados, humilhados e privados da sua dignidade". Faz tempo que
decidimos tomar este caminho, tentando nos assemelhar cada vez mais à
Igreja "em saída" que Francisco está apontando com tanto amor.
Nunca, em tempos recentes, o Magistério petrino foi tão
admirado e tão criticado, inclusive na Igreja, inclusive nos movimentos
católicos. Isto acontece também entre os militantes do MCT?
No próximo sábado, 16 de Janeiro, vamos provar que não há resmungos.
Agora, se nos referirmos à dificuldade, próprias do homem das suas
actividades, da política à economia, na hora de aplicar os ensinamentos
na vida quotidiana, então essa dificuldade surge e vai surgir sempre: a
mensagem de Francisco é revolucionária e exigente se vivida em
plenitude, mas, para compreendê-la e vivê-la, é necessário ter uma
mentalidade evangélica: por isso, quem reduz a fé a ideologia, sejam
progressistas, sejam conservadores, custa a entender esta mensagem
porque ela não se encaixa nos seus esquemas preconcebidos.
Sem nostalgia das "cruzadas" nas questões inegociáveis?
Nós não vivemos de nostalgia, mas de desafios: o papa deixou claro
que este não é mais o tempo em que os lamentos, as condenações, o apelo
nostálgico ao passado, as contra-posições culturais e ideológicas ainda
conseguem atingir o coração dos tantos "feridos" pela sociedade
contemporânea. O nosso objectivo não é a política, mas a evangelização e o
amor ao próximo. Nós não estamos parados e não vamos à audiência como
quem vai a um piquenique: a preparação foi seríssima.
Como vocês se prepararam?
Faz algum tempo que estamos realizando um percurso pela doutrina
social do papa Francisco: neste espírito, muitas iniciativas foram
organizadas para a apresentação do livro dos jornalistas Andrea
Tornielli e Giacomo Galeazzi, "Papa Francisco - esta economia mata":
debates e reflexões em que o MCT abordou o pensamento do papa para
estudar temas que estão bem arraigados no coração do movimento. Mas não é
um percurso "doutrinal": estamos trabalhando para que os militantes
formem uma nova mentalidade e a traduzam em atitudes de vida. Porque
esta economia mata no meio do Mediterrâneo, mata nas jornadas longas
demais dos jovens desempregados, mata nos bebés não nascidos e nos
idosos abandonados na solidão. Mas a economia somos nós, com os nossos
comportamentos de consumo e nossas políticas de desenvolvimento:
levaremos ao papa, então, o compromisso de mudar a nós mesmos para mudar
as coisas, seguindo a estrada concreta que o papa nos mostra, a estrada
da solidariedade.
É realmente possível impactar deste jeito o mundo do
trabalho, no qual o MCT opera tradicionalmente e onde as políticas dos
últimos anos são completamente opostas?
É no campo económico que a crise antropológica explodiu com mais
virulência, negando a centralidade do trabalho e do seu primado e
instaurando cada vez mais evidentemente o primado do lucro e do
dinheiro. Neste sentido, também chamamos o governo Renzi a uma coerência
maior. Infelizmente, ainda vivemos imersos num mercado dependente do
consumo, que gera uma sociedade do descarte, da pobreza galopante e da
óbvia injustiça social. Estou bem ciente, se é esta a pergunta, da
dificuldade de mudar as coisas, não só porque as nossas exigências e os
do sindicato ficam frequentemente na letra morta, mas porque uma real
mudança tem que passar pela derrubada dos falsos ídolos e dos falsos
valores que as finanças globais e esse tipo de mercado ainda impõem. Uma
derrubada que o papa Francisco resume de modo magnífico em uma frase
bem curta e muito eficaz: "O dinheiro deve servir e não mandar". Nosso
trabalho é incutir essa mentalidade nas pessoas e nas políticas sociais.
Quanto ao primeiro objectivo, nós trabalhamos muito pela solidariedade e
pela cooperação entre os povos, em Sarajevo, na Moldávia, na Roménia,
na Eritreia, na construção de moradias para casais jovens na Terra Santa
e na Universidade Católica de Madaba, aberta a todos, sem distinção de
raça ou religião. O nosso compromisso é orientado à promoção do diálogo
social, para que ele tenha espaço na vida diária de todos, começando por
nós mesmos. Sempre lembrando que, como disse o papa na V Conferência
Eclesial de Florença, "a melhor maneira de dialogar não é falar e
discutir, mas fazer algo juntos, construir juntos, realizar projectos",
porque "dialogar" é "procurar o bem comum para todos".
Encerremos com a política. Você acredita num despertar dos
católicos italianos, na capacidade de traduzir em leis as intuições de
Francisco?
O magistério deste grande papa provoca um despertar também político,
também no mundo católico organizado, certamente. Mas nós não pensamos em
transformá-lo num programa de partido! A questão é ir ao encontro de
"um novo humanismo", com base nos "traços do humanismo cristão",
indicado pelo Santo Padre em Florença, onde ele nos disse que "o nosso
dever é trabalhar para tornar este mundo um lugar melhor e lutar". E
acrescentou um apelo significativo aos jovens: "Superem a apatia. Eu
peço que vocês sejam construtores da Itália, que vocês trabalhem por uma
Itália melhor. Por favor, não olhem a vida da varanda. Comprometam-se,
mergulhem no amplo diálogo social e político". Não é muito diferente do
discurso de Cagliari em que o papa Bento XVI afirmou que era preciso
"uma nova geração de políticos católicos": todo mundo só se lembra dessa
passagem, mas ela tem que ser contextualizada num discurso voltado a
redefinir as estratégias pastorais para arrancar os jovens do niilismo e
realizar uma verdadeira evangelização do mundo. Oito anos atrás, Bento
XVI convidava os cristãos a serem "capazes de evangelizar o mundo do
trabalho, da economia, da política, que precisa de uma nova geração de
leigos cristãos comprometidos, capazes de buscar com competência e rigor
moral soluções de desenvolvimento sustentável". Não apenas, como
deturparam os jornais, fundar um novo partido. No mesmo espírito,
Francisco nos convida hoje a realizar "uma Igreja italiana inquieta,
cada vez mais próxima dos abandonados, dos esquecidos, do imperfeitos.
Eu quero uma Igreja alegre, com rosto de mãe, que compreende, acompanha,
acaricia". É neste espírito que vivemos o nosso compromisso social e
político.
in
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