Entrevista com Dom Jean Abdo Arbach, bispo melquita. O governo sírio e a oposição começaram, na Rússia, um diálogo. O governo nos protege, o problema é onde estão os extremistas
Madrid, 17 de Abril de 2015 (Zenit.org) Ivan de Vargas
Quatro anos após o início do conflito na Síria a crise
humanitária só piorou e não há nenhum sinal de melhora. Mais de 200.000
pessoas morreram, de acordo com estimativas da Organização das Nações
Unidas e do ponto de vista humanitário, o sofrimento causado pela crise é
esmagador.
De uma população total de 22 milhões, mais da metade precisam de
assistência humanitária dentro da Síria, ao que se somam aproximadamente
7,6 milhões de pessoas removidas de suas casas. Umas 11,6 milhões
precisam de acesso imediato a água e saneamento.
Em fevereiro de 2015 se registaram mais de 3,7 milhões de refugiados
sírios, dos quais mais de um milhão estão no Líbano e 600 mil na
Jordânia.
O arcebispo greco-católico melquita de Homs, Hama e Yabrud, Mons.
Jean Abdo Arbach, nesta entrevista exclusiva concedida à Zenit,
realizada em Madrid na ocasião da sua participação nas jornadas sobre o
Oriente cristão e mundo árabe, indica que os cristãos querem permanecer
na Síria e os refugiados voltar para casa.
Para o arcebispo de Homs, a crise no país é o resultado de uma guerra
mundial em solo sírio. Também reclama da comunidade internacional uma
solução digna para as famílias e os milhões de crianças que estão com
fome, estão doentes e precisam de acesso à educação.
Mons. Abdo Arbach também lamenta que a cada 25 anos haja uma guerra
na região, embora os cristãos estejam acostumados a viver assim.
Acompanhe a seguir as suas fortes declarações para a nossa agência.
***
ZENIT: Existem actualmente duas frentes na Síria: a guerra
civil e a ofensiva lançada pelo Califado na região. Por quanto tempo
durará esta situação?
- Mons. Abdo Arbach: A crise na Síria não é uma crise civil. É uma
guerra mundial em território Sírio. Quando vai acabar o conflito na
Síria? Estamos falando de uma questão internacional. Síria quer paz e
sossego. As pessoas já estão cansadas e querem voltar para as suas
casas. Querem viver com dignidade. Precisamos de paz. Como o Papa disse:
‘Que as armas se calem!’ Portanto, que as armas se calem.
ZENIT: É possível encontrar uma solução dialogada para a crise?
- Mons Abdo Arbach: Quem são os que têm que dialogar? Respondo
claramente. Ninguém pode impedir o diálogo. Felizmente, hoje começou um
diálogo interno entre o governo e a oposição síria na Rússia. Então, há
diálogo. Estão falando em termos gerais. Vão encontrar uma solução ou
não... A oposição é influenciada pela comunidade internacional. Não tem
uma opinião clara sobre a solução. Este é o problema. Quando há
liberdade e dignidade para dizer a verdade, é possível chegar a um
diálogo firme. A guerra acabou.
Hoje, todo o Oriente Médio está em chamas. Nós não sabemos quem é o
responsável. Não se trata só da Síria. É necessário que a comunidade
internacional, em conjunto com os governos actuais, procurem uma solução
digna para as pessoas, para as famílias, para as crianças...
ZENIT: O que a igreja está fazendo para atenuar todo esse sofrimento?
- Mons Abdo Arbach: A Igreja trabalha duro. Há reuniões permanentes
do Papa com os patriarcas. Também há reuniões dos bispos da Síria com os
patriarcas. E a Igreja ajuda. Mas o problema não é a Igreja. Existem
algumas dificuldades. Como fazer para que as ajudas cheguem à Síria?
Dado que o país sofre um bloqueio da Europa e dos Estados Unidos, temos
muitas dificuldades para que entrem os materiais na Síria. A Igreja
ajuda, a Igreja dialoga, a Igreja está presente em todos os lugares. A
Igreja nunca faltou. Também há um diálogo com os líderes muçulmanos. Nós
organizamos muitos encontros para promover a reconciliação entre os
mesmos povos. Felizmente, fomos capazes de realizar uma série de
trabalhos sobre este tema.
