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quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Um povo de profetas

1. Que significa ser povo?
Ao ver os milhares de refugiados, de todas as idades, mas sobretudo jovens, que fogem à fome e à guerra, enfrentando muitos perigos e obstáculos, mas sempre sonhando com um país onde possam realizar os seus sonhos, em paz e liberdade, pergunto-me se com estas pessoas, provenientes de diversos países, se pode formar um povo ou se acaso não está nelas o que falta a muitos países com a mesma língua e história, mas com pessoas acomodadas, egoístas e tristes. Por estes pensamentos já dá para entender que construir um povo não é algo estático e permanente, mas precisa de um dinamismo constante. Parar é morrer, costuma-se dizer e isto também se aplica na constituição da identidade cultural de um povo..3

Por isso Jesus adverte aqueles que escandalizam, menosprezam, descartam os seus irmãos, sobretudo as crianças e os indefesos. Seria melhor atar-lhes uma mó ao pescoço e atirá-los ao fundo do mar. Mas são estes que parecem ficar sempre na mó de cima, explorando os pobres e indefesos, como acontece com muitos neste êxodo, atirados ao mar, sem dó nem piedade. Jesus diz-nos que no seu Reino não pode ser assim. Para entrar nele é preciso ser audaz e não ter medo de sacrificar algum dos nossos membros, se eles nos impedem de avançar. E S. Tiago adverte os gananciosos e exploradores, que acumulam tesouros neste mundo, sem escrúpulos, sem consciência dos valores e da dignidade da pessoa humana, esses apodrecerão com o seu vil metal e serão excluídos do Reino e do Povo de Deus.

Os discípulos de Jesus, os apóstolos e seus continuadores, são enviados a anunciar a boa nova e a curar as enfermidades. E são muitas de que precisamos de ser curados. Mas é preciso que os doentes aceitem ser curados e acreditem na boa nova, consubstanciada na paz com que os apóstolos devem saudar as pessoas. Assim começa a evangelização, o anúncio e a iniciação cristã, que nos ajuda a construir o povo de Deus e a ser membros dignos desse povo. Ir ao encontro das pessoas, com alegria e coração aberto e fraterno, assim acontece a missão da Igreja, até que todos vivam unidos e atentos uns aos outros, de modo que ninguém se sinta excluído, descartado e sofrendo necessidade. Vede como eles se amam, dizia-se dos primeiros cristãos e o seu número crescia de dia para dia.

Será que isto acontece hoje em dia, entre nós e noutras partes do mundo? Onde isso acontece as comunidades crescem e adquirem identidade. Chamados e enviados em missão, temos de perguntar-nos em que falhamos, pois as nossas comunidades estão cada vez mais reduzidas e envelhecidas. Temos uma grande oportunidade de rejuvenescermos, criando um ambiente de acolhimento aos refugiados que batem à porta da Europa, que necessita tanto deles como eles da Europa.

2. Oxalá todos fossem profetas
Moisés, perante as acusações invejosas de Josué, que detetou duas pessoas a profetizar, sem pertencerem ao grupo dos escolhidos, respondeu: oxalá todo o povo fosse profeta (Num. 11, 29). E Jesus também diz algo parecido, quando lhe vieram dizer que havia alguém a fazer milagres apesar de não pertencer ao número dos seus discípulos. Quem não é contra nós é por nós (Mc 9, 40).

Os mensageiros de Jesus que anunciam a boa nova são profetas, não no sentido de predizerem o futuro, mas de falarem em nome de Deus, que ama os seus filhos e quer que todos se salvem. Essa é a grande profecia que o mundo precisa de ouvir e sentir. Mas tem de ser testemunhada pela autenticidade de vida dos mensageiros. A Igreja tem de ser um povo de profetas da alegria, da esperança, da paz, do amor.

Estamos a viver um ano da vida consagrada. No anúncio deste ano o Papa Francisco disse que os consagrados são profetas da alegria. Isto pode ser dito de todos os cristãos, mas com maior força dos que foram chamados a seguir Jesus de perto, imitando na visibilidade da sua vida o estilo de vida de Jesus. É este radicalismo profético que constrói a Igreja, o povo de Deus.

Vamos viver um ano jubilar da misericórdia, que nos recorda que sem esse amor misericordioso de Deus a Igreja não subsiste e a sua missão torna-se inútil, museu, estrutura sem alma, sem coração, condenada a morrer e desaparecer. Temos uma grande oportunidade de conversão, de mudança das nossas mentalidades, pedagogias e métodos de evangelização.

Este coração e espírito misericordioso dar-nos-á uma nova linguagem e capacidade de tocar outros corações, fazendo-lhes sentir quanto Deus os ama e criou para amar e assim serem alegres e felizes, porque fazem outros felizes. Felizes os misericordiosos porque alcançarão misericórdia e conhecerão a Deus, a fonte da misericórdia, assim lemos nas bem-aventuranças proclamadas por Jesus. Assim queremos nós viver este último ano do Sínodo diocesano e também o último ano do meu ministério episcopal à frente desta diocese. Durante ele teremos a visita da imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima e no final iremos nós como peregrinos até Fátima, para depositarmos aos seus pés as conclusões e propósitos do nosso Sínodo, para dela ouvirmos uma vez mais o apelo feito nas bodas de Canaã: fazei tudo o que Ele, o Seu Filho Jesus, vos disser. E com ela aprendamos a ouvir a Palavra de Deus e a ponhamos em prática, tendo-a sempre como mãe que nos acompanha e intercede por nós e a nossa diocese.

† António Vitalino, bispo de Beja





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