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quarta-feira, 16 de abril de 2014

Trinta anos em campos de trabalho por ser da Legião de Maria: hoje é sacerdote e perdoa

O padre Mateo Koo da diocese de Shangai 

Um polícia conduz numerosos presos de um campo de trabalho
chinês presos numa corda
Actualizado 7 de Abril de 2014

P.J. Ginés / ReL

Mateo Koo é um sacerdote da diocese de Shangai que foi acorrentado 30 anos em campos comunistas de reeducação, basicamente por ser católico.

Recentemente esteve em Roma onde pode falar com jornalistas da sua experiência de muitos anos sem liberdade.

Prenderam-no em 1955, quando levava só dois anos de seminarista.
"Era a festa do aniversário de Nossa Senhora, chegaram os funcionários e prenderam sacerdotes, professores e seminaristas", explica.

"O meu crime era ser membro da Legião de Maria. Juntei-me à Legião de Maria na escola superior. E por isso deram-me uma primeira sentença de cinco anos, sem juiz, sem advogado..."

O padre Mateo Koo na sua passagem por Roma
O ódio comunista à Legião de Maria
Haverá quem se assombre de que sendo seminarista se recorresse a outra acusação para castiga-lo, como a sua pertença à Legião de Maria. Mas é que este movimento mariano, fundado na Irlanda pelo laico Frank Duff em 1921, tinha-se estendido pela China como a pólvora.

Num país enorme onde o clero sempre seria escasso, a Legião de Maria estendia-se formando líderes laicos. Johanna Hsiao, uma laica menor de 30 anos, foi encarcerada em 1951 porque tinha fundado no norte da China 362 grupos ou células da Legião (chamados "presidios", que em latim significa "fortalezas").

Em 1949 Mao criou a República Popular da China. Nesse momento tinha no país 3.000 sacerdotes estrangeiros e 2.350 religiosas estrangeiras para atender uns 4 milhões de católicos. Mao começou a deportar sacerdotes. Cinco anos depois, só restavam na China 22 sacerdotes estrangeiros... E 18 deles estavam na prisão. Dos 2.500 padres chineses, um de cada cinco estava encarcerado.

A Legião de Maria, com os seus laicos que se reuniam em casas para a oração e a formação e com um compromisso forte, era especialmente odiosa ao regime comunista, não tanto pelas suas cifras (espectaculares desde o ponto de vista europeu, mas menores na enorme China) mas sim porque impedia criar uma igreja paralela dócil ao sistema comunista. Com o seu vocabulário cheio de alusões romanas (estandartes, legiões, presidios...) a propaganda comunista de seguida apresentou-a como "imperialismo romano". A perseguição contra ela foi especialmente dura... Incluindo o jovem seminarista Koo.

Livro clássico do missionário
Juan Schütte que estuda a
propaganda comunista chinesa
contra a Legião de Maria,
apresentada como militares
romanos com armas
"Nega ser contra-revolucionário"
Depois de uns poucos anos no campo de reeducação, mudou o governo na China e levaram Koo a um julgamento... Só para acusá-lo de "negar-se a admitir que é um contra-revolucionário" e "negar que a Legião de Maria é uma organização contra-revolucionária". E sentenciaram-no a outros 3 anos.

No campo de trabalho tinha que fabricar tijolos, fazer buracos no solo... Tarefas físicas esgotadoras.

Mas animicamente estava bem, porque na sua mesmo equipa havia outro seminarista e quando podiam rezavam juntos o Rosário.

Um dia o outro seminarista passou-lhe uma nota animando-o a rezar pelo Papa. Os guardas descobriram-na e condenaram Koo a outros 7 anos de trabalhos forçados.

Frio e fome quase mortal
Quando já levava 10 anos de prisão, transferiram-no para um campo bastante pior, na gélida região de Qinghai, junto ao Tibet. Além do frio, durante 3 anos o país sofreu uma escassez de alimentos terrível. "Não tínhamos nada para comer, a minha saúde piorou". Ficou nos ossos, não podia nem levantar-se nem trabalhar. Durante um ano e meio pensou que ia morrer assim. Mas ganhou forças suficientes para apresentar-se a ajudar com os enfermos... Onde havia algo mais de comida. Assim venceu essa época. Recobradas as suas forças, passou logo outros 10 anos triturando cereais. 

Posto em "liberdade"
E depois acabou-se a sua pena "oficial". Já não era um prisioneiro. Agora era um cidadão mais... Obrigado pelas autoridades a ficar igualmente no mesmo campo, fazendo o mesmo trabalho e com a mesma comida, mas com a diferença de que agora receberia um diminuto salário, "que em três dias se acabava". E assim continuou no campo como mão-de-obra semiescrava, cumprindo um total de 30 anos.

Mas havia outra diferença no seu período de semiliberdade. Coincidiu dois anos com o seu bispo, o bispo Fan de Shanghai, também em "reeducação" (aqui no ReL contávamos os seus recentes funerais). O bispo Fan ordenou sacerdote o seu antigo seminarista, depois de tantos anos, numa capelinha, às escondidas. Por fim, podia ser sacerdote.

Um congresso de sobreviventes
Agora que há mais liberdade, Koo espera com ilusão um congresso em 8 de Setembro de 2015 em que por causa dos 60 anos de abrir-se o primeiro campo de reeducação se reunirão ex-presos e sobreviventes chegados de todo o mundo para contarem as suas vivências.

O padre Koo perdoa aos captores e guardas. E assinala algumas melhorias na China. Por exemplo, o ano passado um sacerdote celebrou missa numa fábrica chinesa, algo completamente ilegal. "Chegou a Polícia e dispersou as pessoas, mas não prenderam ninguém. Há 30 ou 40 anos, talvez teriam detido os assistentes. Estamos contentes. Podemos falar com os funcionários", disse.

E sem dúvida, o padre Koo não pode aceder ao seu bispo, que é o jovem Mateo Ta Daqin, em prisão domiciliária desde que (no mesmo dia que foi consagrado bispo) se permitiu criticar o controlo do Estado sobre a Igreja.


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