1. Visão bíblica sobre o homem e o mundo
O Papa Francisco ao escrever uma encíclica sobre a ecologia não ultrapassou as suas competências ou quebrou as raízes da visão bíblica sobre o homem e a criação, abordando um tema da moda de alguns pensadores, tomando posição contra quem defende uma economia de mercado e um desenvolvimento ilimitado, sempre crescente, sem preocupação com o ambiente. Bem pelo contrário. Alguns querem empurrar a Igreja e os cristãos para a sacristia, para uma expressão da fé privada, fora do espaço público. A Bíblia não é um livro de ciência moderna, mas não deixa de ser uma leitura inspirada pelo Espírito Santo da vida do ser humano situado no planeta terra, lendo os acontecimentos da sua história na perspetiva da sua orientação para Deus.
O Papa Francisco ao escrever uma encíclica sobre a ecologia não ultrapassou as suas competências ou quebrou as raízes da visão bíblica sobre o homem e a criação, abordando um tema da moda de alguns pensadores, tomando posição contra quem defende uma economia de mercado e um desenvolvimento ilimitado, sempre crescente, sem preocupação com o ambiente. Bem pelo contrário. Alguns querem empurrar a Igreja e os cristãos para a sacristia, para uma expressão da fé privada, fora do espaço público. A Bíblia não é um livro de ciência moderna, mas não deixa de ser uma leitura inspirada pelo Espírito Santo da vida do ser humano situado no planeta terra, lendo os acontecimentos da sua história na perspetiva da sua orientação para Deus.
A isto se refere o Papa no nº 63: Se tivermos presente a complexidade da crise ecológica e as suas múltiplas causas, deveremos reconhecer que as soluções não podem vir de uma única maneira de interpretar e transformar a realidade. É necessário recorrer também às diversas riquezas culturais dos povos, à arte e à poesia, à vida interior e à espiritualidade.
Por isso o Papa aponta, logo no segundo capítulo da encíclica, a visão bíblica do homem e do mundo, encontrando aí os fundamentos de uma ecologia integral, ou seja, do ser humano considerado em todas as suas dimensões e relações: consigo próprio, com o ambiente, com os seus semelhantes e com Deus. Desde o primeiro capítulo do livro do Génesis até ao último versículo do Apocalipse encontramos os fundamentos de uma atitude de respeito, de admiração, de gratidão e de amor do ser humano para com todos os outros seres. Ninguém deve viver para si mesmo. Viver para os outros implica cuidar e guardar tudo e todos os que nos rodeiam. Quer vivamos quer morramos devemos viver para o Senhor, confessa S. Paulo na carta aos Romanos (14, 7 ss). Um coração que ama nunca é indiferente a qualquer ser, seja humano ou de outra espécie (nº 91 s).
Neste capítulo o Papa dirige-se sobretudo aos cristãos, afirmando que é importante conhecerem as raízes da sua fé, para poderem dar o seu contributo para a presente crise ecológica que o mundo atravessa. Quem está empenhado na dignidade da pessoa humana e na procura da viabilidade de um desenvolvimento justo e para todos encontra na fé cristã as razões profundas para tal compromisso (nº 65).
A liberdade da pessoa não é absoluta. Realiza-se na relação harmoniosa com os outros seres e no respeito da sua dignidade, não lhe conferindo o direito de os usar como objetos ou escravos dos seus desejos egoístas e relativistas. A doutrina social da Igreja, de que tratei em notas anteriores, ajuda-nos a realizar esta relação harmoniosa com toda a criação.
2. A raiz humana da crise ecológica
No terceiro capítulo da encíclica o Papa fala das maravilhas da ciência e da técnica, mas que dão um tal poder ao homem que pode tornar-se escravo delas e envolver nessa escravidão toda a criação, truncando as relações essenciais e a hierarquia dos seres criados e dos valores da vida humana. Há um modo desordenado de conceber a vida e a ação do ser humano, que contradiz a realidade até ao ponto de a arruinar (nº 101).
2. A raiz humana da crise ecológica
No terceiro capítulo da encíclica o Papa fala das maravilhas da ciência e da técnica, mas que dão um tal poder ao homem que pode tornar-se escravo delas e envolver nessa escravidão toda a criação, truncando as relações essenciais e a hierarquia dos seres criados e dos valores da vida humana. Há um modo desordenado de conceber a vida e a ação do ser humano, que contradiz a realidade até ao ponto de a arruinar (nº 101).
Todos nos recordamos das tragédias do século XX, em que todos os recursos da técnica foram usados para destruir o inimigo. Fizeram-se tratados para que isso não se repetisse, mas, de vez em quando, alguém põe de parte esses acordos e, no desespero de não conseguir impor a sua vontade e não tendo outros valores senão o poder, lança mãos dessas armas. O conhecimento e a técnica são usados para fazer valer projetos egoístas, destruindo e escravizando os pobres e os seus ambientes. O ser humano não foi educado para o reto uso do poder. O desenvolvimento científico e tecnológico precisa de ser acompanhado de uma sólida educação para os valores e a ética.
E qual é a base e o fundamento dessa ética, que orienta a liberdade dos poderosos para o reto uso dos meios ao seu alcance? Estamos todos de acordo em criar comissões éticas nas instituições mais sensíveis da sociedade, onde se lida com a vida e a morte, mas também todos conhecemos as decisões polémicas em muitos casos, para além da representatividade na constituição dessas comissões. O conhecimento técnico habituou-nos a tratar tudo como objetos manipuláveis e não como seres com a sua dignidade própria, que merece ser respeitada e tida em conta.
A economia, as finanças e até muitos políticos avaliam os seus procedimentos em função do mercado, do lucro, das audiências e dos votos, o que falsifica a vida e os valores. Um desenvolvimento que põe de parte a pessoa e o trabalho humanos não é moral. A vida consagrada dos monges, de um S. Francisco de Assis e de muitos outros através da história mostra-nos o valor do trabalho humano e ajuda-nos a compreender a beleza e a finalidade de toda a criação. A Igreja e esta encíclica do Papa Francisco também são um apelo profético, para que não embarquemos todos na voragem de um desenvolvimento sem limites. Todos queremos viver melhor, com mais recursos, com mais saúde, por mais anos, mas não pode ser a qualquer custo, nem muito menos empurrando muitos para a pobreza e a miséria. O todo é superior à parte e a realidade à ideia, são princípios que o Papa repete, para nos ajudar a refletir e decidir. O homem não é senhor absoluto da criação, mas deve ser administrador responsável dos bens, pondo-os ao serviço do bem comum. Ainda estamos a tempo de corrigir desvios.
† António Vitalino, bispo de Beja
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