O rabino Skorka revelou a vontade de Bergoglio de lançar luz sobre o comportamento da Igreja e de Pio XII nos anos do Holocausto. Padre Lombardi: "Nenhuma novidade. O Vaticano trabalha nisso há anos
Roma, 20 de Janeiro de 2014 (Zenit.org) Salvatore Cernuzio
Enquanto se aguarda o resultado da investigação sobre
Medjugorje da Comissão internacional encabeçada pelo cardeal Runi,
abre-se uma janela sobre outro assunto vaticano permanecido suspenso no
tempo: o obrar da Igreja durante a tragédia da Shoah. É notícia recente,
de fato, que o Papa Francisco tenha decidido abrir o mais rápido
possível os arquivos secretos da Santa Sé relativos ao período do
Holocausto para poder esclarecer como se comportou a Igreja naquele
período de trevas, e sobretudo, de que modo atuou o pontífice então
reinante, Pio XII. Tema este que está no centro de uma amarga disputa
entre críticos e historiadores há décadas.
Quem revelou as intenções do Santo Padre nos dias passados foi o
rabino Abraham Skorka à revista Sunday Times. O reitor do Seminário
Rabínico de Buenos Aires, há tempo amigo íntimo de Bergoglio, depois de
ter encontrado o Pontífice sexta-feira, afirmou: “Acho que abrirá os
arquivos, a questão é muito delicada e devemos continuar a analisá-la”.
Apesar da declaração do rabino ter chamado a atenção da imprensa
internacional, na verdade não revela nada de novo, considerando que já
são mais de seis anos que o Vaticano trabalha para disponibilizar tais
cartas. “Parece-me que não haja nenhuma novidade nisso”, minimizou de
fato o director da Sala de Imprensa vaticana, padre Federico Lombardi: “A
orientação da abertura dos arquivos vaticanos, aos poucos, e dos vários
fundos do pontificado de Pio XII ainda fechados, é uma orientação
seguida por décadas pela Santa Sé e repetidamente reafirmada".
"A abertura - afirmou no entanto Lombardi - requer, porém, tempos
técnicos necessários para o trabalho de ordenar os documentos, antes de
permitir-lhes a consulta”. Por outro lado, trata-se ‘somente’ de cerca
de dezasseis milhões de folhas, mais de 15 mil envelopes, 2.500 registos, provenientes das mais variadas fontes: Secretário de Estado,
Congregações da Cúria Romana e nunciaturas. "Os arquivos - disse o
porta-voz do Vaticano - deveriam ser abertos uma vez, completada a
classificação, sejam efectivamente consultáveis”.
A decisão de Francisco parece ser o enésimo sinal da vontade de dar
novamente à Igreja uma imagem totalmente transparente. Já como cardeal
tinha manifestado o desejo de iluminar as áreas de sombra deste doloroso
acontecimento. No livro de 2010 "O céu e a terra”, elaborado a quatro
mãos com o próprio rabino Skorka, o Arcebispo de Buenos Aires escreveu
que: "O que você diz sobre os arquivos do Holocausto parece-me
absolutamente certo. É justo que se abram os arquivos e se esclareça
tudo. Que se descubra se foi possível fazer alguma coisa e em que
medida. E se erramos em algo devemos dizer: ‘erramos nisso’. Não devemos
ter medo de fazê-lo".
"O objectivo - continuava Bergoglio - deve ser a verdade. Se
começarmos a esconder a verdade negamos a Bíblia. É preciso conhecer a
verdade e abrir aqueles arquivos. É preciso ler o que está escrito...
compreender se se tratou de um erro de visão ou o que acontece
realmente. Não tenho dados concretos. Até os momento os argumentos que
escutei a favor de Pio XII parecem-me fortes, mas tenho que admitir que
não foram examinados todos os arquivos”. O então purpurado se referia
naturalmente àquela parte dos arquivos que – como dizia padre Lombardi –
ainda estão ‘desordenados’ e que, justamente por isso, poderiam gerar
ulteriores confusões. De qualquer forma, de acordo com Bergoglio, a
Igreja, “não deve ter medo da verdade, que é o único fim”.
De acordo com as declarações de Skorka a urgência do Papa para
reabrir o caso, deve-se ao fato de que o Papa gostaria de publicar os
documentos reservados para poder dar luz verde ao processo de
canonização de Pacelli, evitando controvérsias desnecessárias sobre a
sua posição no anos da "solução final" nazista. Como em 2009, na ocasião
do reconhecimento das "virtudes heróicas" de Pio XII, que foi uma
faísca que fez explodir duras críticas sobre o seu inademplimento e
sobre o seu “silêncio” durante a Shoah. Até mesmo, o Yad Vashem (o museu
do Holocausto em Jerusalém) julgou "lamentável" que tivessem
reconhecido tais “virtudes” antes da publicação de “todos os
documentos”.
Mas a discussão já se arrasta por anos e anos: por um lado, há
aqueles que acusam Pio XII de ter feito pouco ou nada para combater a
Alemanha nazista e o seu plano de aniquilação da população judaica, e de
não ter impedido a deportação dos hebreus romanos, no dia 16 de outubro
de 1943. Por outro lado, há aqueles que defendem a capa e espada o
Pontífice – não se pode deixar de citar o trabalho da irmã Margherita
Marchione - e lembra como, por indicação do Vaticano, igrejas e
conventos salvaram milhares de vidas, escondendo e assistindo nas suas
estruturas mulheres, homens, famílias, idosos e crianças judias que
fugiam do Terceiro Reich.
O exame final querido por Francisco provavelmente decretará quais das
duas facções esteja certa. De acordo com estudiosos e insiders do
Vaticano não se acrescentará muito a já ampla “síntese” publicada em
doze volumes em 1965, intitulada Actes et documents du Saint Siège
relatifs à la Seconde guerre mondiale. Entretanto, tudo isso deveria
acontecer antes da viagem do Papa à Terra Santa, programada do 24 ao 26
de maio, durante a qual Bergoglio visitará justamente o Yad Vashem. Se
espera que então se tenha ‘os documentos em ordem’ para pronunciar uma
palavra de arrependimento ou aplaudir a acção da Santa Sé, durante os
anos de atrocidades.
(Traduzido do original italiano por Thácio Siqueira)
(20 de Janeiro de 2014) © Innovative Media Inc.
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