A forma de raciocinar relativista é profundamente contraditória, pois pretende negar o que supõe desde o princípio: a existência da verdade
Roma, 27 de Janeiro de 2014 (Zenit.org) Pe. Anderson Alves
Não restam dúvidas de que vivemos numa época relativista.
Cada vez mais pessoas pensam que não há nenhuma verdade certa, ou que a
verdade não seja conhecível, ou, o que é equivalente, que todas as
afirmações são igualmente verdadeiras. Esse tipo de relativismo vem se
impondo como pensamento único. Quem nega ser verdade que não exista
verdade faz algo óbvio, à custa de ser chamado de prepotente,
intolerante e antidemocrático; em uma palavra: um perigo público. Como
dissemos em outra ocasião, vivemos numa cultura dominada não por um
relativismo absoluto, algo essencialmente contraditório, mas sim por um
absolutismo relativista[1].
O dito relativismo pode ser bem contemplado em um raciocínio
frequente do chamado “pós-modernismo”. Afirma-se que todos os homens são
iguais; por isso, quando dois homens possuem opiniões diversas, ambas
devem ser tidas como verdadeiras, pois seria “antidemocrático” ou
“politicamente incorrecto” dizer que uns homens têm razão sobre outros.
Esse estranho raciocínio pretende ser relativista, mas supõe a
existência de verdades firmes e incontestáveis: a igualdade essencial de
todos os homens, a certeza de que a democracia é a melhor forma de
governo possível e que o “politicamente correto” deve ser o padrão único
de linguagem. Sendo assim, esse raciocínio expressa aparentemente o
relativismo, mas se funda em dogmas bem sólidos.
De qualquer modo, o que aqui se expressa é que o critério de verdade
deixou de ser a relação do juízo com a realidade conhecida e passou a
ser a relação do juízo com a dignidade de quem o profere. Todo juízo
deveria ser considerado igualmente verdadeiro (ou igualmente falso) só
pelo fato de que foi realizado por um ser humano portador de uma
dignidade intrínseca.
Com isso queremos mostrar que a forma de raciocinar relativista é
profundamente contraditória, pois pretende negar o que supõe desde o
princípio: a existência da verdade. Supõe, por exemplo, a verdade de que
todos os homens são iguais em dignidade e, posteriormente, afirma que
não existe nenhuma verdade.
O que importa é que essa forma de pensar relativista dá por certo que
não há uma verdade e uma bondade intrínsecas às coisas. A verdade de
cada coisa é a que cada um constrói, e o valor de cada uma é totalmente
atribuída pelo sujeito. Mas qual seria a consequência desse tipo de
pensamento?
R. Guardini foi um autor que reflectiu sobre esses temas e deu
respostas diametralmente opostas. Em primeiro lugar ele constatou que
algo presente em diversos momentos da história do pensamento é a
afirmação de que o bem é a verdade de cada coisa, na medida em que se
torna objecto do agir. Sendo assim, do que é verdadeiro em si surge a compreensão do que é realmente justo. O bem moral seria então o justo que
brota da essência de cada realidade particular.
E, quando se reconhece a verdade das realidades em si mesma, se
exclui da ética o “direito à arbitrariedade”, ou seja, o direito de agir
com a natureza assim como se quer, impondo-lhe o dever de actuar segundo
o próprio interesse. O dito “direito à arbitrariedade” seria intrínseco
ao “existencialismo”, ao pós-modernismo e a outras formas de pensamento
relativista. Por outro lado, se há uma verdade intrínseca às coisas, o
bem é o que deve ser feito sempre, e equivale à verdade das coisas em si
como tarefa para o agir moral. A verdade das coisas e do bem exclui
então o direito à arbitrariedade, a qual é expressão de um puro
voluntarismo.
E todo totalitarismo manifesta horror pela verdade, porque essa é a
única força que destrói toda imposição arbitrária na sua raiz. E a
verdade das coisas é algo essencialmente democrático, pois pode ser
conhecida por todos os que a buscam.
Todo regime totalitário, pois, está convencido de que não exista uma
essência objectiva sobre as coisas, sobre a natureza, sobre as relações
humanas e sobre a moral. Por isso o totalitarismo visa sempre difundir
uma mentalidade relativista. Só assim pode manipular as pessoas segundo
os próprios interesses. R. Guardini viu isso no regime nazista, que
negava a existência de normas morais certas e da verdade reconhecida por
todos. Aquela tirania relativizava o que era aceito pacificamente por
todos, absolutizando suas próprias ideias perversas, e impunha um regime
de pensamento único, o qual está intrinsecamente ligado ao terror. Hoje
vemos que o relativismo pretende que tratemos a verdade como se fosse
mentira, e a mentira como se fosse verdade.
Entretanto, se as coisas são realmente inteligíveis e se o ser delas
manifesta o bem a ser realizado, o homem se reconhece como um ser
responsável pelo mundo. Ele deve conhecer a realidade que lhe foi dada
para agir de modo responsável. Se há uma verdade que rege o agir moral, o
homem não pode querer dominar a realidade com uma “vontade de poder”
absoluta.
E a cultura nada mais é do que a capacidade de perceber a exigência
que surge da verdade de cada coisa e a disponibilidade de lhe
corresponder. «O homem deve decidir aceitar ou refutar a realidade. Ele é
responsável por isso pelo fato de ser homem. Ser homem significa
precisamente ser responsável pelo mundo»[2]. De fato, a dita responsabilidade, fundada na certeza de se poder alcançar a verdade sobre cada coisa, se manifesta na cultura.
Por outro lado, o relativismo, ou seja, a negação da verdade
implícita de cada realidade como indicação de actuação, gera a destruição
da cultura. Nada mais destrutivo do que o relativismo. Por outro lado, o
homem culto é aquele capaz de distinguir os valores verdadeiros e os
falsos, ou seja, conhece as realidades e o valor implícito de cada uma. O
homem culto musicalmente, por exemplo, é aquele que conhece e valoriza
as obras musicais realmente de grande importância.
O relativismo, no fundo, nega a verdade e a bondade das coisas e,
fazendo isso, faz tudo se tornar indiferente. E a dita indiferença
destrói a cultura, a educação, a moralidade e a mesma sociedade. Se não
há uma verdade e uma bondade em cada coisa, para que estudar? Para que
se dedicar ao trabalho científico? Para que serve a arte se não para
exprimir de forma singular e bela uma verdade e uma bondade conhecida? E
como ser ético na vida profissional se não há nenhum bem conhecível?
Portanto, o totalitarismo relativista, que pretende dominar nossas
sociedades, além de ser contraditório e autoritário é um verdadeiro
obstáculo para o progresso humano, cultural, político e social das
nossas sociedades.
[1] Cfr.: A. Alves, Relativismo absoluto ou absolutismo relativista. Disponível em: http://www.zenit.org/pt/articles/relativismo-absoluto-ou-absolutismo-relativista
[2] R. Guardini, Etica, Editrice Morcelliana, Brescia 2003, pp. 53-54.
(27 de Janeiro de 2014) © Innovative Media Inc.
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