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sábado, 26 de abril de 2014

João XXIII e Togliatti, "homens de boa vontade"

No contexto histórico da Guerra Fria, a abertura de um diálogo entre a Igreja católica e os movimentos socialistas


Roma, 25 de Abril de 2014 (Zenit.org) Federico Cenci


Em 1963, os ecos da crise dos mísseis cubanos já haviam se propagado por todo o planeta. Com as feridas da última guerra mundial gradualmente se cicatrizando, um novo cenário catastrófico aparecia para muitos como uma realidade próxima.

Destacava-se o compromisso primordial de grandes líderes mundiais para evitar que entre os dois blocos, atlântico e comunista, houvesse um confronto com efeitos destrutivos incalculáveis.

Na Itália, a atenção ao quadro geopolítico gerou convergências antes imprevisíveis. A maioria dos historiadores concorda em indicar o ano de 1963 como um marco na abertura de um canal de diálogo e entendimento sobre algumas questões entre o mundo da esquerda e a Igreja Católica.

 Em plena campanha eleitoral, 20 de Março de 1963, Togliatti faz um discurso em Bergamo, intitulado O destino do homem. Das palavras do secretário do Partido Comunista jorra a intenção de construir uma ponte com o mundo católico que vive sob o pontificado do Papa João XXIII, um ponto decisivo de reforma. Poucos dias depois, em 11 de Abril, o Santo Padre promulgou a encíclica Pacem in Terris, dirigida a "todos os homens de boa vontade" e que, convida a um esforço comum para instaurar o valor supremo da paz. Texto esse de Papa Roncalli, também apreciado por Pietro Nenni, líder do Partido Socialista Italiano.

 Aquilo que se respira na Itália é, finalmente, um ar leve, não mais cheio de desconfiança e emulação acumulado em décadas anteriores. "Para entender esse diálogo sem fazer confusão (adverte o sociólogo Paulo Sorbi) é bom entender o contexto histórico em que estão localizados estes grandes líderes".

 "Nos anos 60 se entrelaçam uma grande esperança no futuro, materializado pelo grande crescimento económico, e as manifestações dos trabalhadores, sindicatos e alunos", diz o professor, ex-hippie e agora estandarte dos valores cristãos. "Para não cair na dinâmica da conspiração (afirma Sorbi) é preciso entender o grande optimismo predominante naqueles anos”.

 Além da confiança no futuro, é necessário considerar outro aspecto que determina a proximidade entre a Santa Sé e o mundo da esquerda. "Todo o movimento socialista daquela época, estava ciente da existência de uma síntese antropológica entre crentes e não-crentes". É neste contexto que se desenvolve "a reflexão sobre a paz e o destino do homem", que tem na figura de Don Giuseppe De Luca, “o sacerdote mais erudito do século passado" - elemento fundamental na reflexão.

 Alguns tentaram instrumentalizar essas tentativas de diálogo "entre os homens de boa vontade", a ponto de acusar João XXIII de ser um "papa socialista". Sorbi rejeita este rótulo, porque - explica - “o humanismo comum entre os dois ‘adversários’ (Roncalli e Togliatti) elimina a priori o conceito de instrumentalização”. O sociólogo traça o perfil dos dois líderes "à procura de uma amizade para abrir um mundo de convergência entre a Igreja e o movimento operário internacional, depois da impressionante ruptura de 1917".

 Convergência que acaba pendendo. A responsabilidade deve ser encontrada, de acordo com Paolo Sorbi, em ambos os lados. “Dentro da Igreja do pós- Concílio, referências como Giovanni Montini e Jacques Maritain são abandonadas, por um extremismo sem propósito”. Tomando o filósofo alemão Wilhelm Wundt, o professor Sorbi fala de uma "heterogenese dos fins" dentro da Igreja que saia do Concílio Vaticano II. Sobre o movimento comunista italiano, no entanto, o professor revela a incapacidade de "abandonar a relação histórica com a União Soviética", a casa do ateísmo de Estado.

É possível evocar hoje, com a Guerra Fria para trás, os fios conectados na década de 60? Para o prof. Sorbi é muito difícil. "A esquerda italiana e europeia - diz ele - é coberta pelo fenómeno que eu chamaria niilista radical." Além disso, desvinculado da verdade e de qualquer relação social, os direitos civis sedimentados pela esquerda colocam a pessoa em um triste isolamento, no individualismo, e na negligencia da dissolução. "Se quiser falar com a Igreja e com outras instituições religiosas, é preciso aceitar a natureza comum que Togliatti tinha entendido e assumir o compromisso de combater a emergência antropológica que vivemos hoje", concluiu Paolo Sorbi, o "marxista- ratzingeriano".

(Trad.MEM)

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