ZENIT: A atitude do Ocidente afecta a minoria cristã?
- Mons Abdo Arbach: O problema que se coloca é saber se o Ocidente
quer que os cristãos permaneçam em seus países de origem. Estamos
falando de países onde estão as raízes do cristianismo. Síria, Líbano,
Iraque... são o berço do cristianismo. Hoje, o que a Europa pensa dos
cristãos?
Por exemplo, no Iraque antes da Guerra do Golfo, havia 1,2 milhões de
cristãos. Hoje há apenas duzentos mil. Então, a emigração dos cristãos é
devida à presença dos europeus e dos Estados Unidos. Por isso me
pergunto: Qual é o futuro dos cristãos no Oriente Médio? Além do mais,
os cristãos querem ficar. Eles querem viver em suas terras. Ali estão
enraizados.
ZENIT: Quais são os temores dos cristãos sírios?
- Mons Abdo Arbach: De certa forma, não há medo. Há temor ao Daesh
[acrónimo árabe do auto-proclamado Estado Islâmico, ndr] e aos
extremistas. Não têm medo do governo. Muito pelo contrário. O governo
nos protege. Graças a Deus, estamos muito bem onde permanece a
autoridade do Governo. Celebramos a Páscoa, rezamos, convivemos cristãos
e muçulmanos juntos... Sem problemas. O problema são os lugares onde há
extremistas, de Daesh ou da Frente Al-Nusra. Esse é o problema. Não
podemos rezar de nenhuma maneira, não podemos sair à noite, não podemos
fazer nada. Não existe liberdade. Existe terror. Outro medo ou dúvida:
qual é o meu futuro? Fico ou vou ter que viver outra guerra mais tarde.
Os cristãos do Oriente Médio já estão acostumados a viver assim. Passo a
passo. A cada 25 anos, há uma guerra.
ZENIT: E as esperanças?
- Mons Abdo Arbach: Temos uma esperança e uma fé muito grande. Nunca
faltou a esperança e a fé. Por isso, vivemos. E a presença da Igreja
entre os fiéis é muito importante. Temos de apoiar as famílias cristãs.
Minha presença e a de meus irmãos bispos nestes locais, a presença dos
sacerdotes nas paróquias, ajuda muito as famílias cristãs. Dado que não
há paz e segurança, o que vamos fazer? Há certo temor.
ZENIT: O Conselho de Chefes das Confissões cristãs de Alepo acaba de realizar um forte apelo...
- Mons Abdo Arbach: O povo sírio já não pode mais. Está cansado.
Aleppo sofreu muito antes. Agora, voltam a bombardear a cidade com
foguetes. Internacionalmente, tudo está claro. Se sabe quem está lutando
contra quem. É necessário que a comunidade internacional trabalhe com
urgência sobre o assunto, para acabar com estes actos. Sim ou sim. Quem
deu as armas para os rebeldes? Quantas vezes os nossos patriarcas já
disseram para deixar de enviar armas e dinheiro? Quando uma pessoa não
se alimenta, deixa de viver. É a mesma coisa. Os rebeldes quando não se
alimentam, acabou... devem se entregar. Mas, são alimentados, para que o
conflito não acabe.
ZENIT: Que mensagem você gostaria de enviar para a opinião pública?
- Mons Abdo Arbach: Minha mensagem é clara. Como diz o Evangelho,
trabalhem pela paz, trabalhem pela justiça. Basta de armas! Basta de
violência! Por Deus, por favor, misericórdia pelas crianças ... Milhões
de crianças estão com fome e doentes. É preciso que se trabalhe em prol
da educação. Basta de violência! Hoje, os nossos filhos vão às ruas
com... não é a nossa cultura. Nossa cultura é o amor, a caridade, a
reconciliação, trabalhando juntos...
(17 de Abril de 2015) © Innovative Media Inc.
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