Entrevista com Maria Lacalle, uma das 12 mulheres especialistas em pastoral familiar que participa do sínodo
Madrid, 03 de Outubro de 2014 (Zenit.org)
Maria Lacalle Noriega é uma das 12 mulheres especialistas em
pastoral familiar que participarão da III Assembleia Geral
Extraordinária do Sínodo dos Bispos, que começará neste domingo, 5 de Outubro, com o tema “Desafios pastorais da família no contexto da
evangelização”. Ela fará parte do grupo de 38 auditores presentes.
Professora de Filosofia do Direito e directora do Centro de Estudos
da Família da Universidade Francisco de Vitoria, de Madrid, Maria Lacalle
é também secretária geral da Sociedade Espanhola de Bioética e dirige a
Fundação Carmen de Noriega, criada por leigos a serviço da comunicação
na Igreja.
ZENIT conversou com ela.
* * *
ZENIT: Como foi a notícia da sua participação no Sínodo Extraordinário? Como você recebeu esta missão?
Professora Maria Lacalle: A notícia chegou no final de Julho, num
envelope enviado à Universidade Francisco de Vitoria pela nunciatura.
Fiquei muito surpresa e muito emocionada, porque não esperava. Não sei
com que critério eles seleccionaram as pessoas, porque tenho certeza de
que há mais gente com mais preparação. Mas me escolheram e eu estou
tentando fazer o meu melhor. Colaborei muito com a Conferência Episcopal
Espanhola e com o centro de estudos da família da universidade, mas não
esperava por isso. O que mais me emociona é pensar que o meu nome
chegou até a mesa do papa.
ZENIT: Qual será a sua missão durante esta Assembleia Extraordinária dos Bispos?
Professora Maria Lacalle: Eu vou como ouvinte e terei quatro minutos
para me dirigir ao plenário. O sínodo funcionará em sessões plenárias e
nos chamados círculos menores, que são como oficinas de trabalho. Esses
quatro minutos eu tenho que preparar muito bem porque, se eles forem bem
preparados, são suficientes para dizer muita coisa. E nos círculos
menores poderei falar se o bispo que preside me der a palavra. Suponho
que será uma coisa mais ágil e mais dinâmica. Perguntaram em que idioma
podemos trabalhar e eu respondi que poderei trabalhar em inglês e em
espanhol.
ZENIT: Qual é, para você, o objectivo principal do papa com este sínodo?
Professora Maria Lacalle: Este sínodo é extraordinário porque vai
culminar num texto que, por sua vez, servirá como documento de trabalho
para o sínodo do ano que vem. Acho que o papa está pensando nos
problemas da família. João Paulo II já dizia isso quando afirmava que a
família é o futuro da humanidade. E a família está numa crise clara,
inclusive a família católica, sem esquecer que família e fé andam
juntas. A crise de fé implica uma crise de enfraquecimento da família.
ZENIT: Como deveria ser tratado o conceito de família na actualidade?
Professora Maria Lacalle: O que me chama a atenção é que, embora a
família esteja em crise, em todas as pesquisas ela continua sendo a
instituição mais valorizada. Temos que falar da família natural. É algo
que podemos entender porque o homem é um ser familiar. O amor
incondicional nos permite um desenvolvimento na segurança e na auto-estima, que deriva dessa segurança. A família natural é do jeito que
é. E existem certos tipos de convivência familiar que se aproximam em
maior ou menor medida desse ideal de família, mas não são família. Não
podemos renunciar ao ideal.
ZENIT: Como você analisa o documento de trabalho preparado para esta Assembleia Extraordinária?
Professora Maria Lacalle: Lendo esse documento, eu fiquei muito
preocupada porque os meios de comunicação ressaltaram só um assunto, que
é a comunhão para os divorciados que voltaram a se casar. Eu não acho
que este seja o assunto; não há dúvida de que é um tema difícil e de que
pastoralmente é preciso acompanhar essas pessoas. Mas não acho que seja
o principal tema do sínodo. Os problemas da família católica são os
mesmos da família em geral. Mas temos uma fé que ilumina a realidade do
amor. E temos a graça. Mas, mesmo assim, estamos tão mal quanto a
família em geral. E há alguns problemas que são universais e outros que
são mais locais. Por exemplo, em alguns lugares o problema principal é a
poligamia, em outros é o machismo e a falta de igualdade total.
