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domingo, 19 de outubro de 2014

Foi sequestrada por paramilitares, mas perdoou e deu trabalho aos arrependidos: «Deus é perdão»

A colombiana Sandra Gutiérrez dá o seu testemunho 

Sandra Gutiérrez considera que o Deus que perdoa a encheu de amor para
poder perdoar também ela... Hoje dá oportunidades aqueles que deixaram as armas

Actualizado 2 de Outubro de 2014

Ary Waldir Ramos Díaz / Aleteia

O Pontífice partilhou na quarta-feira 24 de Setembro de 2014 a sua bênção apostólica com um grupo de pessoas, vítimas e desmobilizados do conflito armado na Colômbia, que presenciaram a audiência geral na Praça de São Pedro.

Sandra Gutiérrez, vítima de violência e sequestros, chegou a Roma a rogar ao Papa Francisco para que rezasse "pela ferida que continua aberta no meu coração": a paz da sua pátria.

Sandra Gutiérrez é uma mulher que ´abraçou´ o seu sequestrador depois de ter sofrido maltratos, moléstias, perseguições e padecer a morte de um ser querido.

Sandra disse viver um enérgico compromisso por uma solução ao conflito armado que sangra a Colômbia desde há 50 anos.

Ao contrário de muitos, ela testemunha que preferiu deixar atrás o ódio para meter as mãos na solução. É dizer, dar dignidade através do trabalho aqueles que viviam antes de empunhar uma arma.

Nas suas palavras há uma interrogação aberta: “Quem sou eu para não perdoar perante tanta dor?”

- Como foi o encontro com o Papa Francisco?

- Impactou-me muito porque o Papa reza pela paz da minha nação cada dia e uma das petições que eu trazia como vítima era que se orasse pela paz da nossa nação. Ele enviou uma mensagem aos nossos irmãos: Já não mais guerra, já não mais morte!”.

Entre 1990 e 2002, Sandra de 46 anos foi vítima em várias ocasiões de diversos grupos armados ilegais, sofrendo pessoalmente um sequestro, assim como ataques contra a sua família que resultaram em mortes e deslocamento forçoso.

- Pode-nos contar as circunstâncias do seu sequestro?

- Estava fazendo um trabalho. Era empreiteira do governo. Trabalhava na zona de distensão em Vista Hermosa. Alguém me acusou de ser uma colaboradora da guerrilha. Eu era uma empreiteira do governo para fazer vivendas populares em zonas rurais, quando fui sequestrada pelos paramilitares.

Depois deste sequestro Sandra não pode ter mais família e as suas feridas físicas e psicológicas causaram-lhe grandes transtornos que só através do perdão pode superar.

- É fácil perdoar?
- É fácil na medida que cada um possa reconciliar-se consigo mesmo. Estou em contacto com Deus que é o único que pode curar os corações feridos e endurecidos. Não foi fácil percorrer a senda do perdão, mas saí ganhando quando a empreendi.

- Você encontrou os que ontem foram seus verdugos?
- Tive um encontro pessoal com um dos meus sequestradores. Disse-lhe que já o tinha perdoado. Que não se preocupasse. Que o que tinha passado ficou no passado. Ele chorou. Abraçámo-nos. Foi o momento no qual terminei o meu processo de perdão. Assim é como entendi que Deus me tinha enchido de tanto amor para amar aos demais. Ainda a quem me tinha feito tanto dano.

- Você dá trabalho na sua empresa familiar a 36 pessoas que abandonaram as armas. Como é isto?
- Os desmobilizados necessitam de uma oportunidade. O melhor se eles tivessem tido uma oportunidade antes… Eu trato de calçar o sapato alheio. Se não nos pomos na situação do outro é difícil entender as pessoas. Temos que entender-nos.

Perdoar o imperdoável. Entender o incompreensível e construir-nos entre todos.

- Qual é a ferida aberta no seu coração mais difícil de sanar?
- A ferida maior que tenho é ver a minha nação devastada. Não se trata de mim, nem desse familiar que amava e mataram. No se trata dos vexames sofridos, nem da minha alma quebrada. Trata-se de ver a minha nação sangrar. De ver os sofrimentos das mulheres.

[Interrompe-se num soluço…] Porque cada vez que há um morto na minha nação, é o ventre de uma mãe que fica sem o seu filho... [a voz se quebra]

- Como é a sua relação pessoal com Deus neste momento?
- É um Deus de amor. Creio em Jesus Cristo. Cada vez que vejo a Cruz do calvário entendo que há um caminho de salvação. Nessa cruz ficaram os homens e mulheres das FARC, os Paramilitares, ali fico também eu com os meus pecados e ficou toda a humanidade. Ele deu-nos esse dom, o perdão, como um presente porque não o merecíamos. Isso obriga-me a que eu não possa ser mais que Deus e não poder dar o meu perdão.

- Como nasceu a ideia de dar trabalho aos seus sequestradores?
- Falei com a minha família. Os meus filhos aceitaram, eles administram a empresa de família. Eles seguiram o meu exemplo. Pensamos em abrir oportunidades de trabalho a pessoas desmobilizadas. Estes são novos cenários de paz que não é somente perdoar mas sim prover oportunidades. Por isto, tomou-se esta decisão em família.

- Então o perdão é de toda a família?
- No início não foi fácil que o entendessem, mas os valores que lhes partilhei os fizeram mudar de ideias.

Sandra, desde Abril de 2013 é líder local na sua comunidade, na cidade de Villavicencio, e com uma grande valentia ofereceu um espaço de reconciliação para que desmobilizados prestem o seu serviço social na sua comunidade. Á data mais de 150 pessoas em processo de Reintegração doaram o seu tempo para apoiar esta comunidade convertendo-se num exemplo a seguir na Colômbia.


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