1. Liberdade política
Todos os anos o povo português comemora o 25 de Abril, há dias pela 40ª vez, com um dia feriado, com muitas manifestações públicas e muitos discursos, uns eufóricos e outros carregados de desilusão. Este ano até a Associação dos Capitães 25 de Abril quis discursar na Assembleia da República para manifestar que não foram cumpridos os ideais da revolução dos cravos.
Todos os anos o povo português comemora o 25 de Abril, há dias pela 40ª vez, com um dia feriado, com muitas manifestações públicas e muitos discursos, uns eufóricos e outros carregados de desilusão. Este ano até a Associação dos Capitães 25 de Abril quis discursar na Assembleia da República para manifestar que não foram cumpridos os ideais da revolução dos cravos.
Deus queixa-se do seu povo, libertado da escravidão do Egipto, porque nas agruras do caminho da liberdade através do deserto quer voltar à escravidão, com saudade das cebolas do Egipto, trocando a liberdade pelo estômago. Nas últimas semanas lembrei-me muitas vezes deste episódio do povo bíblico ao ouvir e ler certos comentários sobre a situação actual e a desilusão de muitos, inclusive de alguns que intervieram activamente no derrube do regime do Estado Novo.
As motivações económicas são importantes, mas não podem ser nem as únicas nem as prioritárias. Além disso dependem de muitos factores e os recursos não são ilimitados. Por isso qualquer democracia precisa de regulamentar e criar equilíbrios entre muitos princípios e valores fundamentais. Mesmo os ideais da revolução francesa, liberdade, igualdade, fraternidade, hoje afirmados pela Carta dos Direitos Humanos e na base de qualquer democracia, precisam de ser complementados por outros valores, nem sempre aceites por todo o povo. Por isso temos a tripartição dos poderes numa sociedade democrática: judicial, deliberativo e executivo, que nem sempre conseguem criar os equilíbrios democráticos necessários. Os dois últimos podem ser mudados através de eleições, mas os três só mesmo através de revolução, cuja moralidade pode ser contestada, sobretudo quando implica violência.
Como se costuma dizer, a democracia é o melhor de todos os regimes imperfeitos. Também na democracia dos porcos há sempre alguns que são mais iguais que os outros, segundo o famoso romance de Orson Welles. O caminho da liberdade é sempre espinhoso, difícil, porque não está em causa apenas a minha liberdade, mas a de todos. E para que se respeite a dignidade fundamental da pessoa humana é preciso ter em atenção os mais débeis, as crianças, os idosos, os doentes, etc. Por isso a liberdade como expressão fundamental da pessoa não pode ser absoluta e a concepção de pessoa tem de implicar a relação em muitas dimensões: consigo, com os outros, com a natureza e, no fundo, com Deus. Nos últimos decénios todas as democracias têm tentado regulamentar a liberdade religiosa, mas ainda há um longo caminho a percorrer, nesta e noutras áreas. O pior que nos pode acontecer é cairmos na indiferença, no desinteresse e num individualismo e egoísmo fechado ao interesse comunitário.
2. Liberdade de espírito
No dia 27 de Abril, na cerimónia de canonização de dois Papas, João XXIII e João Paulo II, o Papa Francisco dizia do primeiro que foi uma pessoa dócil ao Espírito Santo, com uma grande liberdade de espírito, que deu início a uma grande revolução na vida da Igreja, convocando o concílio ecuménico Vaticano II.
Aqui está o cerne da questão da liberdade, que pode subsistir mesmo em regimes não democráticos, pois a liberdade de consciência, aberta às relações fundamentais, não pode ser acorrentada ou encarcerada. Alcançar esta liberdade não depende só de nós, da educação recebida na família e na sociedade. É uma meta sempre distante, mas no horizonte do nosso caminho de vida, na complexidade das relações humanas e transcendentes.
Jesus afirma no evangelho que é a verdade que nos tornará verdadeiramente livres. Mas o que é a verdade, perguntou Pilatos a Jesus e ficou sem resposta. Esta obtêm-se através de um longo percurso, e não depende apenas das nossas capacidades. Por isso a feliz expressão do Papa Francisco sobre a docilidade ao Espírito Santo da pessoa do bom Papa João XXIII tem aqui todo o sentido e dar-nos-ia matéria para uma longa reflexão, que deixo aqui à consideração dos leitores e ouvintes, convidando-os a abrir-se à verdade que nos transcende, a escutar os outros, a tentar compreendê-los e sobretudo a invocar o Espírito Santo através da intercessão destes novos santos da Igreja católica, homens de carne e osso, que conhecemos, que admiramos e marcaram as nossas vidas, a Igreja e o mundo.
Até para a semana, se Deus quiser
† António Vitalino, Bispo de Beja
Nota semanal em áudio:
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