ZENIT: Qual dos pontos tratados no instrumentum laboris do sínodo deixa você mais preocupada?
Professora Maria Lacalle: O que mais me preocupa é a relação entre fé
e família. Um dos pontos diz que, apesar de uma percentagem elevada de
católicos que rejeita o magistério sobre o amor conjugal e a
sexualidade, ele é bem aceito quando é apresentado adequadamente. E é
aceito com mais facilidade quando há uma verdadeira vida de fé. Eu vejo
dois problemas nisto. Um é a falta de fé; há muitos católicos nominais
que não são católicos de verdade. E outro é que temos um problema de
comunicação. A mensagem cristã sobre o amor humano é o que existe de
mais belo no mundo. Mas é muito mal transmitida, às vezes! E quando é
bem transmitida, como diz o instrumentum laboris, é mais fácil de ser
aceita.
ZENIT: Qual é o seu parecer quanto à comunhão para os divorciados que se casaram novamente?
Professora Maria Lacalle: É um assunto mediático. Houve uma série de
bispos, em especial na Alemanha, Suíça e Áustria, que colocaram esse
tema. E os meios de comunicação aumentaram tudo. Também houve
muitíssimas respostas e muito bem colocadas. Acho que essas pessoas
precisam ser ajudadas. Não podemos deixá-las de lado. Mas também não
podemos destruir a indissolubilidade matrimonial, porque, além de ser
doutrina revelada, é lei natural. E a lei natural é um dos conceitos que
hoje não são entendidos. Por isso é preciso fazer um esforço para
explicá-lo bem. Essas pessoas têm que ser acompanhadas, mas sem negar a
irregularidade da sua situação.
ZENIT: O que você opina sobre as propostas para este assunto?
Professora Maria Lacalle: Eu estou certa de que todas as propostas
vêm da melhor das vontades e do desejo de construir uma Igreja melhor,
mas tenho a sensação de que, às vezes, por trás dessas propostas, há um
certo pessimismo antropológico, como se hoje em dia não fosse mais
possível viver um amor para sempre. E então teríamos que “facilitar as
coisas”. Mas nós temos a ajuda de Deus. Como dizia João Paulo II, a
força divina é maior do que qualquer dificuldade. Eu acho que o caminho
de rebaixar a exigência não é adequado teologicamente e também não é
adequado humanamente.
ZENIT: Você acha que todas as opiniões apresentadas no
questionário prévio, enviado às conferências episcopais, deveriam ser
escutadas?
Professora Maria Lacalle: Há coisas que chamam muito a atenção, como a percentagem alta de católicos de alguns países que aceitam qualquer
tipo de convivência como família. Apesar disso, eu acho que temos que
escutar tudo e dar razões e respostas. Esta é a vantagem da fé cristã:
ela é razoável. A família é uma instituição natural. Por isso, neste
âmbito da família e do matrimónio, nós podemos explicar a partir da
razão natural qual é o nosso evangelho da família.
ZENIT: O que você espera desta Assembleia Extraordinária?
Professora Maria Lacalle: Acho que é bom colocar a realidade sobre a
mesa. E a realidade é que a família, em muitos casos, está longe do que o
Magistério ensina sobre o que ela deveria ser. É bom dizer: o que
estamos fazendo de errado? O que podemos fazer para melhorar esta
situação e ajudar as famílias? Eu tenho certeza de que viver o amor
conjugal e familiar como a Igreja nos ensina é a melhor maneira de
vivê-lo. Não é para abduzir as pessoas no cumprimento das normas, mas
para ajudar as pessoas a viverem a vida familiar em plenitude.
ZENIT: O que você pediria a este sínodo extraordinário?
Professora Maria Lacalle: A minha esperança é que as conclusões se
concretizem num documento claro, com o qual o Sínodo Ordinário de 2015
possa trabalhar. O que mais me daria medo é um documento ambíguo,
etéreo. Seria uma pena. Espero que haja clareza e uma renovação do
evangelho da família e uma comunicação melhor deste evangelho da
família.
(03 de Outubro de 2014) © Innovative Media Inc.
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