1. Cuidar do mundo e dos outros
No dia da sua entrada solene como sucessor do apóstolo Pedro, a 19 de Março de 2013, o Papa Francisco convidava-nos a guardar Cristo nas nossas vidas, para guardar os outros, para guardar a criação, à semelhança de S. José. Isto significa ter respeito por toda a criatura de Deus e pelo ambiente onde vivemos, aprendendo a descobrir nele a beleza de uma irmã e a ternura de uma mãe, como se exprimia S. Francisco de Assis. Não admira que dedique agora uma encíclica a este tema, com o título do conhecido cântico do Santo de Assis, Louvado sejas.
No dia da sua entrada solene como sucessor do apóstolo Pedro, a 19 de Março de 2013, o Papa Francisco convidava-nos a guardar Cristo nas nossas vidas, para guardar os outros, para guardar a criação, à semelhança de S. José. Isto significa ter respeito por toda a criatura de Deus e pelo ambiente onde vivemos, aprendendo a descobrir nele a beleza de uma irmã e a ternura de uma mãe, como se exprimia S. Francisco de Assis. Não admira que dedique agora uma encíclica a este tema, com o título do conhecido cântico do Santo de Assis, Louvado sejas.
Há muito anunciada e esperada, tornou-se pública no dia 18 de Junho, convidando os cristãos e todos os homens de boa vontade a cuidar da casa comum, que não é apenas a natureza, mas todas as relações da pessoa humana consigo, com os outros e com Deus, o Criador de tudo e de todos.
A isto o Papa apelida de ecologia integral. Quando falha uma das relações, tudo e todos sofrem, pois estamos a amputar os seres existentes de alguns dos seus membros, sejam eles a terra, o ambiente, os animais, ou o ser humano. A relação com o transcendente, Deus criador, sem o qual a vida não tem sentido, é importante. Sem ela, cada pessoa torna-se a norma de tudo, passando a viver para si e a partir de si mesma, desligada dos outros seres, sem o compromisso de cuidar e guardar o mundo, na sua biodiversidade, para que as gerações futuras o encontrem melhor e mais belo do que o encontramos nós.
Esta encíclica, mesmo abordando temas difíceis, lê-se com fluidez, como nos habituou o Papa Francisco. Sendo um longo escrito, com seis capítulos, a sua leitura não cansa e, caso as ocupações o permitam, lê-se dum fôlego. Começa por apresentar alguns dados da crise ecológica que estamos a viver, para, no capítulo segundo, desenvolver os princípios da tradição judaico-cristã e no terceiro capítulo procurar as causas profundas da situação atual no ser humano. Depois passa às propostas de uma ecologia que integre o homem no seu lugar específico no mundo e às ações e atitudes que cada um pode fazer suas e assim inspirar também a politica internacional. No sexto e último capítulo desenvolve algumas pistas de uma educação e espiritualidade ecológicas, apontando mesmo a necessidade de uma conversão ecológica.
Atendendo à urgência do tema e para ajudar a quem não dispõe do tempo necessário para ler esta magna carta do Papa sem interrupção, vou apresentá-la, na brevidade destas notas, capítulo por capítulo, começando já pelo primeiro.
2. Fizemos da nossa casa uma lixeira
No primeiro capítulo da encíclica o Papa faz um diagnóstico do nosso ambiente, alertando a todos para a necessidade urgente de mudar de paradigma de vida e de comportamento dos humanos, que são a causa principal da crise ecológica.
O Papa começa por afirmar que a mudança é necessária, mas o ritmo a que acontece não é o da lenta evolução biológica e nem sempre orientada para o bem comum e no sentido de um desenvolvimento humano integral e sustentável. Passa logo para a poluição dos ambientes, os resíduos e a cultura do descarte, que afeta sobretudo os pobres, que não têm meios para se defender das consequências perniciosas da evolução tecnocrática, muito dependente de energias fósseis e produtora de imensos resíduos.
O clima é um bem comum, cuja sanidade depende de muitos fatores. O aquecimento global, a devastação de florestas, a destruição dos ecossistemas, o degelo dos glaciares, a subida do nível dos oceanos estão a provocar grandes catástrofes, de consequências gravíssimas para a saúde e a sobrevivência das futuras gerações, sendo os mais pobres, pessoas e países em vias de desenvolvimento os mais afetados, presentemente e nas próximas décadas. O fenómeno das migrações de pessoas e espécies vai agravar-se ainda mais.
Um dos graves problemas atuais é a questão da água potável, um bem essencial para a vida das pessoas, que, com a privatização das suas fontes começa a sujeitar-se às leis do mercado. Este é um problema que nas politicas públicas de privatizações deve ser tido em conta. Não podemos comparar a água potável e outros recursos essenciais para a subsistência da humanidade a outros bens, importantes, mas não imprescindíveis para a vida de todos. O Papa afirma: o acesso à água potável e segura é um direito humano essencial, fundamental e universal, porque determina a sobrevivência das pessoas e, portanto, é condição para o exercício dos outros direitos humanos (nº 30). Negar aos pobres o acesso à agua potável é negar-lhes o direito à vida, radicado na sua dignidade inalienável. Há quem afirme que isto será uma das grandes fontes de conflitos no mundo.
Outro tema é a preservação da biodiversidade, posta em causa com a destruição de ecossistemas importantes para certas espécies de vida, cuja beleza as gerações futuras não poderão contemplar e necessárias para o equilíbrio das energias do planeta.
Com a desertificação demográfica do interior e os grandes aglomerados populacionais no litoral e nas grandes metrópoles também se degrada a qualidade de vida humana e a coesão social, sendo os pobres aqueles que mais sofrem com isso. O ruído acústico e mediático dificulta a cultura do encontro e do diálogo, essencial para a construção da família e das relações humanas. Além disso, com a poluição dos rios, dos oceanos e dos terrenos agrícolas aprofunda-se o fosso das desigualdades, destruindo os meios de sustento dos mais pobres. Há uma dívida ecológica dos países desenvolvidos do Norte para com o Sul. Como pagá-la?
† António Vitalino, bispo de Beja
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